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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Estudo da Unicamp analisa lógica do linchamento virtual: condena primeiro

19/12/2016

Pesquisadora de Limeira, Karen Macedo, mapeou casos do Brasil e de fora.
Morte de mulher após boato e agressão no Guarujá é analisado em mestrado.

Claudia Assencio
Do G1 Piracicaba e Região

Mulher morreu apos ser espancada em Guarujá, SP (Foto: Arquivo Pessoal)Mulher morreu após ser espancada em Guarujá(Foto: Arquivo Pessoal)
Um trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Limeira (SP), analisou a lógica dos linchamentos virtuais. O estudo mapeou casos de repercussão nacional, iniciados na web, como o da dona de casa do Guarujá que foi espancada e morta após boato de que ela realizava magia negra com crianças. "Na internet, ocorre o oposto da lei, a condenação vem primeiro, todo mundo é culpado até que se prove o contrário", alertou a pesquisadora Karen Tank Mercuri Macedo.
Com o título "Linchamentos virtuais: Paradoxos nas relações sociais contemporâneas", a pesquisa foi desenvolvida durante o Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e mapeou as motivações - no estudo chamados de "gatilhos" - que desencadearam os crimes, iniciados na web, e que atingiram a vítima na vida real.
A pesquisadora explicou que, sobre o tema linchamento virtual, o que motivou a pesquisa foi o caso do Guarujá, a mulher apontada como criminosa foi agredida por dezenas de moradores e testemunhas gravaram e acompanharam a agressão.
Depois de um boato de que uma mulher sequestrava crianças para rituais de magia negra circular nas redes sociais, um retrato falado foi divulgado. "Depois, as pessoas começaram a comentar, algumas dizendo que a viram. Encontraram alguém parecido e uma pessoa sofreu linchamento físico e morreu", lembrou. "Um absurdo isso", criticou.

Nesse caso específico, o boato foi o gatilho para o linchamento, explicou Karen. "Um dos pressupostos do meu trabalho é que existem paradoxos, que seriam as engrenagens das relações sociais, mediadas tecnologias de informação e comunicação (TICs)", disse a estudiosa.
A pesquisa percorreu cinco deles: (1) o virtual e o real, (2) a justiça popular e a  justiça institucional, (3) o público e o privado, (4) a liberdade e o controle e a (5) liberdade de expressão e o crime contra direito à dignidade.
"Sobre esses paradoxos, eles não funcionam em caráter de escolha, isso ou aquilo, mas operam juntos, os dois ao mesmo tempo. Quando você elege a justiça popular, pela denúncia na rede, está abolindo a justiça institucional, mas ela não deixa de existir, e o denunciante também poderá ser julgado", explicou. "Assim como o cidadão virtual e o real são um só. Não há fronteiras, estamos online ou offline o tempo todo", alertou.
Outra situação analisada e que repercutiu nas redes sociais, o da "Fabíola", ilustra a relação público de privado na web. O marido flagrou a mulher no motel. Alterado, ele danificou o veículo do amante, agrediu a esposa com tapas e empurrões e a ameaçou de morte.
" O Facebook virou um tribunal virtual. As pessoas preferem ir à rede primeiro, acham que vai resolver mais rápido"
Karen Macedo
A situação foi filmada por um amigo do marido e depois colocada na Internet. "O vídeo foi compartilhado incontáveis vezes em diversas redes e um deles teve mais de dois milhões de visualizações", detalhou. "O episódio foi muito ironizado e viralizou na Internet, com muitos 'memes'.  Ao compartilharem, os usuários, talvez nem se davam conta, que contribuíram com a vingança do marido", ressaltou.
Karen afirmou que o trabalhou pretendeu mostrar à população que a internet não é um ambiente livre de leis. "Ao contrário, elas são aplicáveis para vários crimes e podem ser julgados. As pessoas, na maioria das vezes, não têm noção da dimensão de uma publicação nas redes", alertou. "A liberdade de expressão e o direito à dignidade humana são garantias fundamentais, previstas na constituição brasileira", afirmou.
Esses paradoxos, segundo a estudiosa, foram adicionados aos parâmetros de análise da pesquisa, porque, às vezes, a pessoa se guia apenas pela liberdade de expressão, mas se esquece de que com a publicação pode ferir a dignidade humana de outra pessoa. "Além disso, incita a violência e isso também é um crime", disse. "Isso também ocorre em casos de denúncia de assédio, sobretudo em grupos feministas", relacionou.
Sobre os casos internacinais, a pesquisa analisou situações ocorridas nos Estados Unidos. Um deles é o de cinco mulheres que resolveram divulgar conversas íntimas e privadas que tiveram com um professor em um chat da Internet. "Com ajuda de mulheres engajadas no movimento feminista, criaram uma conta no Tumblr apenas para este fim: denunciá-lo por assédio sexual", disse.
Um outro caso dos Estados Unidos foi o de uma mulher que trabalhava como relações internacionais de uma empresa. "Ela publicou na rede social, antes de viajar para África, que sentia com medo de pegar Aids, e depois comentou com 'sou branca'. Ela fez a postagem e Twitter e depois embarcou em voo de 12 horas e não acompanhou o que ocorria. Viralizou", lembrou.
Segundo ela, o usuário acredita que na rede, está escondido e não precisará responder pelos ataques provocados na web. A pesquisadora faz um comparação entre a noção de público e privado.
"O Facebook virou um tribunal virtual. As pessoas preferem primeiro ir à rede". Uma das conclusões apontadas pela pesquisa da Karen é que a falta de confiança da população na Justiça. "Elas [as pessoas] acham que na web, um problema vai se resolver mais rápido", disse.
"Antes tínhamos um diário com chave que mantinha o segredo escondido. Hoje, as pessoas ficam tristes não pelo motivo de ele ter sido descoberto, mas porque os leitores não curtiram ou comentaram alguma coisa que foi publicada. É totalmente oposto", disse.

Quanto à noção de liberdade e controle, Karen fez um outro alerta aos usuários das redes sociais. "As pessoas acham que Facebook é de graça, tem livre acesso a todas os tipos de publicações, quando na verdade, é a plataforma que decide o que ele vai ver na tela a depender do tipo de interação que faz da ferramenta", explicou.

Ela conclui que quanto mais a pessoa interagir em relação aos casos de linchamento virtual, mais situações semelhantes vão aparecer no perfil dela e, como isso, terá mais chances de entrar nesse ciclo novamente.

Advogado divulga novas imagens do espancamento de mulher em Guarujá, SP (Foto: Reprodução / G1)Advogado divulga novas imagens do espancamento de mulher em Guarujá, SP (Foto: Reprodução / G1)G1

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