Ativistas discutem a adoção de estratégias de resistência frente às políticas machistas e antipopulares que ganham novo impulso nos cenários nacional e internacional
por Maurício Thuswohl, para a RBA publicado 26/01/2017
SUL 21
Um encontro de mulheres do Brasil e da América Latina para discutir o contexto da luta por direitos e traçar estratégias para a agenda do movimento de mulheres
Rio de Janeiro – A importância da adoção de estratégias de resistência por parte das diversas vertentes do movimento feminista frente às políticas machistas e antipopulares que ganham novo impulso nos cenários nacional e internacional foi o mote hoje (25) do primeiro dia de discussões do seminário Diálogos Mulheres em Movimento – Direitos e Novos Rumos, que prossegue até sexta-feira (27) no Rio de Janeiro. O evento, organizado pelo Fundo Elas em parceria com a ONU Mulheres, a Open Society Foundations e o British Council, reúne cerca de 150 ativistas do Brasil e de outros países da América Latina. Estão presentes entidades representativas de movimentos de mulheres negras, jovens, estudantes, lideranças comunitárias, trabalhadoras domésticas e LGBT, além de jornalistas, blogueiras e outras ativistas.
O evento não é aberto ao público, que poderá acompanhar ao vivo neste link.
Ainda sob o impacto das recentes marchas e outras mobilizações feministas contra os retrocessos aos direitos das mulheres impostos pelos governos de Michel Temer no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos, o encontro apontou também para a necessidade de uma participação decisiva das mulheres na greve geral proposta para 8 de março. Na agenda de lutas feminista, além da defesa da democracia e do combate ao desmonte das políticas sociais pelo atual governo brasileiro, estão temas sempre atuais como violência contra a mulher, homofobia, racismo e a necessidade de adoção de políticas públicas específicas.
O primeiro dia de diálogos contou com a presença de ativistas que ganharam notoriedade no movimento de mulheres graças à internet. Conhecida após a recente viralização do vídeo com sua emocionante fala contra a reforma do ensino médio, realizada na Assembleia Legislativa do Paraná frente a deputados atônitos, a estudante secundarista paranaense Ana Júlia Ribeiro, de 16 anos, relembrou o episódio. “Foi o momento mais difícil de enfrentamento ao machismo institucionalizado. Lá, eu tive que enfrentar muitos dos estereótipos que carrego comigo. Era uma menina fraca, que chorava, completamente nervosa. Os deputados quiseram cortar minha fala porque não acreditaram que estavam ouvindo daquela menina verdades, como o fato de o Estado ter sim sua parcela de culpa na morte de adolescentes”, disse.
Ativista forjada nas recentes ocupações de escolas no Paraná, Ana Júlia comentou a experiência e relatou que sofreu repreensão de professores quando se declarou feminista. “Nas escolas há uma desvalorização do feminismo, nas escolas está presente o machismo. Existem as piadinhas, as meninas são avaliadas pelo corpo. As ocupações vão contra esse conservadorismo. Foi nelas onde eu mais aprendi em termos de resistência. Nós mulheres estudantes não aceitamos o retrocesso pelo qual o Brasil está passando.”
Outra ativista que ganhou fama recente no movimento de mulheres é a professora e rapper santista Preta Rara, que em julho de 2016 criou na internet a página Eu, Empregada Doméstica, na qual relatava algumas histórias vividas até 2009, tempo em que ainda trabalhava na profissão. Em pouco tempo, sua iniciativa virou uma central de relatos, muitos deles revoltantes, enviados por trabalhadoras domésticas de todo o Brasil. “Recebo relatos atuais sobre assédios, agressões muito fortes. Estou levantando o tapete da família tradicional brasileira e mostrando a sujeira”, afirmou.
Preta Rara contou que sua avó e sua mãe foram trabalhadoras domésticas, e afirmou que “serviço doméstico não pode ser hereditário para as mulheres pretas”. Ela também cobrou solidariedade das demais vertentes do movimento de mulheres. “Quando veio a PEC das domésticas, companheiras da luta feminista se incomodaram porque suas empregadas iriam sair mais cedo. Cadê a solidariedade? As mulheres pretas estão chegando agora no rolê. Está na hora de as mulheres brancas ficarem de boa e deixarem a gente falar sobre nós. Estamos protagonizando a nossa história, as nossas dores. A senzala moderna é o quartinho de empregada”, disse.
Resistência
Representante da Marcha das Mulheres Negras, Regina Adami afirmou que o movimento tornou o setor uma força política. “Não temos mais pessoas intermediando as relações de negociação. As mulheres negras estão trazendo suas organizações nacionais como grandes negociadoras. Nosso trunfo foi voltar a fazer a grande política da formiguinha.”
Como desdobramento da marcha, houve uma reunião em dezembro com a presença de representantes de 22 estados. O encontro criou o Comitê Nacional de Mulheres Negras, sob o mote “Seguimos em Marcha Contra o Racismo”, e também serviu para um balanço do movimento: “Fizemos um levantamento deste ano, depois de toda a tragédia a que o Brasil foi submetido, com golpe e usurpação do poder”, disse Regina. Ela ressaltou que em todos os estados as mulheres negras estão organizadas. “Buscamos ver o que nos unifica enquanto mulheres negras e como continuaremos em luta neste momento bastante grave da conjuntura política. Por isso estamos compondo este comitê. Todas as políticas que estão postas afetam diretamente as mulheres negras, sobretudo o desmonte da proteção social. Tudo o que atingirá aos homens negros acabará atingindo às mulheres negras de uma forma muito perversa”, acrescentou.
Betânia Ávila, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), afirmou que a resistência se evidencia nos momentos de ação e confronto, mas se sustenta no dia a dia da organização política. “O fortalecimento da organização coletiva das mulheres é fundamental. Não existe somente um movimento feminista, existem vários movimentos feministas. Nosso movimento tem que estar enraizado nos bairros, nas áreas mais remotas, no campo, na floresta. Tem que ser plural, ele só se fortalece na pluralidade. Temos desigualdades de raça, de classe e sexualidade. Além disso, é preciso ter uma perspectiva materialista de nosso feminismo, conhecer as condições de exploração a que somos submetidas”, disse, ressaltando que o Brasil vive uma “democracia frágil e tem uma representatividade popular manipulada pelo poder econômico.”
Representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman deu as boas vindas às ativistas e falou sobre a importância de um encontro como este ser realizado no país. “No Brasil, vimos nos últimos anos a resistência dos movimentos de mulheres em defesa dos seus corpos e dos seus direitos, contra diversas formas de violência, contra o racismo, em defesa dos territórios indígenas, pelos direitos no campo e na floresta, pela educação púbica e sem discriminações de gênero, raça ou etnia. Com ousadia e pluralidade, as mulheres estão redefinindo as forças políticas progressistas e emancipatórias”, disse.
RBA
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