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sábado, 25 de julho de 2015

A surpreendente ciência da raça e do racismo

Publicado: 
RACISM AND RACE



As mortes por motivos racistas dominaram o noticiário dos Estados Unidos no último ano. O que causa o racismo? E o que pode ser feito para superar o legado de intolerância e ódio dos norte-americanos? Responder a essas questões pode ajudar a entender o fenômeno em outros países onde a população negra também é alvo de discriminação racial, como no Brasil.
Os americanos vêm tentando responder a essas pergunta básicas há muito tempo, bem antes do trágico tiroteio na igreja da cidade de Charleston, na Carolina do Sul — e o questionamento persiste. Mas acontece que essas questões são baseadas na crença de que realmente existem diferentes raças de pessoas — e os cientistas dizem que não é o caso.
Na verdade, muitas noções comuns sobre raça e racismo são baseadas em informações equivocadas.
Para elucidar o assunto, o HuffPost entrevistou Robert Sussman, um destacado antropólogo físico da Universidade Washington, em St. Louis, e autor de The Myth of Race: The Troublesome Persistence of An Unscientific Idea (O Mito de Raça: A Persistência Problemática de Uma Ideia Sem Base Científica, em tradução livre).
A seguir, suas respostas sobre o tema:
robert sussman
Dr. Robert Sussman
Existe alguma validade científica para o conceito de raças diferentes?
Em biologia, existe o conceito de subespécie, ou raça. Ao longo do tempo, animais de uma espécie podem se separar e desenvolver diferentes populações com diferentes frequências gênicas. Se isso acontecer ao longo de um período muito longo, as diferenças genéticas tornarão difícil para que essas populações se cruzem, e elas se transformam em duas espécies distintas. Nesse período de tempo, as diversas populações de animais se desenvolveriam em diferentes subespécies; as diferenças seriam grandes, mas nesse ínterim ainda seria possível um cruzamento.
Portanto, por exemplo, diferentes populações de mamíferos poderiam ser muito diferentes uma da outra, mas, se fossem reunidas (em um zoológico, por exemplo), ainda poderiam se cruzar. Existem várias subespécies ou raças de chimpanzés na África. São populações separadas com algumas diferenças biológicas específicas e com uma série de diferenças genéticas em cada população.
Os biólogos agora dispõem de uma forma para medir essas diferenças biológicas e genéticas (basicamente, subespécies são populações distintas geneticamente, morfologicamente e geograficamente, mas ainda podem se cruzar). Podemos medir diferentes populações de mamíferos, por exemplo, e ver como essas diferentes populações são próximas geneticamente. Podemos examinar os padrões e a quantidade de diversidade genética encontrada dentro e entre as populações.
No entanto, as diferenças genéticas entre populações humanas não são semelhantes àquelas encontradas entre muitas outras populações de mamíferos. Os humanos modernos (Homo sapiens) habitam a Terra há cerca de 200 mil anos e não estiveram separados uns dos outros por um longo período de tempo.
A ideia de raça no pensamento ocidental é muito antiga e muito enraizada, e muitas pessoas não entendem ou não acreditam na ciência moderna da genética humana.
Podemos quantificar a separação ocorrida entre humanos?
Usando uma medida específica, geneticistas foram capazes de medir a quantidade de variabilidade entre várias populações de mamíferos — uma medida é chamada de “Fst”, com uma escala de 0 a 1, sendo 1 uma espécie completamente diferente. Para geneticistas, uma população de mamíferos teria de ter uma pontuação 0.3 para ser considerada uma verdadeira subespécie ou raça. Coiotes diferentes têm pontuação 0.4, e a das populações de chimpanzés está por volta de 0.7 na medida de diferenciação genética de populações. Os humanos têm pontuação de apenas 0.156.
Quais são as origens do conceito de raças humanas?
O conceito de raças humanas começou durante a Inquisição Espanhola (por volta de 1480), quando um decreto de pureza do sangue foi estabelecido e aqueles que se convertessem ao cristianismo (ou convertidos) precisavam provar suas origens cristãs. O racismo se tornou ainda mais forte um pouco depois, durante a colonização, quando duas teorias foram desenvolvidas para explicar por que pessoas em outras partes do mundo tinham uma aparência diferente e se comportavam diferente dos europeus: os “outros” eram aqueles que foram criados por Deus, mas tinham sofrido uma degeneração (monogenismo), ou aqueles que estavam aqui antes de Deus ter criado Adão (poligenismo ou pré-adamitas). Os primeiros, apesar de degenerados, poderiam ser melhorados através das missões religiosas ou recebendo educação apropriada; os últimos nunca poderiam ser melhorados por quaisquer fatores ambientais.
A ideia de raças específicas como é formulada atualmente desenvolveu-se através de um longo processo que começou com filósofos ocidentais como David Hume, Immanuel Kant e Johann Blumenbach nos anos 1700, embora eles ainda tenham sido influenciados pelas teorias do monogenismo e poligenismo.
A maioria dos cientistas descartou o conceito de raças? Em caso positivo, por que esse conceito persiste?
A maioria dos biólogos, geneticistas e antropólogos descartaram o conceito de raça. Isso porque, primeiro, era sempre difícil descrever as características que formavam uma raça e quem fazia parte dela. Agora, porque estudos genéticos vigentes mostraram que existem mais semelhanças genéticas entre populações diversas do que diferenças. No entanto, a ideia de raça no pensamento ocidental é muito antiga e muito enraizada, e muitas pessoas não entendem ou não acreditam na ciência moderna da genética humana. A raça tem sido parte do “mundo” deles. A maioria das pessoas não foi ensinada que as raças não existem biologicamente. Não têm um bom nível de instrução ou conhecimentos em biologia humana moderna. Não é parte do currículo escolar normal.
Como os antropólogos avaliam os diferentes grupos de humanos?
Os antropólogos os classificam como grupos étnicos. Pessoas diferentes têm origens, comportamentos, visões de mundo, valores, organizações sociais diferentes etc., por causa de sua socialização, história e cultura, não devido à sua biologia.
Em que proporção o DNA humano varia de grupo para grupo?
O DNA não difere necessariamente entre os diversos grupos de uma forma que possam ser reconhecidos. Não é possível distinguir um grupo denominado como raça por seu DNA. Mais uma vez, existem mais semelhanças no DNA entre grupos humanos do que diferenças entre eles. O DNA varia devido a fatores ambientais, doenças, tipos de adaptação etc. Por isso, as frequências gênicas para a anemia falciforme serão diferentes dependendo de onde o indivíduo nasceu (e a frequência de malária naquela região) e podem ser as mesmas para alguém nascido na África e alguém nascido no Mediterrâneo. Os caminhos genéticos para a pele escura são diferentes em Tamil Nadu [na Índia] e na Nigéria. As características genéticas não estão correlacionadas.
Não há nenhum dispositivo biológico que nos faça ter medo de cobras ou de outras pessoas. Ensinamos e aprendemos esses comportamentos.
Por que as populações humanas têm uma aparência tão diferente?
Todas as populações humanas diferem uma da outra, mesmo dentro da mesma família.
As pessoas desenvolvem diferentes adaptações ao longo do tempo e isso faz com que tenhamos uma aparência diferente. Existem também influências geográficas em nossa aparência.
Pessoas com pele mais escura que vivem, ou são descendentes de pessoas que vivem, em ambientes muito ensolarados [passaram por] adaptações para prevenir o câncer de pele, por exemplo.
Pessoas em ambientes distintos têm diversos tipos de diferenças genéticas; a genética da cor da pele é muito diferente da genética do tipo de sangue, ou da textura do cabelo, ou da estrutura da boca.
Pessoas com cores de pele “semelhantes” podem ter formas de nariz muito diferentes devido às diversas adaptações ao clima.
Essas diferenças são chamadas de “clines”. Clines são adaptações genéticas a fatores ambientais em uma área geográfica; diferentes adaptações genéticas em regiões geográficas variadas.
Não há raças específicas e diferenças clinais variam de diversos modos. Como já dito antes pelo antropólogo Livingstone (1962) sobre os humanos: “Não há raças, há apenas clines”.
Como resultado dos genes que carregam, as diferentes populações podem enfrentar diferentes vulnerabilidades — por exemplo, o risco de sofrer certas doenças. Algumas populações têm atributos físicos e intelectuais específicos?
Não há nenhuma indicação de qualquer evidência científica que diferentes populações tenham atributos intelectuais ou físicos específicos, ou habilidades.
Essas características estão relacionadas à socialização ou criação (ou nutrição) de cada um. Por exemplo, pode parecer que o basquete seja um esporte melhor jogado pelos negros. No entanto, era um esporte de “judeus” há algumas décadas.
Por que isso? Profissionalmente, no passado era um esporte mais convidativo aos judeus do que aos negros.
Características físicas, tipos de corpo, e coisas como visão estão relacionadas a várias habilidades, mas estas não estão geralmente correlacionadas às diferentes populações ou “raças”, elas transcendem “raça”.
Os jogadores de basquete são normalmente altos, e há muitas pessoas altas, com pele mais escura. No entanto, isso não faz com que todas as pessoas negras sejam boas jogadoras de basquete e que todas as pessoas altas joguem bem basquete.
Estamos falando aqui de populações, não de raças. As pessoas acreditam que os “negros” têm um maior risco de doenças cardíacas, mas não é verdade.
Muitos americanos “negros” podem ter uma maior incidência de doenças cardíacas, mas isso não é verdade na África.
O estresse é um fator predominante relacionado à doença cardíaca entre “negros” nos Estados Unidos, e isso está relacionado principalmente a fatores comportamentais.
Muitas outras doenças também têm maior probabilidade de ocorrer em certas populações étnicas, mas a maioria delas está relacionada a fatores físicos e ambientais, todos os quais devem ser relacionados ao indivíduo e não a um fator “racial” geral.
Evoluímos no sentido de desconfiar dos outros ou sermos racistas? Se a resposta for sim, por quê?
Podemos ter algumas adaptações para desconfiarmos de estranhos, mas isso também tende a ser uma adaptação cultural.
Podemos ensinar nossas crianças a serem desconfiadas ou racistas. No entanto, também podemos ensinar nossas crianças a serem abertas com estranhos. Realmente depende de nossa educação e nossa socialização, não da nossa biologia.
Não há um dispositivo biológico que nos faça ter medo de cobras ou de outras pessoas. Ensinamos e aprendemos esses comportamentos.
O racismo desaparecerá um dia? O que é preciso para que isso aconteça?
Não tenho certeza se o racismo desaparecerá nos Estados Unidos ou na Europa. Faz parte de nossa cultura de uma forma muito intensa.
No entanto, podemos fazer com que ele desapareça em grande parte de nossa população.
Para fazer isso, devemos continuar ensinando nossas crianças (e adultos tanto quanto possível) sobre as realidades do conceito de raça e como isso é totalmente incorreto biologicamente.
A forma de se fazer isso é ensinar sobre a história do conceito de raça e racismo, como se desenvolveu ao longo dos últimos 500 anos, e o que realmente significa.
As pessoas podem ser capazes de entender a realidade da variação genética e como isso pode ser extremamente bom para a população e para os indivíduos.
Às vezes, as pessoas fazem coisas ruins — como os nazistas —, mas isso foi aprendido (embora essas pessoas tenham se desenvolvido com certas motivações em mente) e não são comportamentos inerentes, determinados geneticamente. O que as pessoas fazem depende de sua história, suas origens, seus vizinhos, e não da realidade biológica de raça! Afinal, a variedade é o tempero da vida!

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