A síndrome da exaustão ou do esgotamento profissional já atinge 30% dos brasileiros
26/01/2017 / POR CAROL CASTRO, EDIÇÃO DE GIULIANA DE TOLEDO
Gabriela* se levantou, com muito esforço, e preparou um café da manhã dos campeões: suco misturado com vodca. Nem ela acreditou na cena, mas foi a única saída que encontrou para encarar o peso de mais um dia inteiro no escritório.
A assistente de marketing promocional não suportava a rotina profissional havia meses. Trabalhava 14 horas, das 8h às 22h, e eventualmente passava sábados e domingos em eventos promovidos pela empresa. Acordava trabalho, respirava trabalho e dormia trabalho.
Aos 33 anos, tinha crises de labirintite e não passava um dia sem cair no choro. Quando terminou de tomar o suco batizado com álcool, enviou uma mensagem para seu psiquiatra. Foi a gota d’água: “Gabriela, você precisa parar agora. Venha para o consultório que vou prescrever uma licença de um mês. Chega”, respondeu o médico.
Em outro canto do país, no começo de 2015, Helloá Regina ouviu o despertador e se preparou para começar mais um dia de trabalho. Juntou todas as forças para levantar da cama, mas não conseguiu. O corpo não respondia.
Aprovada em um concurso da prefeitura de uma capital, a jovem de 23 anos passava nove horas diárias trabalhando. Em seguida, emendava outro turno na faculdade para concluir o curso de Administração Pública. Mas nem lá parava de pensar nos abacaxis que precisava descascar no trabalho: nos prazos a serem cumpridos, nas constantes ameaças de ser exonerada, na culpa por não dar conta dos pepinos.
Sentia dor de cabeça, perdia o sono, mal conseguia assistir às aulas. Até que o corpo tomou por ela a decisão: era hora de se afastar do trabalho.
Helloá e Gabriela sucumbiram ao cansaço e à pressão do ambiente de trabalho. Viraram parte das estatísticas: 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout (ou síndrome do esgotamento profissional), segundo estimativa da International Stress Management Association (Isma).
A proporção é semelhante à do Reino Unido, onde um a cada três habitantes (mais de 20 milhões de pessoas) enfrenta o problema. Mesmo na Alemanha, conhecida por ter carga horária reduzida entre os países desenvolvidos, 2,7 milhões de pessoas — 8% da força de trabalho — apresentam sinais de burnout.
É um problema mundial, que, segundo especialistas, aumenta a cada ano e causa danos à saúde e à economia. No Brasil, a falta de produtividade causada pela exaustão gera prejuízo de 3,5% do nosso PIB (Produto Interno Bruto), conforme cálculos feitos pela Isma em 2010.
Esses milhões de pessoas não conseguem relaxar. Não há feriado ou férias que consigam repor todas as energias sugadas pelo expediente.
“É o nível mais devastador do estresse, é uma exaustão que não passa nunca, e a pessoa não consegue se adaptar a uma situação nova”, explica a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma no Brasil. “Não é um cansaço comum. É uma doença mesmo, como um fogo descontrolado”, completa ela.
Imagine seu pior dia no trabalho: às 19h seu chefe exigiu um relatório extenso e complexo para a manhã do dia seguinte. Com o tempo apertado, o trabalho não saiu tão bom assim. E ele, claro, não gostou do resultado. Você está cansado e sente que seu empenho não valeu a pena. Bate aquela insegurança e você se pergunta quanto tempo levará até que o RH o chame para conversar sobre a sua demissão.
Seu corpo entra em alerta, um estágio inicial e natural de estresse — aquela reação biológica que prepara o organismo para correr ou lutar. A maioria das pessoas supera a crítica, sai para reclamar com os amigos e esquece o dia ruim. Ou parte em busca de outro emprego. Mas nem todo mundo consegue agir assim.
“Pessoas que estão de saco cheio do trabalho ficam loucas pelo fim do expediente. Aí saem com os amigos, vão ao cinema. Mas alguns, por mais que odeiem o trabalho, não conseguem se desligar dele, só pensam nisso. Chegam em casa mortos e não fazem mais nada”, explica o psiquiatra Emmanuel Kanter.
É como se, para essas pessoas, todos os dias, inclusive os fins de semana, fossem repletos de medo e de uma sensação de incompetência e impotência. O corpo nunca desliga o sinal de alerta. E, uma hora ou outra, mostra os sinais de exaustão, que, se agravados, podem ser até fatais.
*O nome foi trocado para não identificar a entrevistada
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