Por Bianca Bortolon e Luísa Perdigão*
29 DE MARÇO DE 2017
Organizada por movimentos feministas ao redor do mundo, a greve internacional de mulheres foi convocada em repúdio às diferentes formas de violência de gênero. No dia 8 de março, mulheres de diversos países ocuparam as ruas para mostrar que, diante de dados alarmantes de feminicídios na América Latina, o dia da mulher não é uma data de parabenizações, mas de luta.
Em 24 horas, foram contabilizados 121.807 tweets de 66.607 usuários. Em uma amostra dos tweets que possuem geolocalização, a América Latina sobressaiu-se nos índices de participação, sendo a Argentina o maior expoente com cerca de 35% dos tweets. Dos 10 países mais presentes na rede, 7 são latino-americanos: Argentina, Brasil, México, Uruguai, Paraguai, Equador e Chile. Espanha, Polônia e Estados Unidos completam o quadro de localidades com maior índice de participação na rede do #8M. Em comum, os três países possuem histórico recente de lutas femininas nas ruas.
Apelidado de Primavera das Mulheres, o ano de 2015 foi marcado por inúmeras mobilizações feministas no Brasil. Além da adesão ao #NiUnaMenos, movimento iniciado na Argentina contra os altos índices de feminicídio, houve uma experiência similar de organização por meio do #MulheresContraCunha, quando mulheres de diversas cidades marcharam em oposição ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, um dos autores do PL 5069/2013, que reformula o atendimento às vítimas de abuso sexual.
As recentes mobilizações no país, entretanto, não foram marcadas pela coabitação rede-rua. A Primavera das Mulheres e as ações que a antecederam foram próprias da rede, construídas e difundidas basicamente através do Twitter e do Facebook. Campanhas como #MeuPrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto, #MeuPrimeiroBO e #VaiTerShortinhoSim foram algumas das muitas movimentações na rede que, apesar de levantarem pautas divergentes, viralizaram e se conectaram umas com as outras.
Já na Argentina, vemos desde 2015 o movimento pelo combate à violência contra a mulher ascender nas ruas. No dia 3 de junho, o #NiUnaMenos marchou pela primeira vez em oitenta cidades contra os altos índices de feminicídio no país: segundo dados do coletivo La Casa del Encuentro, a cada 30 horas uma mulher é morta na Argentina.
Desde então, as mobilizações não pararam. Em 3 de junho de 2016, um ano após o início do movimento, uma nova marcha foi convocada por meio da hashtag #VivasNosQueremos. Em 19 de outubro do mesmo ano, o Ni Una Menos convocou as mulheres para o #ParoDeMujeres, paralisação contra a precarização das vidas femininas na qual milhares de mulheres foram às ruas em Buenos Aires e marcharam do Obelisco à Plaza de Mayo.
Ao movimento somaram-se outros países da região como Chile, Uruguai, Peru, México e Brasil. O contexto da violência de gênero e os altos índices de feminicídio são o elo comum que aproxima as agendas do feminismo latino-americano.
Falta diálogo entre influenciadores de diferentes países
No grafo, é possível identificar a formação de comunidades delimitadas por fatores territoriais, representadas pelas diferentes cores. Ainda que os perfis noticiassem acontecimentos relacionados ao #8M em diferentes países, como fez o Mídia Ninja, não há uma conexão forte entre perfis de localidades distintas, indicando, na rede, uma falta de diálogo entre influenciadores, em sua maioria coletivos feministas, ativistas, políticos de grande influência, como a ex-presidente Dilma Rousseff, e veículos de mídia independente.
Representado pelos pontos em azul claro, no Brasil poucos perfis se destacam e concentram a produção de tweets populares, como coletivo Não Me Kahlo e o Mídia Ninja. O mesmo padrão se repete em comunidades de países como Paraguai (em verde escuro), Uruguai (em verde claro) e Equador (em cinza, canto superior direito). Muitas vezes, como é o caso do coletivo Não Me Kahlo, um único tweet do perfil viraliza e o alça à posição de influenciador. Isso se dá pela ampla atuação do coletivo nas redes sociais. No Twitter, quando o tema em pauta é o feminismo, o perfil @NaoMeKhalo é um dos mais ativos e centrais na difusão de informações e conteúdos relacionado a luta por direitos da mulher.
Na Argentina, a produção de tweets é mais descentralizada, com vários atores participando ativamente e em tamanho destacado na rede. O histórico recente bastante ativo de um movimento organizado como o Ni Una Menos, fixado na Argentina e moldado de forma a coabitar a rua e a rede, são possíveis motivos para o destaque do país em relação ao Brasil, que possui uma trajetória de campanhas feministas voltadas apenas para a rede e com forte uso de relatos pessoais como estratégia política. Entre as hashtags mais utilizadas em conjunto a #8M, estão as três próprias do movimento Ni Una Menos: #nosotrasparamos, #vivasnosqueremos e #niunamenos.
Enquanto as agendas se apresentam com maior força nas ruas, a rede funciona como convocatória para as mobilizações e assumem um papel informativo, com notícias e registros das manifestações. As palavras mais utilizadas pelos usuários indicam essa função, como “calles”, “represion”, “manifestacion” e “ruas”. Quando presentes na rede, as pautas são expressas muitas vezes por meio de frases de impacto e frisando três desafios: a “violência”, “derechos” e “igualdad”.
Através de ações coletivas e movimentos organizados e protagonizados por mulheres, a luta contra a cultura machista e a violência de gênero na América Latina se expande. O #8m, além de ter tido uma adesão continental, uniu mulheres em torno de uma questão que tange a todas: as violências contra a mulher. E os números alarmantes sustentam essa afirmação: segundo o relatório do Mapa da Violência de 2015, os países da América Latina são apontados como os mais violentos para a mulher e ocupam o topo da lista dos países com maior incidência de feminicídio.
Bianca Bortolon e Luísa Perdigão são jornalistas e pesquisadoras no Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic/Ufes).
Gênero e Número
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