Por Kennia Velazquez*
24 DE NOVEMBRO DE 2016
Oficialmente inserido na justiça brasileira desde março de 2015, o termo feminicídio não é uma novidade na América Latina. Os altos índices de violência letal contra mulher e transexuais na região são ponto comum entre vários países, como Argentina, México, Guatemala, Peru, Brasil e outros. Casos de mortes que chocaram, comoveram e alcançaram o debate público fizeram com que, ainda na década de 90, o termo passasse a ser usado para se referir a crimes que traziam claros componentes de gênero. A dimensão política ao homicídio de mulheres, dada pelo termo específico, era urgente. Diferenciar mortes genéricas daquelas que acontecem apenas porque a vítima é mulher se tornou uma das bandeiras feministas e de organismos internacionais que defendem a formulação de políticas públicas para o enfrentamento das violações, como a ONU mulheres. Cobrar dos Estados respostas, políticas públicas e formas de prevenir a violência também passou a ser uma prática. “Quando uma mulher morre por ser mulher, toda a justiça falhou, e o Estado também”, afirmou a juíza e integrante da Coordenadoria de Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, Teresa Cristina Rodrigues, durante evento do Dossiê do Feminicídio, promovido pelo Instituto Patrícia Galvão, em novembro.
Não por acaso, as condenações de Estado por crimes violentos contra a mulheres passaram a ser uma prática da Corte Interamericana, como pode ser visto na linha do tempo abaixo. A própria Lei Maria da Penha, no Brasil, foi criada após a repercussão internacional que o caso de violência contra Maria da Penha Maia Fernandes ganhou com a condenação do Estado brasileiro pela Corte. O “Caso Algodonero”, que pode ser mais explorado na continuação deste texto, foi o primeiro reconhecido pela Corte como feminicídio.
Caso Algodonero: emblemático para o feminicídio
O desaparecimento e o assassinato de três jovens, em 2001, em Ciudad Juárez, México, levaram a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a proferir uma sentença que criou precedentes para os direitos da mulher e a forma de defendê-los na América Latina. O chamado “Caso Algodonero”, que começou quando familiares de Laura Ramos, 17 anos, Claudia Gonzalez, 20 anos e Esmeralda Herrera, 15 anos, denunciaram o desaparecimento das jovens entre setembro e outubro de 2001, resultou na primeira condenação de um Estado pelo crime de feminicídio.
Em 6 de novembro de 2001, os corpos de três mulheres foram encontrados em um campo de algodão e, posteriormente, foram identificados como sendo as jovens desaparecidas. Um dia depois, no mesmo lugar, foram encontrados corpos de mais cinco mulheres. As evidências mostraram que elas foram vítimas de abuso sexual, com extrema crueldade. Segundo informações divulgadas após perícia, os assassinatos haviam ocorrido há no mínimo oito dias e no máximo duas semanas. As autoridades anunciaram em 9 de novembro as identidades dos corpos sem nenhuma técnica que pudesse ser tida como confiável. O caso seguiu assim até 2006, quando as mães das vítimas, ainda insistindo em chamar a atenção para as graves irregularidades no processo de identificação dos corpos, exigiram que a Equipe Argentina de Antropologia Forense realizasse a perícia de forma apropriada.
Em 16 de novembro de 2009, a CIDH determinou que o Estado mexicano havia cometido diversas violações, segundo a “Convenção de Belém do Pará”, pois a polícia havia subestimado os desaparecimentos. A sentença da Corte foi que as autoridades mexicanas deram respostas ineficientes aos desaparecimentos e foram indiferentes às investigações dos crimes. Na sentença foram também observados os altos índices de impunidade de assassinatos de mulheres que tinham marcas de violência sexual, assim como a falta de dados convincentes, pois não raramente havia contradições entre dados apresentados pelo próprio Estado mexicano em casos de homicídios de mulheres.
Com a decisão da Corte, ficou comprovado, apesar das negativas das autoridades mexicanas, de que aqueles haviam sido crimes contra as mulheres, e o Estado foi condenado por não garantir a prevenção, a investigação e a punição da violência contra as mulheres. A Corte também avaliou que os direitos violados no “Caso Algodonero” foram o direito à vida, à integridade e à liberdade pessoal relacionada à obrigação do Estado de respeitar e garantir o mesmo.
Kennia Velazquez é jornalista mexicana e colaborou com esta edição dentro do programa de fellowship da Gênero e Número em parceria com Chicas Poderosas e Agência Pública
Colaborou: Gia Castello
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