10 de abril de 2017
Na mente de muitos de nós, o mundo artístico tem um "quê" de encantado. Uma espécie de conto de fadas contemporâneo no qual as pessoas transcendem uma vida ordinária e passam a experimentar uma existência de glória e reconhecimento. Semana passada, todavia, o Brasil reavivou um lado oculto desse universo. Um lado sombrio. A carta aberta da figurante da TV Globo, Susllem Meneguzzi, acusando o ator José Mayer de assédio sexual, deu o que falar. Isso mostra que a reconstrução ética das relações entre homens e mulheres é um caminho sem volta e que aqueles que insistirem em desafiar a força dos tempos terminarão mal. Não há saída. Não há um Plano B. O engrandecimento feminino continuará expondo, cada vez mais, toda a sorte de horrores aos quais as mulheres são submetidas em suas atividades cotidianas. Essa pauta por direitos, reconstruções sociais e nova calibração das relações de poder é um caminho sem volta. Não é de hoje que situações repulsivas acontecem no universo da fama. Primeiramente, os assassinatos, cuja configuração preenche o que hoje o tipo penal denomina de "feminicídio". Elísia Samudio é, sem dúvida, o exemplo mais perturbador. Antes, Sandra Gomide já havia ilustrado esse hall por meio do tiro nas costas que levou de Pimenta Neves, o homem trinta anos mais velho que não aceitava o rompimento da relação. Os julgamentos de O.J. Simpson, nos Estados Unidos, e de Oscar Pistorius, na África do Sul, ambos acusados de assassinarem suas mulheres, sendo que, este último, tendo sido condenado, são mais ilustrações macabras dessa relação. E há ainda os estupros. Tão logo a carta de Susllem Meneguzzi foi divulgada, a veterana Lady Francisco, com os seus mais de 80 anos, afirmou ter sido estuprada por um diretor de televisão. Em 2014, mais de 40 mulheres admitiram terem sido sedadas e estupradas por Bill Cosby. Ele chegou a confessar que sedara jovens para estuprá-las. Em 1977, o diretor Roman Polanski foi preso e condenado em Los Angeles por cinco crimes contra Samantha Gailey, uma menina de 13 anos. Dentre os crimes, estava lá: estupro. Mas há também a violência. Em 2009, a cantora Rihanna apareceu com a face desfigurada pelos socos de Cris Brown, seu namorado. Um ano antes, quem apanhava do namorado, Dado Dolabella, era a atriz Luana Piovani. Em 2005, Sandra Mendes, mulher de Netinho de Paula, fazia um Boletim de Ocorrência mostrando um rosto deformado por murros do companheiro. Ano seguinte, Ingrid Saldanha, com a face destruída por um olho roxo e oito pontos no nariz, estampava a capa da revista Veja denunciando o companheiro Kadu Moliterno. Em 2016, quem apareceu com hematomas e costelas quebradas foi Luísa Brunet, pelas mesmas razões. Esse ano, Poliana Batagini, a esposa grávida do cantor Victor Chaves, o acusou de violência. Ele a teria jogado no chão e a chutado. Dias depois, se retratou. No Brasil, não são as leis que não respeitam as mulheres. São os muitos homens que não respeitam, nem as leis, nem as mulheres. Passa da hora de todos os homens, de quaisquer idades e background social, perceberem o que está se passando no mundo. Há uma consciência global de que abusos passados não passarão. É isso. Eles não passarão mesmo. O universo da arte no Brasil e no mundo nos mostra que mesmo as mulheres donas de si, verdadeiramente livres, aquelas que iluminam gerações com lições de autonomia e poder, estão sujeitas a assassinatos, estupros, violências e assédios. Quando esse cenário avança em direção às camadas mais e mais vulneráveis, o resultado é desastroso. É uma grande vergonha que, no século XXI, mulheres do mundo das artes marchem de mãos dadas exigindo respeito. Mostra a insistência da miséria nas relações entre os gêneros. As mulheres não estão de brincadeira. Isso porque, assassinatos, estupros, violência e assédio não são coisas para se brincar. Ou os homens se conscientizam dessa refundação ética de suas interações com o sexo feminino, ou deverão começar a se habituar a encararem reputações destruídas, persecuções penais e, mais comumente, o chão frio das cadeias. E, nesse chão frio, vigora uma ética cruel contra aqueles que violam mulheres. Uma ética masculina, que costuma ser bem mais selvagem do que a das mulheres que, como se viu, simplesmente, com camisas brancas e hastags, exigem, muito dignamente, respeito.
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