Antropóloga da USP mostra como as mulheres constroem sua identidade através destas expressões culturais
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Funk e hip hop ainda são expressões culturais predominantemente masculinas. Contudo, é visível uma presença maior de artistas mulheres na cena musical nos últimos anos. Uma pesquisa do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP estudou como jovens artistas constroem suas identidades e lidam com questões como sexualidade e erotismo dentro dos movimentos.
A antropóloga Izabela Nalio Ramos conduziu seu mestrado entre 2012 e 2015 com entrevistas e frequentando shows, reuniões e demais atividades dos coletivos Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop e Liga do Funk, que desenvolviam ações educativas no centro de São Paulo.
A autora começou a pensar os dois movimentos a partir de suas semelhanças e diferenças: ambos são reconhecidos como de periferia, feitos por e para jovens da periferia. A politização do hip hop é mais próxima de uma linguagem de esquerda, de contestação, com uma forte presença do movimento negro.
Já o funk tem uma característica de blasfemar, contrariar, com humor e brincadeiras. “Não conseguimos distinguir se o funk é feminista ou machista, por exemplo. É uma linguagem mais cifrada. Temos dificuldade de aceitar que pode ser as duas coisas ao mesmo tempo”, explica a pesquisadora.
No caso das mulheres, o erotismo, a sexualidade, o corpo são questões importantes. Para Izabela, existe um fetiche sobre o corpo da mulher negra. “No hip hop havia resistência das meninas em falar sobre erotismo e sexualidade tanto nas conversas quanto nas músicas e obras que produziam”, explica.
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A pesquisadora conta que, durante muito tempo, grande parte das músicas exaltava a inteligência ou “consciência” das mulheres, de modo a marcar uma contraposição à ideia de exaltação do corpo. “Muitas meninas falavam que precisavam se vestir de ‘mano’ para serem aceitas naquele contexto, com roupa larga, boné e sem parecer uma mulher no palco. Não era uma coisa de ‘eu sou mulher e sou superfeminina mesmo’, era o contrário”, conta.
Já as mulheres do funk falam muito sobre o corpo, erotismo, relações afetivas, ostentação. Há uma estética que valoriza mulheres com muitas curvas, com roupas justas, curtas. “O corpo da mulher negra é hipersexualizado na sociedade como um todo. Muitas militantes negras falam sobre como ela é vista como aquela com quem não se casa ou não se sai de mãos dadas na rua, aquela com quem se transa escondido”, analisa. Para Izabela, quando elas próprias falam sobre erotismo e sexo, elas tomam para si essa discussão de uma forma que pode ser empoderadora.
Transformações
O movimento feminista viveu um boom nos últimos anos, e tanto funkeiras quanto as artistas do hip hop tiveram um contato crescente com o tema ao longo do período estudado. Izabela observou, por exemplo, uma diminuição na resistência das meninas do hip hop em falar da própria sexualidade. “Elas passaram a considerar posturas do tipo se eu quiser, eu rebolo sim”, explica.
Com as funkeiras, o caminho foi inverso: elas tiveram contato com as feministas negras dos coletivos, participando como produtoras na Liga do Funk e em outras atividades. “É como se elas tivessem partido de pontos diferentes e durante esse tempo foram se aproximando, apesar de ainda pautarem a questão da mulher negra de formas diferentes”, explica a pesquisadora.
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O preconceito é musical?
Izabela acredita que seu trabalho contribui para aproximar ciência e o universo funk e hip hop. Ela considera principalmente o funk uma expressão cultural estereotipada como alienada, sexualizada e criminalizada. “As pessoas não se aproximam para ver que há múltiplas características, que é muito ambíguo. Ouvimos muita gente falando mal mesmo antes de conhecer.”
Ela lembra que no Rio de Janeiro, na década de 1990, os bailes funk foram proibidos nas comunidades, sob o argumento de que teriam envolvimento com o tráfico e outros crimes e que, ainda hoje, em São Paulo, é comum bailes terminarem com violência policial. “Como diz a professora Adriana Facina, os bailes foram proibidos nas comunidades, mas continuavam tocando nas festas da zona sul do Rio. Então, ela pontua, o que é criminalizado, o funk ou o funkeiro?”.
E o estigma se estende às mulheres. Para Izabela, criticar o funk pode ser um pretexto para reforçar preconceitos contra a mulher negra naquele contexto. “Acontecem críticas de gênero especificamente, como chamar a mulher de vagabunda, e mandá-la parar de ter filhos e ir trabalhar. Não é com a música”, diz.
(Adriana Facina é professora na UFRJ e orientou o mestrado MY PUSSY É O PODER. A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural, de Mariana Gomes Caetano).
Mais informações: e-mail izanalio@gmail.com, com a professora e antropóloga Izabela Nalio Ramos
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