- 26 dezembro 2016
Segundo o serviço público de saúde da Grã-Bretanha, o NHS, em média três bebês nascem viciados em drogas a cada dia na Inglaterra devido ao hábito das mães.
Uma instituição de caridade, a única do país, tenta manter os recém-nascidos junto com os pais durante o programa de reabilitação.
Rachel (nome fictício) é uma das muitas mães que frequentam a Trevi House, em Plymouth, no sudoeste da Inglaterra, na esperança de se livrar do vício em heroína.
Depois de sofrer com violência doméstica durante dez anos, ela conta que foi obrigada a se prostituir e isto a levou aos problemas com as drogas.
"É um estilo de vida. Então um dia você acorda e percebe que é viciada. Sinto culpa todos os dias da minha vida, esta culpa vai ficar comigo", disse.
O bebê de Rachel já nasceu dependente de drogas.
O problema se repete em todo o Reino Unido. Na Inglaterra, 1.087 bebês nascidos em 2014 e 2015 foram afetados pelo uso de drogas pelas mães.
Na Escócia, foram 987 bebês entre 2012 e 2015, enquanto no País de Gales foram 75 casos, entre drogas e bebidas alcoólicas em 2015 e neste ano.
Quase todas as drogas passam da mãe para a corrente sanguínea do feto durante a gravidez. Estas crianças já nascem viciadas e sofrendo os efeitos da abstinência - o que é conhecido como síndrome de abstinência neonatal.
Brasil
Entre os sintomas comuns dos recém-nascidos viciados em opiáceos, como heroína e metadona, está tremor incontrolável, choro estridente e manchas na pele.
No Brasil, o Ministério da Saúde informou que nos últimos cinco anos o número médio anual de registros de "sintomas de abstinência neonatal de drogas utilizadas pela mãe" foi de 76.
Mulheres dependentes de álcool e seus filhos que nascem com os sintomas de abstinência neonatal pelo Sistema Único de Saúde (SUS), informou o órgão à BBC Brasil.
Crianças que nascem com alterações congênitas que "impliquem algum tipo de deficiência" recebem tratamento na Rede de Atenção às Pessoas com Deficiência. As gestantes e mães usuárias de drogas são atendidas na Rede de Atenção Psicossocial.
O Ministério da Saúde também cofinancia 2.340 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), especializados em tratamento na área de álcool e outras drogas, e 209 CAPS infanto-juvenis, além de cofinanciar também equipes de profissionais de saúde que atendem a população em situação de rua, inclusive para usuários de álcool, crack e outras drogas.
Na Grã-Bretanha, em muitos casos, bebês como o de Rachel são entregues aos cuidados de um familiar da mãe. Mas especialistas acreditam que os resultados do tratamento para a criança e a mãe são melhores quando eles são mantidos juntos na recuperação.
Reabilitação rigorosa
Depois do fechamento de outras organizações, a Trevi House é o único centro deste tipo na Grã-Bretanha.
Inaugurada em 1993, a instituição pode receber até dez mulheres de uma vez. Elas não tem permissão para sair do local sem supervisão.
Cada mãe segue um plano rigoroso de reabilitação que inclui sessões de terapia diárias, encontros em grupo, exames médicos e checagens dos serviços sociais.
O custo para manter uma mãe e o um bebê no centro é de 1,5 mil libras por semana (cerca de R$ 6,3 mil).
A verba para manter uma mãe e seu filho no programa frequentemente vem de acordos entre serviços que cuidam de adultos viciados em drogas e serviços sociais voltados para crianças.
As mulheres que vivem no centro insistem que, ao lado dos filhos, elas têm mais chances de abandonar o vício.
Louise (nome fictício), que se viciou em heroína durante a adolescência, teve os primeiros filhos levados pelas assistentes sociais.
"Quis me matar quando eles foram levados. Tentei várias vezes", contou Louise à BBC.
Agora ela afirma que só consegue se manter no programa para reabilitação porque o filho está junto com ela.
"Ter ele comigo é incrível. Eles tentaram levá-lo logo que nasceu."
Segunda chance
Emma completou o programa na Trevi House em 2015 e manteve a custódia dos dois gêmeos.
"A verdade é que é muito triste que tantas mulheres como eu sejam simplesmente desprezadas: (As pessoas dizem) 'ah, você é uma viciada em drogas, não pode ficar com seu filho'", disse Emma à BBC.
"Elas não merecem isso. As pessoas merecem uma chance, elas merecem ajuda e seus filhos também merecem."
Emma agora está em recuperação e já recebeu uma oferta de uma casa para morar em uma comunidade próxima da instituição de caridade.
"As mulheres que encontrei aqui são fenomenais. Algumas das histórias que ouvi, algumas das coisas pelas quais estas mulheres passaram, você não poderia imaginar nem em seu pior pesadelo", contou Emma.
Entre dezembro de 2013 e dezembro do ano passado, 65% das crianças saíram da Trevi House acompanhadas das mães, que já não estavam mais viciadas em drogas ou bebidas alcoólicas.
Porém, alguns analistas ressalvam que a rotina na instituição de caridade, com cuidados 24 horas por dia, não reflete a vida real e temem que, fora do programa, as mães sofram recaída.
Hannah Shead, diretora-executiva da instituição, discorda. "Cada mãe aqui fala que não conseguiria se recuperar sem o filho. Ela não conseguiria se concentrar no que ela precisa fazer", diz a diretora.
"E a criança separada (da mãe) ou fica sob os cuidados do governo ou sob os cuidados de familiares que não são as mães. Então, manter os dois juntos é melhor para a mãe e para a criança", acrescentou.
Com alguns meses pela frente no programa da Trevi House, Rachel conta está ansiosa por uma vida normal, sem drogas nem violência.
"Não culpo meus parceiros, não culpo ninguém pelo que me aconteceu. Tenho que assumir a responsabilidade por isso, pois foi minha escolha tomar drogas", disse.
"Nunca vou me perdoar, mas estou usando esta culpa como uma força, pois viver no passado vai me levar de volta à estaca zero", contou.
BBC
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