por Djamila Ribeiro — publicado 17/04/2017
Mulheres não são uma categoria única. Partem de diferentes pontos. Entender essas diferenças é essencial
É preciso resistir à tentação das fórmulas simples, diria Simone de Beauvoir. Quando falamos em opressão de gênero, mais ainda.
Ultimamente, temos acompanhado importantes mobilizações acerca de opressões que atingem as mulheres. Acredito que quanto mais se falar no tema, mais contribui na conscientização dos seres humanos e numa maior transformação de mentalidade. Fazendo jus ao conselho de Beauvoir, questiono, porém: é possível falar em unidade das mulheres? É possível ainda insistir numa suposta universalidade da categoria mulheres?
Como as feministas negras historicamente têm nos ensinado, é necessário nomear as opressões, entender que mulheres partem de diferentes pontos de partida e que existem variadas possibilidades de ser mulher. Entender essas diferenças é essencial para o prosseguimento da luta feminista. Mas quando dizemos “mexeu com uma, mexeu com todas”, estamos de fato nos referindo a todas ou à categoria que se pretende universal?
Para além disso, se faz importante questionar os modos pelos quais as identidades são colocadas. bell hooks (a intelectual prefere que se escreva assim, em minúsculo) aponta para a necessidade de se transpor uma identidade vitimada para uma identidade de resistência militante.
Em “Recusando a ser uma vítima: obrigação e responsabilidade”, a pesquisadora diz: “Quando meu livro Feminist Theory: From Margin to Center foi publicado em 1984, eu encorajava as mulheres engajadas no movimento feminista a evitar o manto da vitimização na nossa busca para chamar a atenção pública a respeito da necessidade de acabar com o sexismo, exploração e opressões sexistas. Criticando uma cisão de irmandade fundamentada em vitimização compartilhada, eu encorajava as mulheres a se unirem pelas bases da solidariedade política”.
A pesquisadora prossegue: “Parecia irônico para mim que as mulheres brancas que mais falavam sobre serem vítimas eram as mais privilegiadas e tinham mais poder do que a vasta maioria das mulheres em nossa sociedade. Vinda de comunidades feministas no Sul segregacionista, eu nunca tinha escutado das mulheres negras sua vitimização.
Enfrentando a dureza, a destruição causada por falta e privação econômica, a injustiça cruel do apartheid racial, eu vivia em um mundo em que as mulheres ganhavam força no compartilhamento de saber e recursos, e não porque se juntavam na base de serem vítimas. Nós nos identificávamos mais pela experiência da resistência e triunfo do que pela natureza da nossa vitimização”.
Embora sejamos vítimas de uma estrutura opressora, hooks nos invoca a pensar em estratégias para além de um discurso que imobiliza. Fora isso, ela alerta para o uso desse discurso como forma de mulheres brancas pleitearem direitos dentro do mundo masculino branco e não para a construção da transformação real.
Para pensarmos um novo projeto – e feminismo é pensar novos modelos para além de pleitear políticas identitárias –, precisamos buscar e entender de modo mais profundo a raiz das opressões de gênero, classe e raça.
Enquanto as forças estiverem em prol somente de um grupo de mulheres, adiaremos cada vez mais a luta por uma transformação fundamental.
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