Catarina Ribeiro, psicóloga do Instituto de Medicina Legal diz que a comunicação entre o processo-crime e o processo de promoção e protecção da criança nem sempre acontece, mesmo quando está em causa um crime de abuso sexual intrafamiliar.
ANA CRISTINA PEREIRA 23 de Janeiro de 2017
Há comunicação entre quem tem o processo-crime e quem tem o processo de promoção e protecção das crianças?
Há maior abertura, mas é insuficiente. As pessoas estão muito centradas no que é a sua tarefa. Não pegam no telefone, não se servem do email para trocar informações. Há uma rigidez de pensamento e uma perpetuação de práticas.
E por isso há pais suspeitos de abuso sexual postos em prisão domiciliária com criança em casa?
Sim. E casos em que se retira um irmão e não outro. Isto é demolidor. A criança vai, separa-se da mãe, separa-se dos irmãos …Não quero passar a ideia de que estou a ter um olhar sobranceiro. Quero dizer que a presunção de inocência cruza-se com a necessidade de protecção da criança e isto às vezes é dramático. O ideal é encontrar uma solução em que as crianças ficam o mais protegidas possível e que as rupturas não são em dominó.
O que justifica a falta de comunicação?
Há um grupo de magistrados que entende que é só falta de proactividade dos profissionais. Houve um magistrado que me disse que as pessoas pensam que o que não está escrito na lei é proibido. Como não está escrito na lei que é suposto telefonar a quem tem o outro processo, não telefonam.
Qual é o caminho?
Há um trabalho de auto consciencialização a fazer. Há um magistrado que diz: “Eu não posso pensar no que é melhor para a criança, tenho de pensar no que é melhor para o processo.” Eu percebo, mas posso argumentar: não será possível conciliar melhor os interesses do processo-crime com os interesses da criança?
Que pensam os magistrados das denúncias de abuso sexual que acontecem num contexto de conflituoso processo de regulação de responsabilidades parentais?
Não me parece que haja um fenómeno de generalização. O que os magistrados reportam é que ficam mais alerta. A perícia é importante para aferir a consistência do testemunho da criança face a tantas versões contraditórias. Como são processos intrafamiliares, há aqui várias coisas a ter em conta – a influência, a manipulação por parte dos progenitores, a dinâmicas de sugestionabilidade, as alianças, etc.
Como encarar o silêncio no progenitor não abusador?
Há um conjunto de situações, que não são em número pequeno, em que o abusador é pai da criança e /ou o companheiro da mãe e a mãe posiciona-se de forma pouco protectora da criança, ou não acreditando ou procurando esconder. E isto provoca na criança a negação secundária. A criança diz algum dia a alguém o que está a conhecer e nega quando percebe que isso tem consequências complicadas. Normalmente esta negação acontece quando o processo é aberto. É importante o magistrado ter consciência de que isto é uma dinâmica psicológica, não é uma invenção.
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