Precisamos mostrar que a vida merece ser vivida e não que a morte é a solução para os problemas.
Texto escrito por Marcela De Mingo e publicado originalmente no Superela
Passando o hype e tendo visto a primeira temporada inteira de 13 Reasons Why (ou 'Os 13 Porquês'), eu posso dizer com todas as palavras: não pretendo recomendar que alguém veja essa série.
Eu sei muito bem o que escrevi logo que comecei os primeiros episódios e mantenho a minha posição - logo mais explico o porquê -, mas depois de ver tudo com calma, ler muito a respeito e buscar opiniões e visões de pessoas diferentes ao longo da semana, cheguei à conclusão de que ninguém merece assistir 13 Reasons Why.
Por isso, elenquei motivos para você deixar a série de lado e buscar outra coisa para ver (neste link você encontra algumas sugestões). E, sim, eu sei que falar para não ver uma coisa pode ter um efeito contrário, mas posso apenas torcer que os pontos a seguir ajudem você a entender o porquê.
Atenção, este post pode conter spoilers!
1. Ela vai contra as recomendações da OMS
A Organização Mundial de Saúde lançou em 2000 uma lista de recomendações para meios de mídia falarem e retratarem casos de suicídio. Desde então, existem palestras e workshops locais e de escala global feitos para atualizar essas diretrizes. A OMS faz três recomendações principais que são totalmente desconsideradas pela série: 1) evitar romantizar o ato do suicídio; 2) evitar retratar o suicídio como uma resposta aceitável às dificuldades; 3) evitar incluir o método, local ou detalhes da pessoa que faleceu. Essa é uma maneira não só de respeitar quem morreu e sua família, como também de retratar o assunto de uma maneira que seja direta e objetiva e que foque mais em ações de prevenção e conscientização.
Quem viu os últimos episódios de 13 Reasons Why sabe que essa última recomendação foi totalmente esquecida e as cenas são praticamente um tutorial mórbido e desesperado de como tirar a própria vida. Isso nos leva ao segundo ponto.
2. Ele ignora o 'Efeito Werther'
O nome pode parecer complexo, mas a ideia, em si, não é. Existe na psicanálise um termo chamado Efeito Werther, que identifica o quanto a constatação do suicídio é inspiradora para pessoas que sofrem de algum nível de fragilidade emocional ou psíquica. Isso significa que casos de suicídio - principalmente os famosos (pense em Kurt Cobain) - podem influenciar outras pessoas a seguir o mesmo caminho, como em um efeito cascata. Dando o local e a forma como Hannah Baker tirou a própria vida em 13 Reasons Why, a série se torna um prato cheio para inspirar - negativamente, claro - outros jovens a fazerem o mesmo.
O mais interessante é que esse efeito não ganhou o seu nome por causa de algum pesquisador famoso: ele é uma referência ao livro Os sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang Goethe, que desencadeou uma série de suicídios na Alemanha quando do seu lançamento. Ou seja, uma obra de ficção altamente gráfica sobre o assunto (a cena de suicídio do personagem principal é considerada uma das mais comoventes da literatura) que inspirou muitas pessoas a buscarem uma mesma saída para o que sentiam.
3. A série é sobre vingança
Esqueça a morte de Hannah; esta não é uma série sobre suicídio, mas sobre vingança. As 13 fitas gravadas pela personagem são uma forma de atribuir culpa a outras pessoas e conseguir algum tipo de retribuição por tudo o que aconteceu com ela no passado. Tanto que existe uma cópia com Tony, e ele mesmo diz que existirão consequências se os pedidos da jovem não forem seguidos à risca. Sim, crimes foram cometidos (Bryce e Tyler, estamos falando de vocês), mas isso não isenta a sede de vingança da personagem principal, que assume apenas o papel de vítima.
4. Ela é repleta de gatilhos
Para uma pessoa mentalmente saudável, a série pode, sim, ser uma forma de fazê-la pensar mais sobre um assunto que ainda é um tabu tão grande. Para as demais, porém, pode ser um verdadeiro pesadelo. O primeiro aviso de que a série tem cenas que podem ser gatilhos aparece apenas no episódio 9 - mas mesmo antes disso a vibe pesada e a forma como a trama é conduzida já são motivos suficientes para uma pessoa com depressão entrar em crise.
5. Ela vê o suicídio como 'opção'
O suicídio é um ato complexo e que envolve muitas premissas. Porém, o principal é que existe uma questão de desequilíbrio mental, em que a pessoa se vê presa em tudo aquilo que a cerca e não consegue encontrar, sozinha, uma saída para o que sente e, principalmente, para o que pensa. 13 Reasons Why não toca no assunto doença mental na adolescência - você vê na série a evolução do estado de espírito de Hannah, mas de maneira alguma aborda, em qualquer momento, como o estado mental de alguém é o principal causador de um suicídio. Ao apontar dedos e tentar encontrar um culpado (quase como se Hannah tivesse sido 'assassinada'), a série omite esse fator, um tabu tão grande quanto o suicídio e algo decisivo nesses casos. (Se você quiser saber mais sobre como identificar um comportamento suicida, pode clicar aqui para ler sobre)
6.13 Reasons Why não oferece uma saída
Sim, é um fato que uma série de ações externas podem piorar uma situação interna que já está ruim. Porém, a série não apresenta uma saída ou uma tentativa bem-sucedida de pedido de ajuda, não dá um exemplo de casos que foram solucionados e revertidos. Quando Hannah decide dar uma 'última chance para a vida' e buscar o conselheiro da escolha, ela deixa uma ideia de que pedir ajuda não vai funcionar - porque, como ela mesma diz, 'ninguém se importou o suficiente'. Para uma pessoa que já se sente sozinha, confusa e sofrendo, ver uma cena dessas pode fazê-la acreditar que é assim que as coisas funcionam e que não existe uma forma de sair desse loop.
Outro ponto que vale atenção: apesar de fazer toda uma ação em parceria como CVV, o Centro de Valorização da Vida, não existe, em nenhum dos episódios, o telefone da organização (141) ou o site oficial para que as pessoas busquem ajuda, caso precisem. No mínimo, isso pode ser considerado um desserviço. Se a pessoa já acredita que ninguém pode ajudá-la, não colocar nenhum tipo de informação de contato para lugares que podem ajudá-la é um erro enorme.
Por mais que a minha opinião pessoal seja de não recomendar essa série para ninguém, é um fato que as pessoas são livres para escolherem ou não assistir 13 Reasons Why. Se você decidir ver a série e conversar sobre ela com alguém, tenha em mente, no mínimo, que a série pode não ser benéfica para algumas pessoas e converse sobre o assunto com cautela.
Falar sobre suicídio, a segunda maior causa de morte entre os jovens, é importante, sim. O tema precisa deixar de ser um tabu. Também é louvável a ideia da série de fazer o espectador pensar sobre as próprias ações e como ele se porta na frente dos outros, o nível de interesse que ele tem pelo próximo. Isso continua verdade: só o relacionamento cura e isso não vai deixar de ser assim.
De qualquer maneira, era importante dar o outro lado - o que parece bem maior que os pontos positivos da série - para que o assunto seja tratado com a delicadeza e responsabilidade que merece. Precisamos mostrar que a vida merece ser vivida e não que a morte é a solução para os problemas. O bullying pode, sim, ser uma causa para o suicídio, mas isso não significa que todo caso de bullying acaba em suicídio. Precisamos parar de simplificar um assunto tão sério com a desculpa de que a técnica de chocar o espectador vai resolver uma questão tão mais complexa do que a gente imagina.
*Este artigo é de autoria de colaboradores do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o Huffington Post é um espaço que tem como objetivo ampliar vozes e garantir a pluralidade do debate sobre temas importantes para a agenda pública.
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