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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

As novas conformações familiares no Brasil da pós-modernidade

Jus navigandi
Guilherme Augusto Camelo
Publicado em 01/2017
As pessoas que nutrem forma de afetividade diversa da majoritária militam por seus direitos, para serem inseridas na sociedade e ver respeitados os seus direitos personalíssimos e fundamentais.

Resumo: Em tempos de propositura na câmara dos deputados de projeto de lei que aprove o Estatuto da Família, a pauta que se impõe na sociedade brasileira é a recepção ou não das diversas conformações familiares. De uma margem a coletividade conservadora pretende impor sua forma de pensar e mitigar os direitos das pessoas que estão inseridas em famílias não convencionais, doutra margem as pessoas que nutrem forma de afetividade diversa da majoritária milita por seus direitos, para ser inserida na sociedade e ver respeitados os seus direitos personalíssimos e fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e portanto vergastam o projeto de lei em trâmite na câmara dos deputados e encampam o projeto de lei defendido pelo IBDFAM (Instituto brasileiro de Direito de Família) que colima instituir o Estatuto das Famílias, criando um modelo plural, democrático e eudemonista de famílias. Esta pesquisa divaga pela história das famílias, conceitos e fontes de Direito de família, conceitua a diferença entre autonomia privada e autonomia da vontade, perpassa pela Constitucionalização do direito Civil até conceituar o Direito de família mínimo e o princípio da intervenção mínima do Direito de Família. Culmina adentrando o princípio da pluralidade das entidades familiares e discorre sobre cada uma das conformações familiares plurais existentes hodiernamente em solo pátrio. Conclui pela defesa da formalização pelo Estado de todas as conformações familiares em solo pátrio em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada para lograr-se uma família plural, democrática, justa e solidária.

INTRODUÇÃO

O tema que se propõe pesquisar é de relevante importância jus-científica, como se diz na sociedade, é a pauta da hora”. É um dos temas mais comezinhos, corriqueiros do momento às famílias brasileiras.
Em tempos em que se vêm as novas conformações familiares, ou mesmo “modelos” ou “modalidades” conforme prefere nomeá-las alguns preclaros doutrinadores da ciência jurídica pátria, retratadas nas novelas, na mídia informativa, no convívio artístico ou até mesmo nos embates ideológicos entabulados por membros do congresso nacional, digladiando-se de um lado os defensores das teses sacras e conservadoras e de outra margem os defensores do progressismo.
Fato retratado pelos embates históricos e emblemáticos, como a homérica conquista social da legalização da união estável homoafetiva, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede do julgamento da ADI nº 4277 e ADPF 132. Em face, deste movimento que tende a dar eficácia jurídica e dignidade humana as diversas conformações familiares existentes de fato no Brasil, forças sociais conservadoras se opõem veementemente a este movimento, deflagrando-se fatos como o Projeto de Decreto Legislativo, de autoria do Deputado João Campos do (PSDB-GO), que suspende dois trechos da resolução instituída em 1999 pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) o primeiro trecho sustado afirma que “os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”. E o segundo susta o artigo que dispõe que “os psicólogos não se pronunciarão, e nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer ordem psíquica”.
Outro conflito hodierno que se impõe de forma histórica, de duas visões de mundo dissonantes e ideologicamente antagônicas é a que se estabelece na propositura de projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional do Brasil: de uma margem propõem-se o “Estatuto da Família”, de outra margem o “Estatuto das Famílias”.
O primeiro alberga o conceito sacro e conservador de Família, pugnado pelas bancadas religiosas defende que a família no Brasil seja consagrada como sendo núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável. Também considera família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, como uma viúva ou viúvo com seus filhos e um divorciado ou mãe solteira com seus dependentes.
Já o segundo projeto é encampado pelo Instituto brasileiro de Direito de Família - IBDFAM foi apresentado no Senado pela Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) através do Projeto de Lei (PLS 470/2013) que institui o Estatuto das Famílias. Este de cunho progressista e pluralista colima que o Estado recepcione todas as conformações familiares existentes de fato, consagrando o respeito aos direitos fundamentais dos membros da família e sua dignidade humana. Este projeto arrola regras de direito material, e também processual, para propiciar às famílias brasileiras maior celeridade nas demandas jurídicas, uma necessidade tão premente quando se tange a direitos personalíssimos como são os direitos relativos à entidade familiar. O projeto alberga a tutela de todas as conformações familiares presentes na sociedade pós-moderna.
É pública e notória a relevância do tema proposto, então se faz mister, delimitar os problemas a serem resolvidos nesta pesquisa, que são os seguintes: Qual o modelo familiar deve ser consagrado pelo Estado brasileiro? O da visão de mundo Sacra ou Laica? Deve-se respeitar a moral religiosa ou os princípios da legalidade ampla? Deve-se consagrar o modelo conservador de família ou a pluralidade de conformações familiares?
Justifica-se a escolha deste tema por ser um dos temas mais em voga neste momento em que a Câmara dos Deputados faz uma pesquisa de apoio popular ao projeto de lei 6583/2013 de autoria do deputado federal Anderson Ferreira PR/PE em trâmite naquela egrégia casa do povo, texto este que pretende declarar como único modelo familiar permitido em solo pátrio: “o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
É uma positivação de caráter de retrocesso social, pois suprimi direitos fundamentais dos membros das entidades familiares não convencionais. Destarte, causa uma cizânia social no Brasil, divide o país entre os progressistas (contra) e os conservadores (a favor). Até o momento houve 8.979.390 (oito milhões, novecentos e setenta e nove mil e trezentos e noventa) votos, na consulta no site da Câmara dos Deputados em tela, 49,90% (quarenta e nove por cento e noventa décimos) contra o projeto, 49,80% (quarenta e nove por cento e oitenta décimos) a favor e 0,30% (trinta décimos por cento) sem opinião formada.˂www2.camara.leg.br˃ capturado em: 14 jul. 2015.
Estes números são bastante eloquentes per si, reflete a propagação difusa desta problemática, como afeta o dia a dia do brasileiro e como há uma flagrante divisão ao meio da opinião pública havendo um empate técnico na amostragem, havendo uma tendência desfavorável ao projeto em números absolutos apenas nas casas decimais.
Deflagrando a premente necessidade de estudar o tema, perquiri-lo, elucubrá-lo, construírem-se teses sedimentadas e sólidas que amparem com clareza, razoabilidade e temperança o posicionamento de cada cidadão brasileiro, pois seu posicionamento, uma vez expressado pelos mecanismos de democracia direta ou mesmo representativa, pode conceder a ampliação de direitos e dignidade e qualidade de vida a concidadãos ou negá-los, suprimindo lhes direitos, solapando-os à indignidade e relegando-os a condição de cidadão de segunda categoria, alegoricamente, transformando-os em “filhos bastardos da pátria-mãe”.
Esta Monografia Jurídica adotará o tipo de pesquisa bibliográfica, a partir de material jurídico carreado de obras doutrinárias, revistas especializadas e artigos jurídicos publicados na rede mundial de computadores.
Também se adotará a metodologia da análise documental notadamente, a análise jurisprudencial, que consiste em analisar as tendências do ordenamento jurídico vigente, por meio dos julgados dos tribunais. Com essa análise, far-se-á um registro da aplicação das leis, atingindo uma abordagem mais prática.
Para melhor organizar nossas ideias essa monografia foi dividida em três capítulos a saber:
No primeiro capítulo fez-se a gênese e uma reconstituição história das estruturas familiares ao longo da extensa trajetória humana, após conceituou-se o Direito das Famílias, seu campo de atuação, suas fontes e técnicas, a seguir perquiriu-se sobre o entendimento e a relevância dos conceitos de autonomia privada e autonomia da vontade e em seu tópico derradeiro discorreu-se sobre o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, fato que possibilitou a inseminação das famílias eudemonistas no bojo do Estado pátrio, acontecimento “sine qua non” para ensejar a construção científica desta pesquisa.
 No segundo capítulo, discutiu-se primeiramente sobre o novo perfil da família após a constituição de 1988, revelou-se que através do processo de- nominado de constitucionalização do direito civil pátrio, passou-se a interpretar a seara jus civilista à luz dos princípios constitucionais o que proporcionou uma maior humanização e personalização do direito civil brasileiro. Estatuindo-se o princípio da dignidade humana como o principal vetor interpretativo do Direito privado pátrio.
No segundo tópico discorreu-se sobre o conceito de direito de família mínimo, sua origem e compreensão. Ao depois, no terceiro tópico elucidou-se o princípio da intervenção mínima no Direito de Família, entendendo-se como preponderante a satisfação dos direitos personalíssimos que o Estado interfira o mínimo possível na intimidade e conformação das estruturas familiares, devendo intervir apenas para garantir o respeito aos direitos fundamentais dos membros de cada família.
 No derradeiro capítulo, iniciou-se por discorrer sobre o princípio da pluralidade das entidades familiares que deve nortear a atuação do Estado brasileiro e a interpretação dos tribunais nas matérias pertinentes ao direito familiarista.

1 – DAS FAMÍLIAS

1.1–BREVE HISTÓRICO

O modelo familiar é dinâmico e moldável em conformidade com a estrutura e anseios da sociedade em que esta está alocada, quase sempre reproduzindo a moral e a ética do cidadão médio e dos fatores de coercibilidade da sociedade e de seus valores de modo a impingir aos indivíduos que se estruturem familiarmente de modo a satisfazer os anseios dos administradores do Estado e de seus pares, portanto devendo costumeiramente o indivíduo implementar a satisfação externa a sua, a da sociedade. Destarte, não se regozijando do locus familiar que melhor lhe aprouver, sendo um reprodutor ao moto contínuo das convenções sociais e não logrando a realização e plenitude de seu ser nos seus interesses e satisfações mais íntimas.
Neste mesmo sentir, traz lume a assertiva de Luiz Edson Fachin na senda de que é “inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais”. (FACHIN, 1999 apud FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 04).
No cenário político-social do Código Civil brasileiro de 1916 a família era vista como uma estrutura estanque, indissolúvel e intangível pela vontade do homem, uma vez que o matrimônio era sacramentado pela vontade divina. Estrutura esta engendrada com o fito de atender aos anseios da sociedade Industrial, era a estrutura bazilar, também chamada de célula mater do corpo social contemporâneo a Revolução Industrial, pelo modelo econômico em vigor à época a família era hierarquizada, patrimonializada e patriarcal.
Instaurou-se aí, o império das relações materiais, patrimonializadas, a primazia do ter em detrimento ao ser. Os indivíduos se agregavam não com o fito de se satisfazerem afetivamente, mas sim patrimonialmente. A família era a reunião do patrimônio dos indivíduos que a comporiam com o desiderato de formar um só acervo, prospero e rico, com propensão a conservá-lo e a incrementá-lo. Tornando o corpo familiar e seus indivíduos por consequência cada vez mais ricos.
Destarte, não se haveria de albergar o direito a dissolução matrimonial, pois a desagregação da família significaria a própria separação da unidade básica de produção da sociedade, logo desatendendo os interesses econômicos de toda a sociedade do período da revolução industrial.
Essa estrutura patrimonializada inaugurada pelo Código Civil de 1916 é caracterizada com maestria por Maria Berenice Dias:
[...] uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade pratrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. (DIAS, 2006 apud ALVES, 2010, p. 48).
 No início do século XX surgiu o modelo de Estado Social de Direito ou Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), regime em que o Estado procurou ser mais ativo e positivo no sentido de promover melhorias sociais. Neste momento evolutivo o Estado teve suas funções ampliadas: não tão somente no escopo de observar os direitos fundamentais de primeira geração, como a liberdade, mas também passou a promover melhorias sociais, como nos campos do emprego, moradia, educação, previdência e saúde, direitos estes concernentes a segunda geração de direitos fundamentais, relativos à melhoria da qualidade de vida do cidadão.
Inauguraram este novo modelo de tutela social do Estado, a Constituição Mexicana de 1917 e constituição de Weimar de 1919, ambas com fulcro de implantar programaticamente estes direitos sociais. Fato que teve seu apogeu com a quebra da Bolsa de Nova Iorque de 1929, como aduz Daniel Sarmento:
 Ademais, tinha se tornado evidente a necessidade de criação de mecanismos para evitar abusos dos agentes econômicos, cujo mercado não conseguia controlar. A incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo engendrara a economia de escala, favorecendo a concentração do capital, em detrimento dos pequenos produtores. O mercado livre, sem amarras, impulsionava a formação de monopólios e oligopólios, prejudiciais à livre concorrência [...].
Mas foi a grande crise do capitalismo, no período entre as duas grandes guerras mundiais, cujo apogeu consistiu no colapso da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que evidenciou a definitiva superação do modelo liberal de Estado [...]
Neste quadro, tornam-se hegemônicas as ideias do economista inglês John Maynard Keynes, que defendia um papel ativo do Estado no cenário econômico, na busca do pleno emprego, condenando o credo liberal de que o mercado, relegado à própria sorte, conduziria ao melhor dos mundos. As ideias de Keynes foram adotadas pelo Presidente Roosevelt, que delas se valeu seu New Deal, para enfrentar a crise sem precedentes que se batera sobre a economia norte-americana, e consolidar o poder da maior potência mundial [...].
Assim, o Poder Público distancia-se da sua posição anterior, caracterizada pelo absenteísmo na esfera econômica, e passa a assumir um papel mais ativo, convertendo-se, mesmo no regime capitalista, no grande protagonista da cena econômica [...]. (SARMENTO, 2006 apud ALVES, 2010, p. 61).
Com o advento do Estado Social, ocorreu no Brasil um fato denominado por inflação legislativa, momento em que diversas leis extravagantes foram promulgadas em matérias pertinentes ao Direito familiarista, causando uma relativa ruptura com o modelo arquitetado pelo Codex Civilista de 1916.
Exempli gratia a Lei n. 883/49 permitiu aos ex-cônjuges, uma vez desfeita a sociedade conjugal, reconhecer filhos extraconjugais, fato que não era autorizado pelo Código civil de 1916. Outra lei de elevada importância desta quadra da história pátria foi a Lei n. 4.121/62, conhecida como Estatuto da Mulher Casada, que arrefeceu o severo caráter machista e paternalista engendrado pelo Codexaté então em vigor, dentre diversos avanços nos Direitos Civis femininos há que se referir que a cônjuge virago deixou de ser relativamente incapaz e estar sob a tutela de seu marido, passando a condição de colaboradora deste na chefia da sociedade conjugal e titularizando bens próprios, dentre outros auspiciosos avanços.
Outra lei de elevado quilate para o Direito Familiarista pátrio foi a que instituiu o divórcio no Brasil, Lei n. 6.515/77, dela adveio a novel possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial, que até então era indissolúvel de forma absoluta. Logo, vulgarmente pode-se asseverar que “ela representou uma libertação aos corações cativos”. Lei esta que prima de forma explícita por um avanço secular no sentido de se respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e que caminhou em passos largos em direção a um dia lograr-se a família eudemonista, aquela que cultiva a felicidade dos indivíduos.
Nada obstante, este perfil arcaico de família foi completamente ultrapassado com a promulgação da Carta Magna de 1988, novel carta política que sedimentou os direitos fundamentais em solo pátrio, constitucionalizando as relações privadas, não se furtando de também fazê-lo no que pertine as relações jurídicas familiares.
Ilustram este tema com maestria Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvald no seguinte excerto:
Ora, com a Lex Fundamentallis de 1988 determinando uma nova navegação aos juristas, observando que a bússola norteadora das viagens jurídicas tem de ser a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a solidariedade social e a erradicação da pobreza (art. 3º) e a igualdade substancial (arts. 3º e 5º), o Direito das Famílias ganhou novos ares, possibilitando viagens em mares menos revoltos, agora em “céu de brigadeiro”. A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade.(FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 10).
Em suma, a principal tarefa do Direito de Família contemporâneo é legalizar, consagrar e dar eficácia jurídica a todas as conformações familiares que se constituam precipuamente pelo afeto, que as legitimam e lhes dão o condão de unidade familiar. E estas famílias devem sempre ter como princípio teleológico a garantia da felicidade e da dignidade humana das pessoas que a compõe. Encerrando desta forma o caráter de família eudemonista que deve caracterizar as famílias plurais hodiernas.

1.2– O DIREITO DAS FAMÍLIAS

O Direito de Família é acima de tudo uma ciência que estuda, elucubra e regula as estruturas familiares suas diversas origens, conformações, suas formas de constituição e seus efeitos jurídicos pessoais, patrimoniais e sociais.
O Direito das famílias é conceituado com excelência por Farias e Rosenvald no seguinte trecho:
Assim, sobreleva destacar que o Direito das Famílias assume papel de setor do Direito Privado que disciplina as relações que se formam na esfera da vida familiar, enquanto conceito amplo, não limitado pelo balizamento nupcial. Tais relações que se concretizam na vida familiar podem ter origem no casamento, na união estável, na família monoparental (comunidade de ascendentes e descentes) e em outros núcleos fundados no afeto e na solidariedade. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 13).
O Direito das famílias subdivide-se didática e cientificamente nos seguintes tópicos: (1º) – direito matrimonial das famílias (refere-se ao matrimônio e seu regramento legal); (2º) – direito convivêncial das famílias (regula as entidades familiares não casamentarias, tal qual a união estável); (3º) – direito parental das famílias (dispõe sobre a filiação, o parentesco e suas origens; (4º) – direito assistencial das famílias (regula o dever de solidariedade recíproco entre os membros das famílias, incluindo o dever alimentar).
Hodiernamente, a ciência familiarista exige uma atividade multidisciplinar, a atuação e competência de profissionais de diversas áreas do conhecimento humano, pois tendo em vista que é no seio familiar que o ser humano desenvolve suas múltiplas potencialidades, sendo este um ser holístico, para melhor se compreender e regular o fenômeno familiar é premente a atuação em comunhão a dos operadores do Direito, o contributo dos psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, teólogos e biólogos.
Traz-se a colação o que o texto Constitucional pátrio dispõe sobre a família brasileira:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Depreende-se deste artigo da lex legum, fazendo-se uma interpretação gramatical, que a família expressamente protegida pela Carta Magna de 1988 é o casamento entre o homem e a mulher, a união estável entre estes e a família monoparental, sendo esta aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Não obstante, esta não é a exegese feita pelos mais preclaros doutrinadores pátrios, que a contrário sensu, não interpretam este texto como cláusula fechada, mas sim como cláusula geral de inclusão, entendendo-se que o conceito trazido no art. 226 da Carta Política é plural e indeterminado. São os fatos da vida que devem colmatar e concretizar os tipos legais. Havendo a formação de núcleos familiares diversos dos expressos na Carta Magna, deverão ser protegidos e amparados pelo Estado com isonomia aos núcleos expressamente elencados na Constituição Federal.
  Nesta senda a preleção de Paulo Luiz Netto Lôbo:
Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade da pessoa humana. (LÔBO, 2002 apud FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 58)
Destarte, para o Direito das Famílias pátrio o que caracteriza uma unidade familiar não é sua formalidade, solenidade em consonância ao que é prescrito no texto legal, mas sim qualquer forma de agregação humana com propósito de conviver, construir patrimônio, serem felizes e repercutindo no seu patrimônio jurídico com efeitos patrimoniais, alimentares, sucessórios e previdenciários possuindo como única exigência haver a viga mestra que pontifique o relacionamento chamada afeto. É o instituto denominado pela seara Jus-Científica de afectio familiae. Portanto, havendo afeto esta figura abstrata e psíquica configurada pelo ato de gostar, querer-se bem, querer estar junto, querer alimentar-se solidariamente, edificar patrimônio em comum e principalmente ser felizes juntos. Este é o requisito basilar do Direito das Famílias hodierno, a família plural e eudemonista, aquela que tem como fulcro precípuo a busca da felicidade.

1.3– AUTONOMIA PRIVADA E AUTONOMIA DA VONTADE

                        Insta distinguir-se o entendimento de autonomia privada e autonomia da vontade. Autonomia Privada é o livre exercício da vida privada e livre desenvolvimento da pessoa, em nível de direitos personalíssimos, no que não for defeso pelo ordenamento jurídico. Já a autonomia da vontade atine sobre a liberdade contratual, é a liberdade para constituir negócios jurídicos, logo, diz respeito a relações patrimoniais.
                        Destarte, não há que se confundirem ambos os institutos, a autonomia da vontade tem um caráter egoístico, de exacerbação dos interesses privados. Já a autonomia privada tem caráter diametralmente oposto, possui atributo que se comunica intimamente com a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e a aplicação horizontal dos direitos fundamentais às relações privadas.
                         Rodrigues discorre sobre a autonomia da vontade na seguinte passagem:
O grande desenvolvimento do dogma da autonomia da vontade teve assento no direito das obrigações. Reconhecida aos membros de uma comunidade a qualidade de personas, iguais perante lei e autônomas, a vontade passou a ser o substrato das relações negociais e da imperatividade das obrigações assumidas perante terceiros. Afinal, em uma sociedade onde os membros se reconhecem como iguais, a heteronomia não pode fundamentar ingerências na esfera individual alheia. Portanto, somente a vontade individual é concebida como fonte de dever [...].
Em outras palavras, para que a autonomia valesse como princípio universal não poderia sofrer condicionamentos pelas vicissitudes do mundo fenomenal. A ação livre era caracterizada pelo exercício formal da autonomia.(RODRIGUES, 2007 apud ALVES, 2010, p. 18)
Portanto, do trecho retro narrado infere-se que o conceito de autonomia da vontade retira-se da ideologia liberal encampada pela classe burguesa, partindo-se da premissa de que há uma igualdade formal entre os concidadãos, o que dever-se-ia tornar as avenças particulares em normas cogentes, como uma legislação casuística entre as partes avençadas. Norma esta que poderia ser imposta coativamente através de uma tutela do poder judiciário. É um dogma edificado pela elite burguesa para legitimar ideologicamente seu status quo.
Já a Autonomia Privada tem um fulcro mais existencialista e menos patrimonialista, ela tende a dar maior liberdade ao indivíduo de tomar decisões na sua esfera privada íntima, verte a conduzir ao indivíduo a sua plenitude de satisfação de seus anseios espirituais e existenciais. Socorre os Direitos da Pessoa humana e principalmente à felicidade e garante a incidência horizontal dos Direitos Fundamentais.
                       Leonardo Barreto Moreira Alves, 2010, descreve com clarividência o que se entende por Autonomia Privada hodiernamente:
De fato, como explicitado no trecho acima transcrito, tendo em vista que o foco de tutela do Estado Democrático de Direito é a pessoa humana, nada mais justo que naquelas questões mais relacionadas ao seu projeto de felicidade, tenha ela o direito de escolher a solução que mais lhe aprouver. Nessa, perspectiva, registre-se que diversas são as situações existenciais nas quais a doutrina civilista já aceita a incidência da autonomia privada, principalmente naquelas relacionadas à disponibilidade (relativa) do exercício dos direitos da personalidade, como a concessão dos direitos de imagem e de voz, a doação de órgãos, a redesignação sexual, a reprodução assistida, a gestação em útero alheio (“barriga de aluguel’), alteração do nome e até mesmo o direito à morte digna (eutanásia e ortotanásia)
 Feita a devida diferenciação entre estes relevantíssimos institutos para o prosseguimento do estudo em tela, passa-se ao próximo tópico.

1.4– A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

                        O fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil constitui-se no fato de o estudo e aplicação dos institutos Jus civilistas passaram a ser empregados a luz do Direito constitucional e principalmente dando-se o caráter de aplicação horizontal dos direitos fundamentais, o que se entende como sendo a efetivação dos direitos fundamentais em sede de relações privadas, como no caso ora em tela, no ramo do Direito Familiarista.
 Nesse sentir, Borges disseca este entendimento com acertada percepção no seguinte trecho:
Como certas normas de direito civil foram elevadas ao texto da Constituição, diz-se que houve uma constitucionalização do direito civil. Daí se falar em direito civil constitucional. São normas de direito civil que foram colocadas no nível constitucional. Passando a essa hierarquia suprema do ordenamento, tais normas de direito civil passam a informar todo o direito civil que está subordinado à constituição, inclusive o então Código de 1916 (e o de 2002). Mesmo leis posteriores a 1988 e outras que venham a ser elaboradas necessariamente deverão ter seu sentido em harmonia com as disposições da Constituição. (Borges, 2005 apud ALVES, 2010, p. 92)
                         Depreende-se dos fatos retro narrados que o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil o alijou da percepção patrimonialista eivada de forma irretorquível nos institutos civilistas ao tempo do código civil de 1916 e passa a escudar com afinco os direitos humanos fundamentais em predileto apreço a dignidade da pessoa humana, ofertando desde então, maior caráter personalista ao Direito civilista em face do caráter patrimonialista de outrora.
                         Este fenômeno também pode ser alcunhado por despatrimonialização ou personalização do Direito Civil. Haja vista que a seara civilista deixou de valorizar o ter em detrimento do ser e passou a buscar a valoração do ser humano enquanto sujeito de direito e deveres correlatos à sua dignidade.
  Em apertada síntese, Perlingieri arremata sobre esta mudança de paradigma com brilhantismo:
Portanto, a normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-se aos novos valores.
Para o civilista apresenta-se um amplo e sugestivo programa de investigação que se proponha à atuação de objetivos qualificados: individuar um sistema de direito civil mais harmonizado aos princípios fundamentais e, em especial, às necessidades existenciais da pessoa; redefinir o fundamento e a extensão dos institutos jurídicos e, principalmente, daqueles civilísticos, evidenciando os seus perfis funcionais, numa tentativa de revitalização de cada normativa à luz de um renovado juízo de valor (giudizio di meritevolezza); verificar e adaptar as técnicas e as noções tradicionais (da situação subjetiva à relação jurídica, da capacidade de exercício à legitimação, etc.), em um esforço de modernização dos instrumentos e, em especial, da teoria da interpretação. (Perlingieri, 2002 apud ALVES, 2010, p. 93)
Com esta ilustre passagem encerra-se este capítulo, e no próximo falar-se-á sobre o novo perfil da família brasileira após a Carta política de 1988.

2 – O NOVO PERFIL DA FAMÍLIA APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

                         Este capítulo colima perquirir sobre o novo perfil da família brasileira inaugurado com o advento da Constituição de 1988 que redefiniu os contornos tradicionais da família pátria deixando de ter o perfil patrimonializado e hierarquizado do Código Civil de 1916 e passando a albergar um modelo mais inclusivo de famílias plurais a medida em que consagrou diversos direitos fundamentais que passaram a repercutir de forma horizontal nas relações privadas, incluindo-se aí o Direito de Família.
Este capítulo possui o fito de demonstrar como os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar assolaparam a tendência patrimonializada da família do Código Civil de 1916, e, de outra margem, como os princípios constitucionais da igualdade, da pluralidade das formas de família, da liberdade da dissolução do casamento e do melhor interesse do menor foram responsáveis pelo rompimento da estrutura hierarquizada das famílias.
Assevera com precisão e técnica Leonardo Moreira Alves:
Quanto à dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1º, inciso III, da constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, pode-se afirmar que ela é a fundamentalidade material dos direitos fundamentais (CUNHA JÚNIOR, 2008, P. 518), no sentido de que tais direitos fundamentais devem buscar essencialmente satisfazer as necessidades da pessoa humana. Desse modo, tem-se que os direitos fundamentais são instrumentos de realização da personalidade humana, não possuindo, portanto, um fim em si mesmo. O foco de atuação do Estado Democrático de Direito deve ser sempre, pois, o ser humano. (ALVES, 2010, p. 112
Destarte, afere-se do excerto retro colacionado, que o paradigma do Estado brasileiro no pertinente aos Direitos fundamentais e sua repercussão no Direito de Família foi transformado severamente, passando a ter como viga-mestra da hermenêutica constitucional pátria o super princípio da dignidade da pessoa humana. Devendo sempre este princípio ser valorado e sopesado no caso concreto de modo a verificar-se in casu se há sua observância ou inobservância, se o indivíduo tem seus valores personalíssimos correlacionados à sua dignidade ameaçados ou violentados no caso sub judice, verificar no caso concreto se é necessário a tutela do Estado Juiz de modo a reestabelecer-se o status quo ante de modo a ter sua dignidade em sua plenitude e integridade, excetuando-se apenas o caso de que a tutela deste direito colida com um direito fundamental coletivo, partindo-se sempre da premissa de que nenhum direito fundamental aprioristicamente é absoluto. Urgindo-se sempre a aplicação da técnica de ponderação de valores ao caso concreto.
Muito bem ilustra esta compreensão o seguinte excerto de Lamounier:
Consequentemente, cada homem é fim em si mesmo. E se o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Aliás, de maneira pioneira, o legislador constituinte, para reforçar a ideia anterior, colocou, tipograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.
Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos. Ela é, assim, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público [...] (LAMOUNIER, 2009 apud ALVES, 2010, p. 113).
O princípio da solidariedade é outra diretriz basilar das famílias brasileiras hodiernamente, com fincas no artigo 3º, inciso I, da Carta Política de 1988 que afirma ser um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a busca da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e também tem disposição expressa em outro artigo da Carta Magna, o 226, parágrafo 8º, que assevera que “ o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, 1988).
Com esta mesma hermenêutica jurídica, entende Lôbo (2007, p.148), que “A solidariedade e a dignidade humana são os dois hemisférios indissociáveis do núcleo essencial irredutível da organização social, política e cultural do ordenamento jurídico brasileiro”. Em outro excerto do mesmo autor (2007, p. 148), afirma que “De um lado, o valor da pessoa humana enquanto tal, e os deveres de todos para com sua realização existencial, nomeadamente do grupo familiar; de um outro lado, os deveres de cada pessoa humana com os demais, na construção harmônica de suas dignidades”.
São institutos que se amoldam ao princípio da solidariedade Familiar: o direito a alimentos, a tutela e curatela, o dever matrimonial de mútua assistência, da paternidade socioafetiva.
No que pertine ao princípio da igualdade deve-se desmembrar os institutos da seguinte forma: igualdade entre cônjuges e companheiros, a igualdade na chefia familiar e a igualdade entre filhos.
A igualdade entre cônjuges e companheiros é corolário da cláusula de igualdade geral insculpida no art. 5º, caput da Constituição Cidadã, da igualdade entre homens e mulheres com fulcro no artigo 5º, inciso I, do Texto Constitucional, também citado nos artigos 226, parágrafo 5º da Carta Constitucional e 1.511 do código Civil de 2002. Estes artigos legais são uníssonos em reverberar a igualdade entre homens e mulheres no bojo de uma relação casamentária ou de companheirismo, pondo fim a hierarquia entre estes que existia até então. O que possibilitou que hodiernamente o marido requeira alimentos da esposa ou companheira e vice-versa e que um dos cônjuges ou conviventes utilize o nome do outro livremente, conforme deliberação de ambos (artigo 1.565, parágrafo 1º, do código civil de 2002).
 O princípio da igualdade na chefia familiar é corolário do princípio retro citado, caracteriza-se pela igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher na gestão da vida familiar e tutela dos filhos, rompendo definitivamente com a superioridade masculina no bojo familiar o que caracterizava o modelo familiar alcunhado por patriarcal fundado no código civil de 1916. Este princípio esta fulcrado nos artigos 226, parágrafo 5º e 227, parágrafo 7º e nos artigos 1566, incisos III e IV, 1.631 e 1.634 do Código Civil de 2002.
 O princípio da igualdade entre filhos trouxe a lume o fim da discriminação à filhos anteriormente considerados de “segunda categoria”, como os até então denominados filhos “bastardos” ou “ilegítimos” que eram aqueles provenientes de relações adulterinas, concubinárias e até mesmo adotivos e advindos de inseminação artificial heteróloga (proveniente da utilização de material genético de terceira pessoa). Destarte, qualquer pessoa registrada como filho de determinado indivíduo nas formas legais é seu filho para todos os fins sem poder haver distinção às formas de filiação devendo todos serem tratados com igualdade material e afetiva. Sendo, pois, a igualdade de tratamento com os irmãos um direito corolário do princípio da igualdade visto alhures. Com fulcro nos artigos 227, parágrafo 6º da Carta Magna e 1.596 do Códex Civilista em vigor.
O princípio da pluralidade das formas da família é assunto caro à pauta do cidadão pós-moderno é cláusula de inclusão social das mais relevantes que muito bem encerram a incidência horizontal do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada ao Direito das Famílias, ele eleva todos os cidadãos no que tange aos seus anseios e valores mais íntimos, os afetivos, à condição de igualdade. Todos podem satisfazer seus projetos de vida e afetividade no locus que lhe é peculiar, o ambiente familiar, e da forma que melhor lhe aprouver, com a conformação que lhe for mais favorável. Prosperando a tese de que o Estado não pode e nem deve intervir no ambiente mais privado e íntimo do indivíduo que é o locus familiae. Haja vista esta seara jurídica não merecer intervenção Estatal já que a formação e conformação da estrutura em que os indivíduos realizarão e satisfarão seus desejos sexuais, afetivos e projetos de vida dizem respeito somente a eles mesmos e a ninguém mais é o principal campo de incidência do princípio da autonomia privada.
O princípio da liberdade da dissolução do casamento vem nesta mesma tocada a consagrar a liberdade dos indivíduos, no sentido de não obrigar a se perpetuar uma relação triste, sofrida e famigerada que somente desgasta e tortura emocionalmente os cônjuges, conferindo-lhes o direito a unir-se e desunir-se a quem tenha ou queria ter comunhão de vida, propósitos e patrimonial da forma que melhor lhe aprouver, buscando-se sempre a família eudemonista, aquela que valoriza a felicidade dos consortes.
O princípio do melhor interesse do menor vem ao encontro do entendimento de que as medidas judiciais pertinentes à menores, como a decretação de guarda judicial, deve sempre serem editadas em benefício do menor e não dos pais ou responsáveis. Possui fulcro no artigo 227, caput da Carta Magna que rege que é dever da família, da sociedade, do Estado assegurar aos indivíduos menores de idade os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Também com supedâneo ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em que no seu artigo 3º consagra a proteção integral dos direitos fundamentais das Crianças e dos Adolescentes.

DIREITO DE FAMÍLIA MÍNIMO

No regime jurídico do Código Civil de 1916 a família era matrimonizializada e patrimonializada a ideologia daquele tempo incutia na sociedade a falsa compreensão de congruência entre a autonomia da vontade e autonomia privada. Este valor repercutia basicamente a pretensão de ter-se liberdade patrimonial em detrimento da liberdade extrapatrimonial, sendo esta na sua maior parte regulada por normas cogentes até então, fato que mitigava contundentemente a liberdade dos indivíduos e o exercício da autonomia privada pelos membros de uma família.
Falsa premissa revelada no seguinte excerto de Rodrigues, que muito bem exemplifica o pensamento jurídico àquele tempo:
Já foi afirmado acima que a família constitui a célula básica da sociedade. Ela representa o alicerce de toda a organização social, sendo compreensível, portanto, que o Estado a queira preservar e favorecer. Daí a atitude do legislador constitucional, proclamando que a família faz com que o ramo do direito que disciplina as relações jurídicas que se constituem dentro dela se situe mais perto do direito público do que do direito privado. Dentro do Direito de Família o interesse do Estado é maior do que o individual. Por isso, as normas de Direito de Família são, quase todas, de ordem pública, insuscetíveis, portanto, de serem derrogadas pela convenção entre particulares [...] (RODRIGUES, 2000 apud ALVES, 2010, p. 135).
Malgrado, com o advento da lex legum de 1988, houve uma robusta alteração do quadro jurídico que regulava as Famílias brasileiras. Inaugurando uma nova era de mais respeito às liberdades individuais. Em um primeiro momento despiu-se a retórica vazia da ideologia burguesa que se fazia imperiosa no Estado Liberal brasileiro e fez-se a devida distinção entre Autonomia da Vontade e Autonomia Privada, garantindo-se a aplicação desta última também as relações extrapatrimoniais e não tão somente às relações patrimoniais como ocorrera outrora. Em segundo plano, redesenhou-se os contornos da Família em solo pátrio passando-se a concebê-la como o lócus de felicidade e realização pessoal do indivíduo, aplicando-se em seu bojo o exercício da autonomia privada, o que permitiu a família tornar-se deverás uma instituição democrática.
Sobre este tema esclarece com maestria Pereira na seguinte passagem:
Sem dúvida, até o advento da Constituição Federal de 1988, os pilares do Direito Civil eram centrados na propriedade e no contrato. Porém, com a nova Carta Magna fez-se presente a crise de categorias jurídicas pré-constitucionais, que entraram em choque com as recém-criadas, cuja tônica e preocupação era com a preservação da dignidade da pessoa humana. Isto fez com que fossem revistos as regras e institutos do Direito Civil, a partir de uma despatrimonialização e de uma ênfase na pessoa humana, isto é, na compreensão da dignidade como cerne do sujeito e consequentemente das relações jurídicas. Neste sentido, ampliou-se o campo de aplicação da autonomia privada, que também se curva sobretudo no âmbito das relações familiares [...].
A partir do momento em que a família se desinstitucionaliza para o Direito – ou seja, que ela não mais se faz relevante enquanto instituição -, e que a dignidade humana passa a ser o foco da ordem jurídica, passa-se a valorizar cada membro da família e não a entidade familiar como instituição [...] (PEREIRA, 2006 apud ALVES, 2010, p. 136).
Neste sentir a família tornou-se com fulcro no artigo 226, caput da constituição Federal, a base da sociedade e não mais a base do Estado, logo não necessitando de seu monopólio de regulamentação, mas sim de sua proteção especial. É com base neste novo pensar que o estado passou a dar guarida a novas conformações familiares, formadas sem vínculos jurídicos formais, sem uma solenidade oficial, portanto famílias de fato a exemplo da união estável (artigo 226, parágrafo 3º, da Carta Política). Destarte, o Estado passou a reconhecer como viga-mestra da família e liame basilar como requisito para o reconhecimento do núcleo familiar o afeto (affectio familiae).
Encerra muito bem este tema, Pereira, ao aduzir:
Para que haja uma entidade familiar, é necessário um afeto especial ou, mais precisamente, um afeto familiar, que pode ser conjugal ou parental [...]. Diante deste quadro estrutural, o que se conclui é ser o afeto um elemento essencial de todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental [...] (PEREIRA, 2006 apud ALVES, 2010, p. 138).
No próximo tópico tratar-se-á de relevantíssimo tema a esta pesquisa, o princípio da intervenção mínima no direito de família.

O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NO DIREITO DE FAMÍLIA

A família dos tempos hodiernos é a família eudemonista que tem como escopo precípuo a satisfação pessoal de cada indivíduo que a compõe. Para isso faz-se mister que esta família seja democrática, aberta e plural e para conquistar-se tal desiderato é imperioso que haja a menor intervenção possível do Estado em sua configuração e intimidade, para que a família seja de fato e não de direito, para que os fatos e anseios da vida colmate as lacunas legais que devem ser o mais concisas possível, como já reprisado, o Estado só deve intervir na intimidade familiar para garantir a aplicação dos direitos fundamentais, quando no caso concreto estes estejam sendo violados.
Neste sentir, prelecionam os afamados e já bastante destacados nesta pesquisa por emérita cátedra, Farias e Rosenvald na seguinte passagem:
 Com isso, forçoso é reconhecer a suplantação definitiva da (indevida) participação do Estado no âmbito das relações familiares, deixando de ingerir sobre aspectos personalíssimos da vida privada, que, seguramente, dizem respeito somente a vontade do próprio titular, como expressão mais pura de sua dignidade[...].
A partir disso, percebesse, sem embaraçamentos, que o estado começa a se retirar de um espaço que sempre lhe foi estranho, afastando-se de uma ambientação que não lhe diz respeito (esperando-se que venha, em futuro próximo, a cuidar com mais vigor e competência das atividades que, realmente, precisam de sua direta e efetiva atuação). Foi vencido na guerra. E o vencedor (a pessoa humana, revigorada pelo reconhecimento, em sede constitucional, de sua fundamental privacidade, como expressão e sua dignidade) pode, agora, desenvolver amplamente seus projetos existenciais e patrimoniais, como corolário de sua liberdade. (FARIAS E ROSENVALD, 2008 apud ALVES, 2010, p. 142).
Deve-se sempre assegurar a liberdade dos membros da família, a intervenção do Estado às relações familiares deve ocorrer apenas em última instância com o escopo de garantir a incidência dos direitos fundamentais, ou seja, em ultima ratio, fato que os estudiosos da ciência familiarista entenderam por bem alcunhar por princípio da intervenção mínima no âmbito do direito de família.
Esta denominação flagrantemente bebeu-se na fonte jus científica criminalista, haja vista, originariamente o princípio da intervenção mínima tem sua gênese naquela seara, advém da concepção de que o Direito Penal deve intervir apenas nos casos mais relevantes para a incolumidade pública (fragmentariedade). Destarte, o Direito de Família colheu esta expressão na seara jurídica coirmã penalista.
Neste sentir, dissertou com boa técnica, Pereira:
Sob nova roupagem e assumindo novo papel, a família contemporânea não admite mais ingerência do Estado, sobretudo no que se refere à intimidade de seus membros. Conforme salienta Luiz Edson Fachin, está-se diante de um notório processo de privatização das relações, com propagação da interferência mínima do Estado no âmbito das relações privadas, notadamente nas relações de família. É a chamada “privatização do estado” e “desinstitucionalização da família”[...]. (PEREIRA, 2006 apud ALVES, 2010, p. 144).
     É imperioso ressaltar que há no Direito positivo pátrio, dispositivo que assenta definitivamente que ao Estado não é permitido ingerir no âmago familiar, expressão basilar do Direito de Família Mínimo. Refere-se ao artigo 1.513 do Código Civil de 2002, que assim prescreve: “ É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família (BRASIL, 2002).
Este dispositivo legal encerra tudo que fora dito retroativamente nesta pesquisa, e impõe de forma cogente e imperiosa o respeito à família plural e eudemonista. E acaba de vez com a discussão pública de ser possível ou não impor- -se a sua concepção familiar a outras famílias e a resposta é categoricamente: “Não”. Logo, o Estado brasileiro não autoriza a intervenção pública nas conformações familiares.
No próximo e derradeiro capítulo, falar-se-á sobre o princípio da pluralidade das entidades familiares na Constituição de 1988, a família eudemonista e as conformações familiares hodiernas no Brasil. Destarte, será o apogeu, o tema mais relevante desta pesquisa.

– AS FAMÍLIAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 (A FAMÍLIA EUDEMONISTA)

–PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES FAMILIARES

O Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares compreende que a Carta Constitucional de 1988 elencou em seu bojo uma cláusula geral de inclusão a todas as conformações familiares existentes de fato no seio da sociedade. Permitindo que os fatos da vida colmatem a lei fria. Em consonância a esta corrente de pensamento é que o legislador constitucional editou o dispositivo 226 da constituição Cidadã: “ a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
 Destarte, o Estado pátrio entendeu por bem defenestrar o modelo familiar casamentário e patriarcal de outrora, para recepcionar todas as conformações familiares existentes de fato. Promovendo o cidadão antes marginalizado por não se encaixar no modelo imposto, a titular de direitos e garantias como seus concidadãos, e sujeito da proteção de sua dignidade humana como Direito basilar e inerente a todo e qualquer ser humano. Desta feita, não lhe furtando o direito fundamental a felicidade e satisfação afetiva.
Corroborando a esta tese, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), firmou este entendimento no seguinte julgado:
A Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso especial e estabeleceu ser impossível, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, conferir proteção jurídica a uniões estáveis paralelas. Segundo o Min. Relator, o art. 226 da CF/1988, ao enumerar as diversas formas de entidade familiar, traça um rol exemplificativo, adotando uma pluralidade meramente qualitativa, e não quantitativa, deixando a cargo do legislador ordinário a disciplina conceitual de cada instituto - a da união estável encontra-se nos arts. 1.723 e 1.727 do CC/2002. Nesse contexto, asseverou que o requisito da exclusividade de relacionamento sólido é condição de existência jurídica da união estável nos termos da parte final do § 1º do art. 1.723 do mesmo código. Consignou que o maior óbice ao reconhecimento desse instituto não é a existência de matrimônio, mas a concomitância de outra relação afetiva fática duradoura (convivência de fato) - até porque, havendo separação de fato, nem mesmo o casamento constituiria impedimento à caracterização da união estável -, daí a inviabilidade de declarar o referido paralelismo. Precedentes citados: REsp 789.293-RJ, DJ 20/3/2006, e REsp 1.157.273-RN, DJe 7/6/2010. REsp 912.926-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/2/2011.

–FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

As uniões homoafetivas tal qual as heteroafetivas são merecedoras de guarida do Estado brasileiro haja vista que há seu bojo a união de vidas com o desiderato de compartilhar-se propósitos, patrimônio, cuidados e a felicidade. Portanto, não sendo justo que ao final do relacionamento não se seja merecedor de partilha de bens, de dever alimentar recíproco e no caso de óbito de um dos companheiros não haja direito a sucessão. Estes direitos devem ser garantidos aos companheiros homoafetivos, já que há uma união de vidas de fato e comunhão na edificação do patrimônio familiar. O liame que lhes une é o afeto e é este bastante à configuração de uma entidade familiar.
Discorrem com expertise, Farias e Rosenvald, com a técnica que lhes são peculiares:
Primus, embora a Lex Fundamentallis não tenha, expressamente, contemplado a união homoafetiva como relação familiar, uma visão unitária e sistêmica do ordenamento jurídico conduz, seguramente, a essa conclusão. Máxime quando considerados os princípios basilares constitucionais da dignidade humana (CF, art. 1º, III), da igualdade substancial (CF, art. 226), consagrando diferentes modelos de entidade familiar. Não se pense, todavia, que a família homoafetiva se confundiria com a família casamentaria – fundada no casamento, união formal entre pessoas de sexos diferentes – ou com a família convencional – fundada na união estável, como laço informal entre pessoas de sexos diferentes. Trata-se de modelo familiar autônomo, como a comunidade de irmãos (família anaparental), tios e sobrinhos e avós e netos. Todos eles merecedores de especial proteção do Estado.
Secundus, importa realçar que a família contemporânea tem o seu ponto de referência no afeto, evidenciado como um verdadeiro direito à liberdade de autodeterminação emocional, que se encontra garantido constitucionalmente.
Tertius, não proteger a entidade homossexual como um grupo familiar é negar a compreensão instrumentalizada da família, retirando proteção da pessoa humana e repristinando uma era já superada (definitivamente!) institucionalista, como se a proteção não fosse dedicada à pessoa, atentando contra a sua intransigível dignidade. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 64).
O Excelso STF (Supremo Tribunal Federal), por unanimidade, em controle de constitucionalidade, por consequência, com efeitos vinculante, reconheceu a constitucionalidade da entidade familiar formada por uniões homoafetivas, encerrando os acalorados debates nas mesas dos brasileiros, que se fazia e ainda faz pauta da hora às rodas sociais, dando-se início a uma era de mais respeito e civilidade, com um julgado histórico com relato da lavra do eminente Min. Carlos Ayres Britto no qual deitou a maestria que lhe é inerente como jurista da mais elevada estirpe que sempre fora. É o que segue:
1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
(ADI 4277, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212)
Com idêntico sentir julgou o Egrégio STJ:
In casu, duas mulheres alegavam que mantinham relacionamento estável há três anos e requereram habilitação para o casamento junto a dois cartórios de registro civil, mas o pedido foi negado pelos respectivos titulares. Posteriormente ajuizaram pleito de habilitação para o casamento perante a vara de registros públicos e de ações especiais sob o argumento de que não haveria, no ordenamento jurídico pátrio, óbice para o casamento de pessoas do mesmo sexo. Foi-lhes negado o pedido nas instâncias ordinárias. O Min. Relator aduziu que, nos dias de hoje, diferentemente das constituições pretéritas, a concepção constitucional do casamento deve ser plural, porque plurais são as famílias; ademais, não é o casamento o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, qual seja, a proteção da pessoa humana em sua dignidade. Assim sendo, as famílias formadas por pessoas homoafetivas não são menos dignas de proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. O que se deve levar em consideração é como aquele arranjo familiar deve ser levado em conta e, evidentemente, o vínculo que mais segurança jurídica confere às famílias é o casamento civil. Assim, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela CF/1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas e o afeto. Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ quanto pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º). Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para afastar o óbice relativo à igualdade de sexos e determinou o prosseguimento do processo de habilitação do casamento, salvo se, por outro motivo, as recorrentes estiverem impedidas de contrair matrimônio. REsp 1.183.378-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 25/10/2011.
Em apertada síntese, confere-se às uniões homoafetivas efeitos existências e patrimoniais análogos à uma união estável. Esta foi uma opção do Tribunal Excelso, perante a omissão legislativa, aplicar mediante analogia o regramento pertinente à união estável para as uniões homoafetivas, garantindo-lhes proteção jurídica e reconhecendo-as com entidade familiar legitimada pelo Estado pátrio.

–FAMÍLIAS NATURAIS BIPARENTAIS E MONOPARENTAIS

As famílias naturais biparentais são as famílias convencionais, já amplamente desde os primórdios políticos recepcionada pelo Estado, são as famílias constituídas por pai e mãe (genitores) e os filhos, os pais possuindo relação afetiva na forma de casamento ou união estável. É a família heterossexual convencional, mais aceita pela sociedade, pelas religiões e pelas bancadas parlamentares religiosas.
Malgrado, a Carta política de 1988 também recepcionou a família monoparental expressamente em seu art. 226, parágrafo 4º fez alusão à comunidade formada pelos ascendentes e descendentes, encartando esta espécie familiar no rol das relações do Direito das Famílias. Portanto, configura uma família monoparental a convivência de uma pessoa sozinha (solteiro, descasado ou viúvo) que vivem com sua prole sem parceiro afetivo.
Conforme discorre com maestria, Farias e Rosenvald:
Alguns fatores podem determinar a formação de uma família monoparental, como o divórcio, a dissolução de união estável, a maternidade ou paternidade sem casamento ou união estável, a viuvez, a adoção por pessoa solteira, a fertilização medicamente assistida e mesmo o celibato. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 75).
A comprovação da família monoparental faz-se de forma bastante singela, basta a juntada das certidões de nascimento que atestam o vínculo familiar entre os parentes.
Insta salientar, que no bojo do rol de conformações de famílias monoparentais está-se inserida a família homoafetiva, já que no caso em tela, a família monoparental pode ser formada por pessoas do mesmo sexo. Rompendo-se, tão logo, de uma vez, com o modelo familiar que fora imposto até então.
Segundo o melhor entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira, a monoparentalidade advém da “ liberdade dos sujeitos de escolherem sua relação amorosa” o que é corolário do princípio constitucional da autonomia privada.
O Egrégio STJ entendeu sobre este tema da seguinte forma:
PET no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 841.927 - SP (2016/0005300-8)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
REQUERENTE : FRANCISCO CARLOS PAIVA MONTEIRO
ADVOGADOS  : ANA CLAUDIA GOFFI FLAQUER SCARTEZZINI E OUTRO(S)
ANA MARIA GOFFI FLAQUER SCARTEZZINI
REQUERIDO : FAZENDA NACIONAL
REQUERIDO : SGMO INVESTIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA. - ME
ADVOGADO  : ALEXANDRE AUGUSTO SILVEIRA GALVÃO MORAES E OUTRO(S)
INTERES. : FRIAR INDUSTRIA E COMERCIO DE REFRIGERACAO LTDA - MASSA FALIDA
INTERES. : PAULO ROBERTO DE PAIVA MONTEIRO
INTERES. : LUIZ FERNANDO DE PAIVA MONTEIRO
INTERES. : CESAR AUGUSTO DE PAIVA MONTEIRO
INTERES. : REGINA CELIA DE PAIVA MONTEIRO ANDRADE
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por FRANCISCO CARLOS DE PAIVA MONTEIRO
contra decisão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, que nãoadmitiu recurso especial fundado na alínea a do permissivo constitucional, e que desafia acórdão assim ementado (e-STJ fls.401/410):
AGRAVO DE INSTRUMENTO - PENHORABILIDADE - BEM DE FAMÍLIA - ÚNICO
IMÓVEL LOCADO - NÃO COMPROVADA SUBSISTÊNCIA DO PROPRIETARIO -
RECURSO PROVIDO.
1. Concernente à alegação de bem de família, sua proteção, conforme artigo lº da Lei nº 8.009/90, exige que o imóvel seja de propriedade da entidade familiar, tenha destinação residencial e que seja utilizado como moradia pela família.
2. A expressão "bem de família" não exige a constituição rígida da família, formada pelos pais e filhos, necessariamente, até porque, no hodierno ordenamento jurídico pátrio, admite-se, inclusive, a constituição de famílias monoparentais.
3. A mens legis da Lei nº 8.009/80 abrange mais que a hipótese de “casal" ou "entidade familiar", abarcando também a eventualidade de uma única pessoa, residindo no imóvel almejado, posto que pretende a norma em discussão a proteção da moradia, cujo direito se encontra constitucionalmente previsto (art. 6º, CF).
4. Em sentido semelhante, editou-se a Súmula 364 do SuperiorTribunal de Justiça: "O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".
5. Desnecessária a comprovação da "unidade familiar".
6. Irrelevante a existência de outros imóveis de propriedade da
família e mesmo o valor desses imóveis; a proteção incide sobre o imóvel que comprovadamente é residência da família, não se estendendo a proteção sobre os demais imóveis. Todavia, é de rigor a comprovação desse uso familiar.
7. O fato do imóvel indicado como bem de família estar alugado não obsta o reconhecimento da impenhorabilidade, como se depreende da Súmula 486, da Superior Corte: "Único imóvel residencial alugado a terceiros é impenhorável, desde que a renda obtida com o aluguel seja para subsistência do proprietário."
8. No caso concreto, verifica-se que o imóvel penhorado encontra- se locado desde 22/8/2012, conforme contrato de locação (fls. 249/254) e que é o único residencial de titularidade do agravado, segundo certidões do 1º (fl. 246) e 2º Oficial de Registro de Imóveis (fl. 247), não obstante existam outros imóveis, em princípio, não edificados.
9. Conforme alegado pela agravante, frágil a comprovação de que o executado reside em imóvel alugado, no Município de São Paulo, diante da "declaração de moradia" (fl. 248), não autenticada, sem qualificação de sua signatária, sem a juntada do respectivo contrato de locação, bem como diante da ausência de comprovantes de consumo ordinário de serviços públicos, como água, esgoto, energia elétrica, etc.
10. Recurso provido.
No especial obstaculizado, o recorrente apontou violação art. 131 do Código de Processo Civil (e-STJ fls. 412/422).
Depois de contrarrazoado (e-STJ fls. 437/448), o apelo nobre recebeu juízo negativo de admissibilidade pelo Tribunal de origem, pela aplicação da Súmula 7 do STJ (e-STJ fls. 463/465).
No presente agravo (e-STJ fls. 467/481), o recorrente alega, em
resumo, que não se pretende o reexame de prova, mas a aplicação ao caso da Súmula 486 do STJ, segundo a qual é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.
Contraminuta às e-STJ fls. 483/484.
Na petição e-STJ fls. 493/498, o recorrente pede desistência do
agravo, uma vez que, na Execução n. 1301325-46.1996.4.03.6108, o Juízo de origem reconheceu que o redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio dos sócios não possui embasamento jurídico, porque não se demonstrou a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, nem o abuso de personalidade jurídica, tendo determinado o levantamento de penhoras e a anulação das arrematações.
Passo a decidir.
Conforme noticiou o agravante, este AREsp perdeu o objeto, pela superveniente anulação da arrematação do imóvel (bem de família), de modo a autorizar o acolhimento do pedido de desistência.
Diante do exposto, HOMOLOGO o pedido de desistência, nos termos do art. 34, IX, do RISTJ.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 14 de março de 2016.
MINISTRO GURGEL DE FARIA
Relator
(Ministro GURGEL DE FARIA, 28/03/2016)
Portanto, além de reconhecer a família monoparental, o STJ ainda a garante a impenhorabilidade do bem de família monoparental, ou seja, o bem imóvel que serve de moradia ou aluguel afim de garantir a subsistência da família monoparental é gravado de impenhorabilidade pelo Estado, não pode ser penhorado para solver dívida da família ou de um dos membros da família monoparental.

–FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS OU RECOMPOSTAS

                          As famílias reconstituídas ou recompostas são as originárias de relações afetivas anteriores, quando uma família se vincula a outra, como no caso de um pai que tem filhos de um primeiro casamento se separa e se casa novamente com outra mulher que era mãe solteira de dois filhos, então cada qual trouxe filhos e relações jurídicas anteriores a uma nova família que será reconstituída, recomposta.
                          Muito bem, versam sobre o tema, Farias e Rosenvald:
As famílias reconstituídas (ou, como preferem os argentinos, famílias emsambladas, stepfamily, em vernáculo inglês ou, ainda na linguagem francesa, famille recomposée) são entidades familiares decorrentes de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos interessados traz filhos ou mesmo situações jurídicas decorrentes de um relacionamento anterior. É o clássico exemplo das famílias nas quais um dos participantes é padrasto ou madrasta de filho anteriormente nascido. É também o exemplo da entidade familiar em que um dos participantes presta alimentos ao ex-cônjuge ou ao ex-companheiro. (FARIAS E ROSENVALD, 2008 apud ALVES, 2010, p. 78).
                          Como assevera Waldyr Grisard Filho, as famílias recompostas têm característica ambiguidade, por ter “ uma estrutura complexa, conformada por uma multiplicidade de vínculos e nexos, na qual alguns de seus membros pertencem a sistemas familiares originados em uniões precedentes”.
                             Com vistas a dar garantias constitucionais às famílias recompostas o ordenamento jurídico pátrio previu e sacramentou consequências jurídicas a estas. Por exemplo: o reconhecimento do vínculo de parentesco entre um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro parceiro (CC, art. 1.595); impedimento matrimonial entre o padrasto ou madrasta e a enteada ou enteado, mesmo após rompido o vínculo afetivo (CC, art. 1.521); o art. 12 da lei nº 8.112/90, garante o direito à pensão aos filhos ou enteados de servidores públicos federais até os 21 anos de idade. Ademais, o estatuto da Criança e do Adolescente nos seus parágrafos 2º e 4º do art. 42, prevê a possibilidade de adoção unilateral do enteado pelo padrasto ou madrasta, sendo uma consagração legislativa da família recomposta, conforme assevera com clareza a melhor jurisprudência do Egrégio STJ:
Direito civil. Família. Criança e adolescente. Adoção. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico. Legítimo interesse. Famílias recompostas. Melhor interesse da criança. - O procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de pessoa dotada de legítimo interesse, que se caracteriza por uma estreita relação entre o interesse pessoal do sujeito ativo e o bem-estar da criança. - O pedido de adoção, formulado neste processo, funda-se no art. 41, § 1º, do ECA (correspondente ao art. 1.626, parágrafo único, do CC/02), em que um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro, o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico, arvorado na convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social, ou seja, à socioafetividade, que representa, conforme ensina Tânia da Silva Pereira, um convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança, sem a concorrência do vínculo biológico (Direito da criança e do adolescente, uma proposta interdisciplinar, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 735). - O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança, em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar com a mulher e a adotanda, atualmente composta também por filha comum do casal. Desse arranjo familiar, sobressai o cuidado inerente aos cônjuges, em reciprocidade e em relação aos filhos, seja a prole comum, seja ela oriunda de relacionamentos anteriores de cada consorte, considerando a família como espaço para dar e receber cuidados. - Sob essa perspectiva, o cuidado, na lição de Leonardo Boff, representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana (apud Pereira, Tânia da Silva. Op. cit. p. 58). - Com fundamento na paternidade responsável, o poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da família, não em proveito dos genitores e com base nessa premissa deve ser analisada sua permanência ou destituição. Citando Laurent, o poder do pai e da mãe não é outra coisa senão proteção e direção (Principes de Droit Civil Français, 4/350), segundo as balizas do direito de cuidado a envolver a criança e o adolescente. - Sob a tônica do legítimo interesse amparado na socioafetividade, ao padrasto é conferida legitimidade ativa e interesse de agir para postular a destituição do poder familiar do pai biológico da criança. Entretanto, todas as circunstâncias deverão ser analisadas detidamente no curso do processo, com a necessária instrução probatória e amplo contraditório, determinando-se, outrossim, a realização de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional, segundo estabelece o art. 162, § 1º, do Estatuto protetivo, sem descurar que as hipóteses autorizadoras das destituição do poder familar que devem estar sobejamente comprovadas são aquelas contempladas no art. 1.638 do CC/02 c.c. art. 24 do ECA, em numerus clausus. Isto é, tão somente diante da inequívoca comprovação de uma das causas de destituição do poder familiar, em que efetivamente seja demonstrado o risco social e pessoal a que esteja sujeita a criança ou de ameaça de lesão aos seus direitos, é que o genitor poderá ter extirpado o poder familiar, em caráter preparatório à adoção, a qual tem a capacidade de cortar quaisquer vínculos existentes entre a criança e a família paterna. - O direito fundamental da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio da sua família, preconizado no art. 19 do ECA, engloba a convivência familiar ampla, para que o menor alcance em sua plenitude um desenvolvimento sadio e completo. Atento a isso é que o Juiz deverá colher os elementos para decidir consoante o melhor interesse da criança. - Diante dos complexos e intrincados arranjos familiares que se delineiam no universo jurídico  ampliados pelo entrecruzar de interesses, direitos e deveres dos diversos componentes de famílias redimensionadas, deve o Juiz pautar-se, em todos os casos e circunstâncias, no princípio do melhor interesse da criança, exigindo dos pais biológicos e socioafetivos coerência de atitudes, a fim de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças introduzidas nessas inusitadas tessituras. - Por tudo isso consideradas as peculiaridades do processo, é que deve ser concedido ao padrasto legitimado ativamente e detentor de interesse de agir  o direito de postular em juízo a destituição do poder familiar pressuposto lógico da medida principal de adoção por ele requerida em face do pai biológico, em procedimento contraditório, consonante o que prevê o art. 169 do ECA. - Nada há para reformar no acórdão recorrido, porquanto a regra inserta no art. 155 do ECA foi devidamente observada, ao contemplar o padrasto como detentor de legítimo interesse para o pleito destituitório, em procedimento contraditório. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1106637 SP 2008/0260892-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/06/2010,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2010)
Destarte, como visto no julgado retro, o padrasto ou madrasta tem legitimidade ativa, para quando comprovado o melhor interesse da criança pedir a destituição do poder familiar do pai ou mãe biológico e pedir consequentemente a adoção unilateral do menor, em processo contraditório, faz-se mister ressaltar.

–FAMÍLIAS EXTENSAS OU AMPLIADAS

Conceitua com expertise o que é Família extensa ou ampliada, Farias e Rosenvald:
Já a família extensa ou ampliada é aquela que, perpassando a comunidade de pais e filhos ou a unidade do casal, é formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e apresenta vinculo de afinidade ou afetividade. Essa família extensa pode se transmudar, posteriormente, em família substituta, a depender da situação verificada. Aqui vale o exemplo da família formada por padrasto e madrasta e enteado e por avós que criam os netos.
É, enfim, a grande família, tradicionalmente composta por pessoas agregadas, entrelaçadas por um vínculo afetivo. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 85).
O Estatuto da Criança e do Adolescente estatui em eu art. 28, parágrafos 3º e 4º, que a família ampliada terá preferência, excepcionando-se algumas exceções (por exemplo irmãos), para colocação infanto-juvenil em família substituta. Haja vista, que na recolocação do infante em família substituta, deve-se favorecer o grau de parentesco e a relação de afetividade e afinidade. Com esta conduta, busca-se contemplar o melhor interesse do menor, inserindo-o na família em que será melhor adaptado.
Corrobora esta tese o seguinte julgado do Egrégio STJ:
DIREITO CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR QUE SE ENCONTRA NA "POSSE DE FATO" DE TERCEIROS.
MANUTENÇÃO DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA AMPLIADA.
1. Ação cautelar de busca e apreensão de menor, distribuída em 01/09/2010, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10/10/2011.
2. Discute-se a busca e apreensão do menor, determinada para que a criança permaneça sob os cuidados da tia materna, enquanto pendente ação de guarda ajuizada por terceiros que detinham a sua "posse de fato".
3. Quando se discute a guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados; é a criança, como sujeito - e não objeto - de direitos, que deve ter assegurada a garantia de ser cuidada pelos pais ou, quando esses não oferecem condições para tanto, por parentes próximos, com os quais conviva e mantenha vínculos de afinidade e afetividade.
4. Em regra, apenas na impossibilidade de manutenção da criança no seio de sua família, natural ou ampliada, é que será cogitada a colocação em família substituta, ou, em última análise, em programa de acolhimento institucional.
5. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1356981/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 08/11/2013)
Destarte, neste julgado o egrégio STJ sacramenta e legitima a família extensa ou ampliada e lhe confere efeitos jurídicos. Referendando seu caráter de afeto e afinidade e gerando vínculo jurídico para efeito de substituição familiar reciprocamente entre seus membros.

–FAMÍLIAS SUBSTITUTAS E O DIREITO DE GUARDA E VISITA PARA OS AVÓS

Farias e Rosenvald expressam o entendimento de família substituta no seguinte excerto:
Em terceiro prisma, a família substituta, nos termos da norma estatutária, é constituída através da guarda, da tutela ou adoção. A família substituta cumpre a relevante tarefa de “suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram o amparo dos pais biológicos. Assim, podemos dizer que o ECA, além de ser um texto normativo, constitui-se também em uma esperança de preenchimento e resposta às várias formas de abandono social e psíquico de milhares de crianças”, como bem pontua RODRIGO DA CUNHA PEREIRA. Seria, pois, a hipótese de uma criança abandonada e que é dotada por uma pessoa ou por um casal estranho ao eu núcleo familiar natural ou ampliado. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 86).
O estatuto da Criança e Adolescente determina que para colocação de um menor em família substituta, ele deve ser ouvido por uma equipe multidisciplinar, sempre que o seu desenvolvimento e grau de compreensão recomendarem. Deve-se aferir o depoimento e sentimento do infante, com bastante cuidado, cautela e sensibilidade para se detectar possível ocorrência de Síndrome de Alienação Parental – SAP, que também recebe a denominação de implantação de falsas memórias, que é regulamentada pela Lei nº 12.318/10.
 Isto ocorre, com pesar, cotidianamente, pois visitando-se o repositório processual e jurisprudencial dos tribunais pátrios confere-se vultosa quantidade de casos em que o pai-guardião macula e difama a imagem e honra do outro genitor perante os filhos com o desiderato de prejudicar ou até mesmo se vingar de eventual insucesso conjugal, alienando a parentalidade do outro. Este ato é abusivo, e configura um ato ilícito objetivo (não depende de culpa para se caracterizar), conforme disposição expressa do art. 187 do código civil de 2002, e culmina em efeitos jurídicos, tais como a possibilidade de perda ou inversão da guarda, a modificação do regime de visitas ou na determinação de visitas assistidas por equipe multiprofissional, dentre outras medidas cabíveis elencadas no art. 6º da Lei 12.318/10. Destarte, dever-se-á sempre ter o devido cuidado ao colher-se o depoimento infanto-juvenil de modo a não dar efeitos jurídicos à falsas memórias que podem ter sido lhe incutidas.
Sobre famílias substitutas o Egrégio STJ assim já julgou:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER.
MENOR. FAMÍLIA SUBSTITUTA. CASO PECULIAR. MIGRAÇÃO DA MÃE PARA O SUL DO BRASIL EM BUSCA DE MELHORES CONDIÇÕES. MAUS-TRATOS E SITUAÇÃO DE RISCO. CONFIRMAÇÃO. PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DA GUARDA À AVÓ MATERNA.
 INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO COM A FAMÍLIA ESTENDIDA (AVÓS, TIOS E PRIMOS). ADOÇÃO CONCLUÍDA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR.
ESTABILIDADE NA CRIAÇÃO E FORMAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
 Na hipótese em que a genitora deixa a casa dos pais e migra para o sul do país em busca de melhores condições, optando por levar consigo filha menor, cumpre-lhe proteger a criança e dela cuidar, garantindo-lhe sustento, guarda, companhia e educação em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (Constituição Federal e Estatuto da Criança e Adolescente).
 Se não há controvérsia sobre o fato de a menor ter sido vítima de negligência e de maus-tratos e encontrar-se em situação de risco, destitui-se o pátrio poder.
 Estando a criança em situação de risco e não subsistindo nenhum vínculo afetivo entre ela e a família de origem, prevalece o interesse da menor, que deve ser inserida em família substituta, sobretudo quando há notícia de que o processo de adoção já foi concluído.
 Recurso especial desprovido.
(REsp 1422929/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 12/08/2014)
DIREITO CIVIL. ADOÇÃO. 1. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. VIOLAÇÃO DO ART.
45 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÃO OCORRÊNCIA.
AQUIESCÊNCIA DEMONSTRADA POR TERMO ASSINADO PELA MÃE BIOLÓGICA CORROBORADO PELAS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. 2. LONGO CONVÍVIO DA ADOTANDA COM A FAMÍLIA SUBSTITUTA. MELHOR INTERESSE DA MENOR. 3.
RECURSO IMPROVIDO.
1. São nobres os propósitos do art. 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente diante dos noticiados casos de venda e tráfico de crianças. De fato, o consentimento dos pais biológicos do adotando encerra segurança jurídica ao procedimento legal de adoção.
Sucede, entretanto, que o desate de controvérsias como a presente reclama a definição, diante do quadro fático apresentado, de qual solução atenderá o melhor interesse da criança, real destinatária das leis e da atuação do Poder Judiciário.
2. Na espécie, o conteúdo da declaração prestada pela mãe biológica da adotanda, apesar de não autenticada ou ratificada em audiência, elucida o consentimento e a intenção de entregar a infante aos cuidados dos recorridos. Os depoimentos das testemunhas, igualmente, esclarecem que a genitora da menor não possuía condições para criá-la. O relatório social atesta a regularidade da situação de fato, bem como o carinho e amor dispensados pelos adotantes à criança. Além disso, a mãe biológica da infante foi pessoalmente citada e deixou de comparecer em juízo ou de questionar o termo de anuência por ela assinado. Assim, sobejamente demonstrado o vínculo afetivo criado entre a criança e os recorridos, sendo todas as circunstâncias favoráveis à manutenção da menor na companhia da família que a acolheu, a interpretação literal da norma violaria, acima de tudo, a doutrina da proteção integral e, como tal, encontrar-se-ia na contramão da melhor dogmática processual.
Precedentes.
3. Com efeito, no confronto das formalidades legais com os vínculos de afeto criados entre os adotantes e a infante, os últimos devem sempre prevalecer. Diante dessas considerações, declarar a nulidade do processo de adoção, notadamente diante dos elementos de prova coletados durante a instrução do feito - termo de anuência apresentado pela mãe biológica, depoimentos das testemunhas, relatório social e situação de fato estabelecida há aproximadamente 13 (treze) anos -, postergando sem justificativa a regularização da situação da infante, não condiz com os objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1423640/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 13/11/2014)
Já se tratando da outra temática deste tópico, o direito de guarda e visita aos avós, faz-se mister referir-se o artigo 1.589, parágrafo único do Código Civil de 2002, pois trata da possibilidade de visitação avoenga, em favor do melhor interesse do infante.
De outra margem, a jurisprudência superior vem admitindo a possibilidade excepcional de reconhecer-se a guarda do menor aos avós, mesmo que consensualmente. O STJ entende que conceder a guarda do neto para o avô quando não se tratar, apenas, de conferir ao menor melhores condições econômicas, mas sim, referir à regularização de um robusto laço afetivo e carinho recíproco entre avô e neto, precipuamente com a anuência dos pais.
Reverbera neste mesmo sentido os seguintes julgamentos do Egrégio STJ:
RECURSO ESPECIAL - DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - PEDIDO DE GUARDA FORMULADO POR AVÔ - CONSENTIMENTO MATERNO - PAI FALECIDO - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADO O MAIOR INTERESSE DO MENOR - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. In casu, deve-se considerar que não se está diante daquilo que se convencionou chamar de "guarda previdenciária", é dizer, daquela que tem como finalidade tão-somente angariar efeitos previdenciários.
2. A finalidade meramente "previdenciária" não pode ser o objetivo da pretendida modificação de guarda. Ao revés, a outorga de direitos previdenciários em razão da colocação do petiz sob a guarda de outrem é apenas uma de suas implicações.
3. Como sói acontecer em processos desta natureza, vale dizer, onde se controvertem direitos da criança e do adolescente, o princípio do maior interesse é, de fato, o vetor interpretativo a orientar a decisão do magistrado.
4. Para fins de fixação de tese jurídica, deve-se admitir, de forma excepcional (artigo 31, § 1º, primeira parte c/c § 2º, do ECA) o deferimento da guarda de menor aos seus avós que o mantêm e, nesta medida, desfrutam de melhores condições de promover-lhe a necessária assistência material e efetiva, mormente quando comprovado forte laço de carinho, como ocorreu na espécie.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1186086/RO, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 14/02/2011)
Direito da criança e do adolescente. Pedido de guarda formulado pela avó. Consentimento dos pais. Melhor interesse da criança.
- Sob a tônica da prevalência dos interesses da pessoa em condição peculiar de desenvolvimento deve-se observar a existência da excepcionalidade a autorizar o deferimento da guarda para atender situação peculiar, fora dos casos de tutela e adoção, na previsão do art. 33, § 2º, do ECA.
- A avó busca resguardar situação fática já existente, por exercer a posse de fato da criança desde o nascimento, com o consentimento dos próprios pais, no intuito de preservar o bem estar da criança, o que se coaduna com o disposto no art. 33, § 1º, do ECA.
- Dar-se preferência a alguém pertencente ao grupo familiar – na hipótese a avó – para que seja preservada a identidade da criança bem como seu vínculo com os pais biológicos, significa resguardar ainda mais o interesse do menor, que poderá ser acompanhado de perto pelos genitores e ter a continuidade do afeto e a proximidade da avó materna, sua guardiã desde tenra idade, que sempre lhe destinou todos os cuidados, atenção, carinhos e provê sua assistência moral, educacional e material.
- O deferimento da guarda não é definitivo, tampouco faz cessar o poder familiar, o que permite aos pais, futuramente, quando alcançarem estabilidade financeira, reverter a situação se assim entenderem, na conformidade do art. 35 do ECA.
- Se as partes concordam com a procedência do pedido de guarda, não será o Poder Judiciário que deixará a marca da beligerância nessa relação pacífica, quando deve apenas assegurar que o melhor interesse da criança seja o resultado da prestação jurisdicional.
- Se restou amplamente demonstrado que os interesses da criança estarão melhor preservados com o exercício da guarda pela avó, a procedência do pedido de guarda é medida que se impõe.
Recurso especial provido.
(REsp 993.458/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 23/10/2008)
Destarte, para que se possa conceder a guarda de um menor para os avós, impõe-se que não haja um objetivo de benefício patrimonial, econômico tão somente, como a intenção de garantir-lhe determinado benefício previdenciário, o que seria ilegal e lesivo a coletividade. Todavia, exige-se para a concessão de tal status jurídico que haja um enlace afetivo importante entre avós e neto preexistente e que haja faticamente benefícios de ordem patrimonial e pessoal para o menor.

–FAMÍLIAS PARALELAS OU SIMULTÂNEAS

A preclara doutrinadora Maria Berenice Dias conceitua as famílias paralelas ou simultâneas no seguinte trecho:
A determinação legal que impõe o dever de fidelidade no casamento, e o dever de lealdade na união estável, não consegue sobrepor-se a uma realidade histórica, fruto de uma sociedade patriarcal e muito machista. Mesmo sendo casados ou tendo uma companheira, homens partem em busca de novas emoções sem abrir mão dos vínculos familiares que já possuem. Dispõem de habilidade para se desdobrar em dois relacionamentos simultâneos: dividem-se entre duas casas, mantêm duas mulheres e têm filhos com ambas. É o que se chama de famílias paralelas. Quer se trate de um casamento e uma união estável, quer duas ou até mais uniões estáveis.
Todos os vínculos atendem aos requisitos legais de ostensividade, publicidade e notoriedade. Inclusive, no mais das vezes, os filhos se conhecem e as mulheres sabem uma da existência da outra. No fim um arranjo que satisfaz a todos. A esposa tem um marido que ostenta socialmente. A companheira nada exige e se conforma em não compartilhar com o companheiro todos os momentos, mas o acolhe com afeto sempre que ele tem disponibilidade. (Dias, 2015, p. 137)
Então as famílias paralelas ou simultâneas, também historicamente alcunhadas por concubinárias eram relegadas a segunda categoria, como família espúria ou ilegítima, atirando o companheiro da segunda família à informalidade, não possuindo, até então direitos alimentares e de partilha ou sucessão, ficando relegado à própria sorte e sem direito de nutrir-se do patrimônio que contribuiu para a edificação com esforços comuns. E os filhos eram alçados a própria desventura, pois eram considerados ilegítimos, espúrios e até mesmo “bastardos”, classificação parental das mais desonrosas à época, completamente infamante. Então a missão dos Tribunais pátrios hodiernamente, inseridos na nova proposta das famílias plurais e eudemonista é fazer a inclusão destas conformações familiares marginalizadas e dar-lhes constitucionalidade, recepcionamento estatal e como consequência reconhecer-lhes eficácia jurídica. Retirando estes indivíduos do “limbo” das famílias “profanas” e de seres de “segunda categoria”.
Conforme este novo pensar julgou o Egrégio STJ:
Direito civil. Família. Paralelismo de uniões afetivas. Recurso especial. Ações de reconhecimento de uniões estáveis concomitantes.
Casamento válido dissolvido. Peculiaridades.
- Sob a tônica dos arts. 1.723 e 1.724 do CC/02, para a configuração da união estável como entidade familiar, devem estar presentes, na relação afetiva, os seguintes requisitos: (i) dualidade de sexos;
(ii) publicidade; (iii) continuidade; (iv) durabilidade; (v) objetivo de constituição de família; (vi) ausência de impedimentos para o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial; (vii) observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como de guarda, sustento e educação dos filhos.
- A análise dos requisitos ínsitos à união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatisfamiliar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre outros.
- A despeito do reconhecimento ? na dicção do acórdão recorrido ? da ?união estável? entre o falecido e sua ex-mulher, em concomitância com união estável preexistente, por ele mantida com a recorrente, certo é que já havia se operado ? entre os ex-cônjuges ? a dissolução do casamento válido pelo divórcio, nos termos do art.
1.571, § 1º, do CC/02, rompendo-se, em definitivo, os laços matrimoniais outrora existentes entre ambos. A continuidade da relação, sob a roupagem de união estável, não se enquadra nos moldes da norma civil vigente ? art. 1.724 do CC/02 ?, porquanto esse relacionamento encontra obstáculo intransponível no dever de lealdade a ser observado entre os companheiros.
- O dever de lealdade ?implica franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher, necessariamente monogâmica, constitutiva de família, além de um dever jurídico, a fidelidade é requisito natural? (Veloso, Zeno apud Ponzoni, Laura de Toledo. Famílias simultâneas: união estável e concubinato. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=461. Acesso em abril de 2010).
- Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade ? que integra o conceito de lealdade ? para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade.
- As uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses.
- Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.
- Emprestar aos novos arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável, implicaria julgar contra o que dispõe a lei; isso porque o art. 1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente.
Recurso especial provido.
(REsp 1157273/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 07/06/2010)
 Destarte, não se pode legitimar a irresponsabilidade do indivíduo que prática o concubinato não dando efeitos jurídicos e patrimoniais às suas relações simultâneas, seria um prêmio a ele. Nada obstante, deve-se sim, fazer a inclusão social das famílias simultâneas dando-lhes direitos e deveres patrimoniais recíprocos. E sempre preservando o Direito Fundamental à dignidade humana de seus membros.

–FAMÍLIA POLIAFETIVA

Uma das conformações familiares mais polêmicas hodiernamente e que mais causam acirradas discussões de cunho ético, filosófico, ideológico e religioso são as chamadas famílias poliafetivas, também chamadas de plúrimas ou poliamor. È pauta da hora, tema comezinho as rodas de debates em solo pátrio. Desperta o interesse de todas as partes.
O Estado brasileiro começou a reconhecer a legalidade destas uniões poliafetivas, faz-se mister ressaltar que sempre existiram de fato em solo pátrio, mas que nunca foram autorizadas ou regulamentadas pelo Estado, portando sendo até então, clandestinas e seus membros marginalizados.
Nada obstante, num marco histórico a partir do ano de 2012 alguns cartórios brasileiros começaram a registrar uniões poliafetivas. O que causou debates e manifestações acaloradas, tanto favoráveis quanto contra.
 Conforme noticiado pelo portal eletrônico Rota Jurídica em 19 de outubro de 2015:
Há pouco mais de uma semana, o Brasil registrou sua primeira união estável entre três mulheres. O local escolhido para a formalização foi o 15.º Ofício de Notas do Rio, localizado na Barra da Tijuca, zona oeste. De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), este é o segundo trio que declara oficialmente uma relação. O primeiro caso aconteceu em Tupã, no interior de São Paulo, em 2012. Na ocasião, um homem e duas mulheres procuraram um cartório para registrar a relação. As informações são do Estadão.
Com medo de serem hostilizadas, as três mulheres preferiram não dar entrevista. De acordo com a tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, que celebrou a união, o fundamento jurídico para a formalização desse tipo de união é o mesmo estabelecido na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, ao reconhecer legalmente os casais homossexuais.
“Não existe uma lei específica para esse trio, tampouco existe para o casal homoafetivo. Isso foi uma construção a partir da decisão do STF, que discriminou todo o fundamento e os princípios que reconheceram a união homoafetiva como digna de proteção jurídica. E qual foi essa base? O princípio da dignidade humana e de que o conceito de família é plural e aberto. Além disso, no civil, o que não está vedado, está permitido”, explicou a tabeliã.
Disponível em: ˂Http://www.rotajuridica.com.br/rio-de-janeiro-registra-primeira-uniao-estavel-realizada-entre-tres-mulheres/)                                       ˃  Acesso em: 02 ago. 2016.
Com vistas a dirimir a controvérsia inaugurada na sociedade devido aos conflitantes entendimentos acerca da legalidade ou não do reconhecimento das uniões poliafetivas. A corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, instaurou um Pedido de Providências, pedindo que se suspenda a lavratura de novos registros de uniões poliafetivas até que a corregedoria nacional de justiça regulamente a matéria. Para que não haja desentendimentos, é imperioso que se colacione aqui a notícia em referência publicada no portal eletrônico do CNJ na data de 04/05/2016 às 10h12:
As escrituras públicas de relacionamentos entre mais de duas pessoas, as chamadas uniões poliafetivas, estão sendo estudadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, que recebeu representação da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Liminarmente, a entidade pediu a proibição de lavraturas de escrituras públicas de reconhecimento de uniões poliafetivas pelos cartórios de todo o país. No mérito, pede a regulamentação da matéria.
Para analisar o caso, a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, instaurou um Pedido de Providências. Ela negou a liminar, mas sugeriu aos cartórios que aguardem a conclusão deste estudo para lavrar novas escrituras declaratórias de uniões poliafetivas.
“Essa é apenas uma sugestão aos tabelionatos, como medida de prudência, até que se discuta com profundidade esse tema tão complexo que extrapola os interesses das pessoas envolvidas na relação afetiva”, ponderou a ministra Nancy Andrighi. Ela esclareceu que não é uma proibição.
A representação foi feita à Corregedoria com base em notícias divulgadas na imprensa sobre a lavratura de escrituras públicas de uniões entre um homem e duas mulheres em um caso, e entre três homens e duas mulheres em outro. Para a ADFAS, essas uniões são inconstitucionais.
A corregedora explicou que as uniões poliafetivas adentram em áreas do Direito, inclusive de terceiros, que precisam ser profundamente debatidas, como repercussão no Direito Sucessório, Previdenciário e de Família – em especial na questão do pátrio poder, entre outros.
A intenção da corregedora é promover audiências públicas no Conselho Nacional de Justiça para ouvir a sociedade e entidades ligadas ao tema. As discussões vão possibilitar o estudo aprofundado da questão para que a Corregedoria analise a possibilidade de regulamentar o registro civil das uniões poliafetivas.
Nancy Andrighi já solicitou a manifestação das Corregedorias Gerais dos tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo sobre os fatos apontados na representação. Também foi solicitado às Corregedorias de todos os tribunais estaduais do país que informem suas serventias sobre a existência do presente processo e a sugestão da Corregedoria Nacional.
Disponível em: ˂http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82221-corregedoria-analisa-regulamentacao-do-registro-de-unioes-poliafetivas˃  Acesso em: 02 ago. 2016.
Destarte, incontroversamente o entendimento a que se perfilha esta pesquisa, desembocando todo o pensamento jus filosófico aqui esposado, é de que o art. 226 da Carta Magna, refere-se expressamente apenas sobre as famílias casamentarias, as oriundas de união estável e monoparental, nada obstante deve-se interpretá-lo como cláusula geral de inclusão, pois doutra forma estar-se-ia a excluir todas as outras conformações familiares existentes de fato e direito, assim reconhecendo-se todas as conformações familiares que possuem como liame o afeto e a comunhão de vidas e propósitos. Até porque se assim não fosse existir-se-ia apenas três conformações familiares, as três retro citadas e todas as outras estariam relegadas à clandestinidade e marginalização. Deve-se ter sempre em mente que os princípios constitucionais fundamentais são basilares ao indivíduo e ao sistema e devem ser aplicados horizontalmente às relações privadas usando-se sempre a técnica de ponderação de valores quando dois deles estiverem em conflito. Portanto, os princípios fundamentais da dignidade humana e da autonomia privada que mais são aplicáveis ao caso em tela devem se sobrepujar ao famigerado princípio da monogamia invocado pelos opositores da família eudemonista que não é princípio fundamental, portanto não é absoluto e quiçá ainda seja princípio, há sérias dúvidas doutrinárias sobre isto e tão logo não possui prevalência aos princípios da dignidade humana e autonomia privada. Destarte, a família poliafetiva deve ser reconhecida pelo Estado pátrio como medida de inclusão social.
A título ilustrativo colaciona-se o seguinte excerto a cerca deste tema lavrado com maestria pela eminente doutrinadora Maria Berenice Dias, que muito bem arremata:
Eventual rejeição de ordem moral ou religiosa à dupla conjugalidade não pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificável de um ou de mais de um frente aos outros partícipes da união. Negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório. Pelo jeito, nenhum de seus integrantes poderia receber alimentos, herdar, ter participação sobre os bens adquiridos em comum. Nem seria sequer possível invocar o direito societário com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante a prova da participação efetiva na constituição do acervo patrimonial.
Claro que justificativas não faltam a quem quer negar efeitos jurídicos à escritura levada a efeito. A alegação primeira é afronta ao princípio da monogamia, desrespeito ao dever de fidelidade -com certeza, rejeição que decorre muito mais do medo das próprias fantasias. O fato é que descabe realizar um juízo prévio e geral de reprovabilidade frente a formações conjugais plurais e muito menos subtrair qualquer sequela à manifestação de vontade firmada livremente pelos seus integrantes.
Há que se reconhecer como transparente e honesta a instrumentalização levada a efeito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três. Lealdade não lhes faltou ao formalizarem o desejo de ver partilhado, de forma igualitária, direitos e deveres mútuos, aos moldes da união estável, a evidenciar a postura ética dos firmatários. Nada afeta a validade da escritura. Tivessem eles firmado dois ou três instrumentos declaratórios de uniões dúplices, a justiça não poderia eleger um dos relacionamentos como válido e negar a existência das demais manifestações. Não se poderia falar em adultério para reconhecer, por exemplo, a anulabilidade das doações promovidas pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice ( CC 550) ou a revogabilidade das transferências de bens feitas ao concubino (CC 1.642 V).
Não havendo prejuízo a ninguém, de todo descabido negar o direito de as pessoas viverem com quem desejarem. (Dias, 2015, p. 139)

CONCLUSÃO

Concluindo-se que por tudo que fora exposto, merece guarida e proteção do Estado às famílias plurais como um todo. Em especial as seguintes conformações familiares: as famílias homoafetivas, que são as famílias constituídas por dois homens ou duas mulheres e seus descendentes, filhos naturais de um deles ou adotivos de ambos; as famílias monoparentais, que é a constituída por um dos pais e seus descendentes; as famílias reconstituídas ou recompostas (famílias ensambladas) são entidades familiares advindas de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos conviventes traz filhos ou mesmo situações jurídicas oriundas de um relacionamento familiar antecedente; a família natural, que é a constituída pelo pai e mãe e sua prole; a família extensa ou ampliada, que é aquela que, além da comunidade de pais e filhos ou unidade do casal, é formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e apresenta vínculo de afinidade ou afetividade; por último a família substituta, é aquela formada, especificamente, por meio da guarda, da tutela ou adoção. A família substituta exerce a notória tarefa de suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram amparo dos pais biológicos.
Todavia, sem olvidar-se, da necessidade premente de estudo e elucubração quanto às conformações familiares ainda mais polemicas e que ainda não possuem aceitação tranquila nos Tribunais pátrios: as famílias paralelas ou simultâneas e as famílias poliafetivas. Nada obstante, esta pesquisa entendeu que por aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada e pela finalidade do Estado de se atingir as famílias democráticas, plurais e eudemonistas, ambas as conformações familiares devem sim, serem recepcionadas e formalizadas pelo Estado pátrio.
Em suma, a principal tarefa do Direito de Família contemporâneo é legalizar, consagrar e dar eficácia jurídica a todas as conformações familiares que se constituam precipuamente pelo afeto, que as legitimam e lhes dão o condão de unidade familiar. E estas famílias devem sempre ter como princípio teleológico a garantia da felicidade e da dignidade humana das pessoas que a compõe. Encerrando desta forma o caráter de família eudemonista que deve caracterizar as famílias plurais hodiernas.

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