No 07 de setembro, o ritmo no escritório de campanha da candidata do DEM à prefeitura do Recife, Priscila Krause, era acelerado. Em pleno feriado, assessoras, fotógrafa e analista de mídias sociais trabalhavam ao lado de Krause, que ocupava, a pouco menos de um mês do pleito, apenas a quarta posição na corrida eleitoral, com cerca de 2% das intenções de voto. Apesar da ínfima chance de um avanço para o segundo turno, o empenho tem justificativa: Priscila Krause, com quatro mandatos para o legislativo conquistados nas urnas desde 2004, vem ocupando espaços que historicamente na política são reservados aos homens. “Fui a 10ª vereadora eleita para a Câmara, no Recife, em 300 anos”, diz ela. Confira abaixo a entrevista à Gênero e Número.
Por Giulliana Bianconi*
20/09/2016
GÊNERO E NÚMERO – Depois de assumir quatro mandatos, essa é a sua principal disputa majoritária. No Brasil, trajetórias como essas ainda são muito mais comuns a homens. O que a senhora fez para se credenciar para essa disputa? Em algum momento assumiu o lugar de “mulher que disputa de igual para igual” com qualquer homem?
Priscila Krause – Não entrei pela política pelo movimento feminista. Não foi algo presente no meu início da vida pública. Venho de família de político. Meu pai [Gustavo Krause] concorreu pela última vez em 1994. A minha primeira eleição foi em 2004. Ela ja estava fora da vida pública, mas a política sempre esteve presente na minha vida. No decorrer da vida, eu fui me deparando com as questões de gênero mais fortemente. Não havia sofrido preconceito dentro do partido, dentro da família, mas comecei a enfrentar isso na prática na Câmara dos Vereadores, que era muito masculina, e ai que fui tentar entender por que isso acontecia. A política, de fato, mesmo do ponto de vista democrático, sempre foi pensada por homens e para homens. Se eu pegar os pensadores ocidentais, a maioria deles enxerga a mulher como um ser antinatural no ambiente politico. Schopenhauer dizia que a mulher é um animal de ideias curtas e cabelos longos, um macho que não deu certo. Aristóteles dizia que a mulher deita raízes no lar enquanto o homem está feito para coisa pública. E ainda se dizia, e se diz até hoje, que o quê compromete a participação da mulher na política é a sua sensibilidade, a paixão com que ela se envolve nos assuntos. Quando eu acho que esse é até um ótimo diferencial nosso. É dessa sensibilidade que o ambiente político precisa também. Além da questão da representação política, que possa ser um reflexo social, mas isso não acontece do ponto de vista de gênero nem de raça. Não temos o reflexo dessa pluralidade que é a nossa sociedade nos parlamentos.
E por que não temos, na sua opinião?
Priscila – O tecido político é um tecido muito rígido. Ninguém passa o poder para ninguém. Se toma o poder. Através dos mecanismos democraticos. Mas para mulher tomar este poder é muito complicado porque ao longo do tempo a gente vem assumindo novos papéis sem repactuar aquilo que estava lá trás. É um acumulo, e isso precisa na verdade ser repactuado socialmente. Nao sei qual a receita para repactuar, mas precisamos ir construindo caminhos um dia após o outro.
O caminho poderiam ser as políticas afirmativas? Mais leis como as que têm sido aprovadas no Congresso desde 1997 [Lei das Eleições]?
Priscila – No cenário geral, a condição da mulher e todo o debate sobre presença feminina na política evoluiu muito. As políticas afirmativas são importantes, como a política de cotas para a candidatura dentro dos partidos. Mas, na minha percepção, isso não garantiu mudança de realidade porque a gente continua com presença de mulheres dentro dos parlamentos variando entre 9 a 12%. Precisa rever, repensar, estabelecer metas e ir buscando mecanismo democráticos para se chegar lá.
No seu partido, o DEM, essa discussão é presente? Fala-se constantemente sobre a importância de promover mais mulheres na legenda?
Priscila – Hoje a gente tem esse debate no partido, sim. É um debate permanente até, e me acho responsável pela presença desse tema. Meu exemplo vem trazendo algumas mulheres para participar também [da política]. É importante estarmos na política, claro, mas precisamos discutir também, sempre, o que está reservado para nós, mulheres, na política. A gente tem que falar de todos os assuntos, a gente tem que se firmar em todas as áreas. A gente não pode ficar restrita a ‘assunto de mulher’. Quando eu cheguei na Assembleia Legislativa de Pernambuco eu era na ocasião a única deputada estadual do partido. Então na proporcionalidade a gente tinha uma dificuldade grande de ocupar os espaços nas comissões da Assembleia. No meu caso foi mais difícil ainda porque eu tive uma postura independente de nem estar atrelada à bancada de oposição nem à de situação. Mas quando eu cheguei, os colegas disseram logo: “Priscila, você vai para a Comissão de Direitos da Mulher”. Eu disse que não iria. Era como se aquele espaço estivesse guardado pra mim. Então fui antes para a de Orçamento, de Negócios Municipais e para a de Tecnologia. Por que as mulheres têm que ficar na Comissão das Mulheres obrigatoriamente? Precisamos mesclar isso. Eu também queria fazer parte da Comissão de Direitos da Mulher e hoje sou vice-presidente dela. Mas veja: eu não poderia aceitar isso como algo pré-determinado.
A senhora acredita que essa sua postura firme foi fundamental para a sua carreira política avançar?
Priscila – Sem dúvida foi, sim. Essa postura amplia as possibilidades de diálogo. Mostra que você ser mulher não coloca você em um lugar diferente do lugar que o homem ocupa na política. Mas é verdade também que quando você fala de forma mais firme alguém vai dizer que você está de TPM [tensal pré-menstrual]. Existe isso, de já lhe desqualificarem quando você mostra que não vai aceitar o preconceito. A conquista do espaço é diário. Eu já tive muitos embates.
Tem algum exemplo desses embates que possa contar?
Priscila – Certa vez fui falar no plenário e um colega disse “Vossa Excelência embeleza este ambiente”. Amigo, eu nao sou vaso de flor de flor para embelezar ambiente de ninguém. Disse isso em alto e bom tom. Outra vez, estava para fazer um aparte e um vereador que estava na tribuna, ao me passar a palavra, disse que uma parte de mim o seduzia. Nessas horas eu respiro fundo. Lá, fiz questão de pedir respeito e me posicionar. É uma carga de machismo travestido de cavalheirismo, mas o caminho que escolhi seguir foi, além de dar as respostas imediatamente, realmente me empenhar e fazer as coisas de forma muito embasada. Trabalhar bem foi o caminho de encontrei para enfrentar o preconceito no dia a dia. É como seu dissesse “me escutem porque o que tenho pra dizer é relevante”.
Como parlamentar ou candidata, como a senhora acredita que pode fortalecer a luta das mulheres contra o machismo, que muitas vezes tenta colocar a mulher em um lugar menos importante do que o do homem na sociedade?
Priscila – Sem pensar na emancipação das mulheres, como vamos avançar para qualquer lugar? Por isso, o que vou tomar como maior meta se for eleita é a questão das creches. Fiz questão de ir a Petrolina [cidade do sertão pernambucano] porque aqui perto é o exemplo mais exitoso de política de creche. Recife tem uma política, mas a gente não conseguiu ampliar no tempo e na velocidade que era preciso. Hoje temos menos de 5 mil crianças dentro da rede de creche e pré-escola, e um déficit de 30 mil vagas. O meu programa é o Casa de Mãe. É verdadeiramente uma prioridade porque se a mulher não tem tranquilidade para deixar o filho e ir trabalhar, ela vai terminar ficando em casa. Se criou o mito da super mulher, mas não precisamos ser super mulheres, precisamos repactuar os papeis, tirar tanto peso e responsabilidade que é atribuído a gente e tornar essa divisão mais real.
Giulliana é jornalista e codiretora da Gênero e Número
Nenhum comentário:
Postar um comentário