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sábado, 25 de julho de 2015

Em busca da felicidade: em seminário no RJ, pesquisadores debatem maneiras alternativas de ser feliz


Simpósio interdisciplinar buscou refletir sobre tema a partir de diferentes áreas do conhecimento; para professora da UFRJ, sentimento não surge repentinamente como a alegria, mas nasce da reflexão: 'é algo de longo prazo'
Enquanto na Europa se negociava pela enésima vez o pagamento da dívida da Grécia, do outro lado do Atlântico meia centena de pesquisadores universitários se reuniam no Rio de Janeiro para falar de algo tão pouco tangível e concreto quanto isto: a felicidade.
“Nesta sociedade massificada e globalizada, estamos desaprendendo o que é a felicidade. Hoje existe um modelo de felicidade imposto desde lá de cima que nos governa. É um modelo materialista, que está focado totalmente no dinheiro”, afirma Teresa Salgado, professora de Literaturas Africanas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Teresa participa há cinco anos de um grupo de pesquisas sobre o tema, e este ano organizou um seminário com o título esperançoso de “Busca da Felicidade”. Na primeira semana de julho, pesquisadores se reuniram no Rio de Janeiro com a finalidade de refletir sobre temas tão sensíveis como transcendentes. O que é a felicidade? É possível alcançá-la? Qual é o caminho? Como chegar a outro conceito de felicidade?
Os participantes do simpósio, a maior parte deles brasileiros, debateram temas como culinária, filosofia, religiosidade, música, psicologia e pacificação das favelas cariocas.
Um dos fios condutores da reflexão era a poesia e a literatura da África. A pergunta é: O que um povo como o brasileiro, famoso por sua alegria transbordante, pode aprender com os povos africanos? “Eu aprendi tantas coisas com eles... Por exemplo, a ser autêntica, a ser uma pessoa que se relaciona com o espaço pelo que ele realmente é, de uma forma verdadeira e sorrindo”, diz Naduska Palmeira, professora e doutoranda em Literatura Africana na UFRJ.
Naduska morou em São Tomé e Príncipe durante quatro anos, de 2009 a 2013. Lá ela conheceu a obra poética de vários autores locais, que acabaram vivendo em Portugal. “Em São Tomé, não há uma pessoa sequer que não sorria. É um povo muito feliz, talvez porque seja um país pequeno onde a pessoas não têm que pegar um ônibus todos os dias para ir ao trabalho; onde você levanta a mão e come a fruta de uma árvore ou vai para a praia e pesca alguma coisa para o jantar. Lá esta relação com o capital e a necessidade de dinheiro não é muito forte”, conta esta pesquisadora.
“A África tem muito a contribuir na nossa relação com o corpo, algo que se perdeu no Ocidente. Cobrir o corpo não tem a ver apenas com o clima, mas com o conceito de culpa do catolicismo. A religiosidade africana lida muito bem com o corpo e a sexualidade e nós, brasileiros, somos herdeiros disso”, diz Teresa, organizadora do congresso.
Mulher do povo Dizi, no sul da Etiópia. Foto: Rod Waddington / Flickr CC
Mulher do povo Dizi, no sul da Etiópia. Foto: Rod Waddington / Flickr CC
As culturas africanas estão muito presentes no Brasil, um país que foi construído graças ao esforço e ao suor de milhões de escravos do continente e que ainda não resgatou totalmente sua riquíssima herança afro-brasileira. Não é uma coincidência que o país tenha sido o último a abolir a escravidão, em 1888.


“A partir do ponto de vista da literatura, com os povos africanos podemos aprender a esperança e a utopia, principalmente no período anterior à independência”, destaca Pires Laranjeira, professor de Literaturas Africanas na Universidade de Coimbra, em Portugal.
“Depois dos processos de independência, este conceito de utopia e de felicidade realizada veio por água abaixo, porque eles tiveram de enfrentar a pobreza e a escassez, governos autoritários e corruptos e guerras civis. As pessoas em seu dia a dia foram absorvidas pelos problemas cotidianos. Tudo isso se reflete na literatura”, acrescenta o professor.
Teresa conta que o interesse pelo tema nasceu em 2010 a partir de uma história pessoal e de uma reflexão sobre a imagem que o Ocidente tem da África. “Eu estava em um momento muito difícil da minha vida e comecei a analisar minhas escolhas profissionais e afetivas”, relata a pesquisadora.
“Ao mesmo tempo, meus alunos me pediam para abordar a África de outra maneira. Eles se perguntavam por que a imagem deste continente está sempre associada a conceitos como guerra, violência, pobreza, opressão e miséria. Num dia, eu levei para a sala de aula um livro do escritor angolano Ondjaki. Este autor me intrigava porque ele tem um livro quase proustiano, em que fala de sua memória de felicidade na época de sua infância. Aquela história, intitulada ‘Bom dia, camaradas’, me parecia impossível: como é possível falar da busca da felicidade no espaço africano?”, questiona Teresa.
Este foi o ponto de partida de uma reflexão muito mais ampla que culminaria em um fórum onde se fala da felicidade sem tabus. O objetivo do simpósio não é apenas acabar com a ideia unitária de apenas uma África, mas colocar em xeque os modelos globais de felicidade, que foram impostos em todo o mundo à medida que o estilo de vida capitalista foi avançando nos cinco continentes.
Os pesquisadores convidados também questionam por que os artistas têm de estar necessariamente envolvidos em uma aura de infelicidade e angústia para serem considerados grandes criadores. “O mito do escritor angustiado sobrevive até hoje. A ideia predominante é que sem sofrimento não há produção artística, e este estereótipo contamina também os pesquisadores. O mito romântico do mal do século, no qual o suicídio desempenha um grande papel, perdura, e hoje a felicidade no âmbito acadêmico ainda produz vergonha. Por isso, refletir sobre a felicidade não é apenas ir contra a ideia do mercado, mas também recuperar a força desta palavra”, diz Teresa.
Segundo a professora, a ideia de felicidade surge no período neolítico, quando os seres humanos começam a pensar sobre o sentido de suas vidas. Com os pré-socráticos, na Grécia antiga, a felicidade passa a ser tema de debate. “Hoje, no entanto, falar de felicidade no espaço acadêmico está quase proibido. Os meios de comunicação se apropriaram deste assunto, e os intelectuais acreditam que a felicidade é um tema banalizado. É como se a palavra tivesse perdido sua força e ninguém quisesse se confrontar com este conceito”, afirma Teresa.
O seminário também abordou temas da atualidade, como a ocupação militar da favela carioca da Maré. O cineasta Clementino Junior, fundador do Cineclube Atlântico Negro, apresentou um breve documentário produzido especialmente para o evento.
“Feli(z)cidade” analisa o difícil processo de pacificação da Maré, ocupada há mais de um ano pelo Exército brasileiro, através de entrevistas com moradores e trabalhadores da comunidade, e com imagens do fotógrafo documentarista Naldinho Lourenço.
“Perguntei a várias pessoas na Maré o que é para eles a felicidade neste ano de ocupação militar. Muitos se mostraram preocupados com os tiroteios que acontecem quase diariamente. Lamentavelmente, no conflito permanente entre Exército, polícia e traficantes, os inocentes quase sempre levam a pior”, assegura Clementino Junior, para quem o Rio de Janeiro é uma cidade que vive mergulhada em um conflito.
A conclusão a que chega o cineasta é que a felicidade na favela ocupada está muito ligada ao conceito de paz. Porém ele acredita que se trata de algo conjuntural. “Quando os habitantes conseguirem conquistar a paz que tanto desejam, estarão em busca de outra felicidade”, afirma.
“Para mim, que sou de Minas Gerais e moro há anos no Rio de Janeiro, a felicidade necessariamente passa pelo conceito de paz e tranquilidade. Acredito que toda a cidade está pensando nisso”, afirma Naduska. “Pelo contrário, no Nordeste do país, durante um carnaval, tive a impressão de que a felicidade estava muito ligada à festa, à alegria das ruas. Então não é fácil falar de uma felicidade, mas sim de felicidades”, acrescenta.
“A felicidade nasce da reflexão. Segundo a maioria dos estudos que eu li, ela não surge repentinamente como a alegria. É algo ligado a um pensamento de longo prazo. Pessoalmente, para mim, tem a ver com me sentir conectada com outras pessoas, com a amizade e o engajamento”, comenta Teresa.
“A mercantilização da sociedade apela constantemente à ideia de felicidade. A mensagem é que comprando mais, gastando mais, dando uma atenção exagerada ao corpo, ao hedonismo e ao bem-estar, seremos mais felizes. Por isso me parece muito útil um seminário como este, que desconstrói este modelo de felicidade”, conclui Pires Laranjeira.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria original publicada no site espanhol Yorokobu.

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