A editora Marvel recomeça suas publicações do número 1 e tenta tornar seus heróis mais diversos e parecidos com o público
NINA FINCO
17/07/2015
Há pelo menos 80 anos, os super-heróis salvam o dia nas histórias em quadrinhos. A fórmula que mistura habilidades sobrenaturais, identidades secretas, trajes vistosos e pancada nos vilões segue levando fãs a bancas e lojas de HQs em todo o mundo. Nos últimos anos, eles se transformaram em ícones pop – famílias inteiras vão aos cinemas ver filmes de super-heróis, e moderninhos que nunca chegaram perto de um gibi usam camisetas e tatuagens com símbolos desses combatentes do crime. Os heróis quebraram os limites das páginas de revistas, mas seus poderes não os tornaram capazes de superar outro obstáculo bem típico do século passado: a falta de diversidade. Até hoje, super-herói que faz sucesso mesmo é homem, branco e heterossexual. Eles podem até ser extraterrestres, como Thor ou Super-Homem, mas tendem a viver nos Estados Unidos, passam fáceis por suecos e se enamoram pelo sexo oposto. O que os torna, hoje em dia, diferentes de grande parte do público amplo que os admira.
Entre os curtidores de aventuras de super-heróis há mulheres, gays, minorias em geral e todo tipo de grupo que, hoje, tem voz e orgulho de sua identidade. Quadrinhos já foram culto de meninos. Hoje, são lidos por uma comunidade planetária. Como incluir, nas histórias, personagens representativos dessa diversidade toda? A dúvida vinha atormentando a Marvel, nascida há 76 anos como editora de HQs, dona hoje de um terço desse mercado e braço do gigante de mídia Disney. O mundo fantástico dos super-heróis tem resposta pronta: basta recriar o universo.
A Marvel chama isso de reboot (em português, a “reinicialização”). O passo mais recente na mudança foi o lançamento, em 1o de julho, da revista All- New, All-Different Marvel, com 62 páginas mostrando o visual dos personagens. O Capitão América, antes loiro, passa a ser negro. O Homem-Aranha, antes portador do sobrenome anglo-saxão “Parker”, ganha ascendência latina e vira “Morales”. Thor era uma montanha de músculos e Wolverine um brucutu peludo. Ambos tornam-se, agora, esguias super-heroínas. Colegas menos famosos contribuem com a diversidade. A heroína Miss Marvel, originalmente uma militar americana e loira, ganha nova encarnação como uma adolescente de origem paquistanesa. E Singularidade, uma personagem apresentada neste ano, chega ao mundo sem uma identidade de gênero definida. Antes dos tempos atuais de fluidez de identidade sexual, só podia ser super-heroína quem havia nascido como mulher. Para Singularidade, ser mulher é uma escolha.
A reformulação havia começado em janeiro. A Marvel havia anunciado que todas as publicações seriam zeradas, com o lançamento da série Secret wars (Guerras secretas), que ocorreu em maio. Nessa nova série, o universo “real” da Marvel se mistura com um universo paralelo. Trata-se de uma tentativa de solução nova para o antigo problema da falta de diversidade nas histórias. E, até o momento, parece ser uma solução fértil para os roteiristas, interessante para os leitores e razoavelmente segura para os executivos de vendas de HQs.
Realidades alternativas rendem, há décadas, roteiros interessantes nas HQs, não só na Marvel. Os escritores podem experimentar possibilidades radicais – histórias famosas incluem “o que aconteceria se o Capitão América se tornasse presidente dos Estados Unidos?” e “e se a nave que trouxe Super-Homem ainda bebê à Terra tivesse caído na União Soviética?”. E isso sem mexer na vida “real” de personagens já consagrados. Desde 2000, a Marvel vinha usando uma dessas realidades paralelas para testar a aceitação de alguns personagens novos e de personagens antigos em novas roupagens, como o Homem-Aranha hispânico. Agora, por algum misterioso evento cósmico, as realidades se sobrepõem, e as versões “paralelas” de super-heróis passam a ser as versões “reais”.
“O universo Marvel como vocês conheciam acabou”, disse o vice-presidente de publicações da editora, Tom Brevoort. “(O novo Homem-Aranha) não é um Homem-Aranha com uma observação. Agora, é o Homem-Aranha de verdade”, afirmou o roteirista Brian Bendis, em entrevista ao jornal New York Daily News. “É nossa mensagem para crianças e adultos negros e também para todos os outros leitores.” Em setembro, os “sobreviventes” de Guerras secretas aparecerão em HQs vendidas a partir da edição no 1. Para quem pensava em explorar o universo dos quadrinhos, mas se sentia acanhado de começar a ler a partir da 100a edição, surge uma oportunidade.
As editoras de quadrinhos já pensavam antes em diversidade. Embora sem o vigor necessário, elas tentam há décadas contemplar mudanças sociais e no perfil dos leitores. A DC lançou a Mulher-Maravilha em 1941, como resultado do movimento feminista. A Marvel apresenta desde os anos 1960 uma variedade de personagens negros, orientais, hispânicos, gays e não americanos. Nenhum deles, porém, tornou-se tão famoso quanto ícones da própria editora, como Capitão América e Homem-Aranha, ou da concorrente, como Super-Homem e Batman. Muitos se mantiveram como coadjuvantes (caso de Samuel Wilson, o Falcão, que agora assumirá o lugar do Capitão América). E a Mulher-Maravilha continua a ser a única super-heroína amplamente reconhecida fora do círculo de fãs de quadrinhos.
Como a nova iniciativa da Marvel é muito mais radical e barulhenta que as anteriores, houve estranhamento. Desde o anúncio de que Thor seria uma mulher, em julho de 2014, há críticas. “Mudanças assim são feitas para provocar os leitores, e elas provocam”, escreveu um articulista no site Breitbart. “(Os leitores) entendem que certas características são intrínsecas a certos personagens. James Bond e Capitão América são obviamente brancos. Thor é obviamente um homem; sugerir o contrário é tolice.” O movimento da Marvel ainda poderá resultar em rejeição nas bancas. “A Marvel sempre esteve na vanguarda dos quadrinhos, abrindo espaço para super-heróis diferentes”, afirma Alexandre Callari, coautor do livro Quadrinhos no cinema – O guia completo dos super-heróis. “Mudar as principais características dos personagens pode ser um movimento brusco. Mas, se fizerem isso de forma respeitosa com os heróis, a novidade pode ser absorvida de forma natural.” A despeito da má vontade de alguns, o Thor mulher vem obtendo bons resultados. Segundo a ComicChron, grupo de pesquisa especializado em quadrinhos, as vendas da deusa do trovão vêm superando as do Thor masculino. A fórmula está não só na mudança bem-intencionada, mas também no que continuará a ser indispensável para o sucesso de qualquer história: bons roteiros.
Entre os curtidores de aventuras de super-heróis há mulheres, gays, minorias em geral e todo tipo de grupo que, hoje, tem voz e orgulho de sua identidade. Quadrinhos já foram culto de meninos. Hoje, são lidos por uma comunidade planetária. Como incluir, nas histórias, personagens representativos dessa diversidade toda? A dúvida vinha atormentando a Marvel, nascida há 76 anos como editora de HQs, dona hoje de um terço desse mercado e braço do gigante de mídia Disney. O mundo fantástico dos super-heróis tem resposta pronta: basta recriar o universo.
A Marvel chama isso de reboot (em português, a “reinicialização”). O passo mais recente na mudança foi o lançamento, em 1o de julho, da revista All- New, All-Different Marvel, com 62 páginas mostrando o visual dos personagens. O Capitão América, antes loiro, passa a ser negro. O Homem-Aranha, antes portador do sobrenome anglo-saxão “Parker”, ganha ascendência latina e vira “Morales”. Thor era uma montanha de músculos e Wolverine um brucutu peludo. Ambos tornam-se, agora, esguias super-heroínas. Colegas menos famosos contribuem com a diversidade. A heroína Miss Marvel, originalmente uma militar americana e loira, ganha nova encarnação como uma adolescente de origem paquistanesa. E Singularidade, uma personagem apresentada neste ano, chega ao mundo sem uma identidade de gênero definida. Antes dos tempos atuais de fluidez de identidade sexual, só podia ser super-heroína quem havia nascido como mulher. Para Singularidade, ser mulher é uma escolha.
A reformulação havia começado em janeiro. A Marvel havia anunciado que todas as publicações seriam zeradas, com o lançamento da série Secret wars (Guerras secretas), que ocorreu em maio. Nessa nova série, o universo “real” da Marvel se mistura com um universo paralelo. Trata-se de uma tentativa de solução nova para o antigo problema da falta de diversidade nas histórias. E, até o momento, parece ser uma solução fértil para os roteiristas, interessante para os leitores e razoavelmente segura para os executivos de vendas de HQs.
Realidades alternativas rendem, há décadas, roteiros interessantes nas HQs, não só na Marvel. Os escritores podem experimentar possibilidades radicais – histórias famosas incluem “o que aconteceria se o Capitão América se tornasse presidente dos Estados Unidos?” e “e se a nave que trouxe Super-Homem ainda bebê à Terra tivesse caído na União Soviética?”. E isso sem mexer na vida “real” de personagens já consagrados. Desde 2000, a Marvel vinha usando uma dessas realidades paralelas para testar a aceitação de alguns personagens novos e de personagens antigos em novas roupagens, como o Homem-Aranha hispânico. Agora, por algum misterioso evento cósmico, as realidades se sobrepõem, e as versões “paralelas” de super-heróis passam a ser as versões “reais”.
“O universo Marvel como vocês conheciam acabou”, disse o vice-presidente de publicações da editora, Tom Brevoort. “(O novo Homem-Aranha) não é um Homem-Aranha com uma observação. Agora, é o Homem-Aranha de verdade”, afirmou o roteirista Brian Bendis, em entrevista ao jornal New York Daily News. “É nossa mensagem para crianças e adultos negros e também para todos os outros leitores.” Em setembro, os “sobreviventes” de Guerras secretas aparecerão em HQs vendidas a partir da edição no 1. Para quem pensava em explorar o universo dos quadrinhos, mas se sentia acanhado de começar a ler a partir da 100a edição, surge uma oportunidade.
As editoras de quadrinhos já pensavam antes em diversidade. Embora sem o vigor necessário, elas tentam há décadas contemplar mudanças sociais e no perfil dos leitores. A DC lançou a Mulher-Maravilha em 1941, como resultado do movimento feminista. A Marvel apresenta desde os anos 1960 uma variedade de personagens negros, orientais, hispânicos, gays e não americanos. Nenhum deles, porém, tornou-se tão famoso quanto ícones da própria editora, como Capitão América e Homem-Aranha, ou da concorrente, como Super-Homem e Batman. Muitos se mantiveram como coadjuvantes (caso de Samuel Wilson, o Falcão, que agora assumirá o lugar do Capitão América). E a Mulher-Maravilha continua a ser a única super-heroína amplamente reconhecida fora do círculo de fãs de quadrinhos.
Como a nova iniciativa da Marvel é muito mais radical e barulhenta que as anteriores, houve estranhamento. Desde o anúncio de que Thor seria uma mulher, em julho de 2014, há críticas. “Mudanças assim são feitas para provocar os leitores, e elas provocam”, escreveu um articulista no site Breitbart. “(Os leitores) entendem que certas características são intrínsecas a certos personagens. James Bond e Capitão América são obviamente brancos. Thor é obviamente um homem; sugerir o contrário é tolice.” O movimento da Marvel ainda poderá resultar em rejeição nas bancas. “A Marvel sempre esteve na vanguarda dos quadrinhos, abrindo espaço para super-heróis diferentes”, afirma Alexandre Callari, coautor do livro Quadrinhos no cinema – O guia completo dos super-heróis. “Mudar as principais características dos personagens pode ser um movimento brusco. Mas, se fizerem isso de forma respeitosa com os heróis, a novidade pode ser absorvida de forma natural.” A despeito da má vontade de alguns, o Thor mulher vem obtendo bons resultados. Segundo a ComicChron, grupo de pesquisa especializado em quadrinhos, as vendas da deusa do trovão vêm superando as do Thor masculino. A fórmula está não só na mudança bem-intencionada, mas também no que continuará a ser indispensável para o sucesso de qualquer história: bons roteiros.
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