Entrevistamos Elizabeth Becker, autora de "Overtourism", sobre as mudanças sociais e ambientais promovidas pelo avanço do turismo, a maior indústria do mundo
POR GAÍA PASSARELLI 26.04.2017
Elizabeth Becker é uma premiada repórter norte-americana que, entre outras coisas, cobriu o genocídio em Ruanda e as primeiras eleições democráticas da história da África do Sul. Ela foi uma das únicas repórters ocidentais a entrar no Camboja durante o período do Khmer Vermelho e escreveu When the War Was Over, livro essencial sobre os conflitos no Sudeste Asiático na segunda metade do século XX.
E o que ela tem a ver com viagem?
Becker também é autora de Overbooked: The Exploding Business of Travel and Tourism, uma pesquisa minuciosa das mudanças sociais e ambientais promovidas pelo avanço do turismo, a maior indústria do mundo. “É uma reportagem meticulosa e por vezes perturbadora da indústria do turismo e sobre como ela tornou o mundo menor, nem sempre melhor”, segundo análise do New York Times.
O livro, lançado em 2012, narra o impacto do turismo em países como Tailândia e França. Trata a viagem menos como um direito e mais como o que realmente é: um produto. Não é uma leitura nem fácil nem agradável mas é, na essência, uma pesquisa sobre como o privilégio de viajar impacta a poluição dos oceanos, a demarcação de terras e a indústria da prostituição mundo afora.
Becker respondeu minhas perguntas por email no começo de abril:
Você pode falar um pouco sobre como conduziu a pesquisa e encontrou dados? Usando a pesquisa básica de um historiador e a reportagem de um jornalista. Encontrei volume considerável de dados sobre, por exemplo, a poluição da água e do ar. Li livros sobre impacto do turismo em países específicos, entrevistei especialistas para descobrir o que eles sabem e entender o que mais eu deveria pesquisar. E visitei os países mencionados para ver se a pesquisa batia com a realidade. Como esse é um livro sobre a indústria do turismo, também entrevistei pessoas da indústria, em todos os níveis. E como o turismo afeta quem vive nos destinos, também entrevistei oficiais dos governos, artistas, especialistas em transporte, trabalhadores, ambientalistas, urbanistas. Isso significa que li estudos acadêmicos e documentos oficiais e depois fui atrás de profissionais específicos para confirmar os dados.
Como não há história do turismo global, ou mesmo uma investigação do turismo no mundo, tive que descobrir onde conseguir informações. Comecei no United Nations World Tourism Organization, em Madrid.
Essencialmente, precisei pesquisar a história de cada país para entender onde o turismo entra. Alguns exemplos de surpresas na minha pesquisa: fui a primeira pessoa a escrever sobre o papel do [secretário-geral do Partido Comunista Chinês entre 1978 e 1992] Deng Xiaoping no uso do turismo para a abertura da China. Notei isso entrevistando alguns dos primeiros agentes de turismo estrangeiros que foram à China e usei as declarações para realizar uma pesquisa extensa na agência chinesa para o turismo local. No capítulo sobre a França, como os franceses nunca escreveram um manual sobre seu incentivo ao turismo, tive que procurar estrangeiros. Meu gancho foi descobrir que o U.S. Marshall Plan ajudou a financiar o revival do turismo na França após a Segunda Guerra Mundial.
E, sobre os cruzeiros, não só obtive relatórios extensos de organizações governamentais dos EUA, mas como viajei em cruzeiros e entrevistei de garçons à bordo ao CEO da (gigante do segmento) Royal Caribbean, na sede da empresa em Miami.
Que tipo de mudanças positivas aconteceram na indústria entre a publicação de Overbooked e hoje? Muita coisa. O principal é que pessoas estão começando a pensar em como a liberdade de viajar é algo que deve ser defendido. Muitos turistas estão pensando em destinos sustentáveis. Mais turistas estão procurando experiências autênticas e aventuras.
Existem exemplos de grupos e empresas de turismo, novos ou já estabelecidos, que não apenas estão melhorando seus produtos mas melhorando as vidas das pessoas e o ambiente nos destinos. Na Europa, tenho observado como Barcelona está se recuperando do excesso de turistas. Na América do Sul tenho visto como grupos no Chile estão usando o turismo para proteger a vida selvagem e o meio ambiente.
Outro desenvolvimento é o aumento de turistas que querem que a viagem seja mais sobre experimentar o que é verdadeiros sobre um lugar e não algo artificial, criado como experiência turística. Governos estão mais alertas em relação ao poder que o turismo tem para melhorar ou destruir sua imagem — o que na América é chamado de "soft power of diplomacy".
E em relação a avanços destrutivos, há exemplos recentes que chamam a atenção? Existe uma nova percepção de que o turismo pode tornar um lugar insustentável e que o custo dessa insustentabilidade é alto demais. Hoje existe até uma palavra para isso: overtourism, que algumas pessoas associaram com Overbooked. Também é importante o confronto entre o Airbnb e as vizinhanças onde o serviço é extremamente popular. Cidades como Nova Iorque e Vancouver estão tentando entender como permitir locação de curto prazo sem destruir ou descaracterizar áreas residenciais ou colaborar para o aumento dos aluguéis. Tenho certeza que um formato saudável será encontrado, mas isso requer negociações com as comunidades.
“O elemento destrutivo mais recente no turismo é o nacionalismo de países como os EUA, que leva ao estreitamento de fronteiras”
Elizabeth Becker
E, claro, o elemento destrutivo mais recente é o nacionalismo de países como os EUA, que leva ao estreitamento de fronteiras. As viagens aos EUA já estão mais restritas porque as pessoas estão com medo das regras ou apenas não querem ser mal tratadas na entrada ao país. Nós nos acostumamos às fronteiras abertas desde o fim da Guerra Fria. O Brexit é outro exemplo de fronteiras fechando.
“Colocar um fim no turismo sexual requer um esforço de nível nacional para reforçar a lei, o que afeta tanto hotéis quanto turistas”
Elizabeth Becker
Você dedicou parte do livro ao turismo sexual, com foco no Sudeste Asiático. Sabemos que o Brasil é um destino popular para quem procura essa atividade no mundo, mas o tema é pouco abordado localmente. Você pode falar sobre sua percepção da situação no Brasil? Eu não poderia falar sobre o problema do turismo sexual no mundo todo. Isso iria requerer um livro inteiro. Mas o Brasil sofre de problemas similares aos dos países do Sudeste Asiático. É muito fácil estar na margem da lei e colocar meninos e meninas menores de idade num círculo de prostituição. E é muito fácil pagar policiais e outros oficiais da lei. Colocar um fim a isso requer um esforço de nível nacional para reforçar a lei, o que afeta tanto hotéis quanto turistas. O Brasil não está disposto a mexer nisso.
O “greenwashing” é realidade em muitos mercados e o turismo não é diferente. Como as pessoas podem ser mais conscientes em relação a como viajam? Que tipo de ferramentas temos hoje para que o turista médio pesquise o impacto das companhias que escolhe quando viaja? Fazer a lição de casa. Turistas que querem viajar com responsabilidade precisam se tornar cientes de organizações que certificam destinos e empresas sustentáveis. Um bom lugar para começar a procurar é o Global Sustainable Tourism Council (Conselho Sustentável para o Turismo Global). Apenas lendo o site você já consegue entender seu impacto local, é uma boa educação. Depois, procure os certificados e cheque grupos ligados ao meio-ambiente. O Friends of the Earth (Amigos da Terra) publica um anuário chamado “Cruise Report Card” que é leitura essencial para antes de se decidir por viagem de navio cruzeiro. O World Wild Fund e a National Geographic também são muito úteis. Se comprometa com organizações que se provaram confiáveis e peça a elas mais informações se for necessário. Por fim, estude sobre os destinos e fale pelo menos um pouco da língua — será mais difícil te enganar assim.
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