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terça-feira, 25 de abril de 2017

“Não somos burras, Diretor”: o indulto para mulheres é uma grande conquista feminista


POR #AGORAÉQUESÃOELAS
Por Carolina Haber*
16/04/2017

O número de mulheres no sistema prisional só cresce. Eram pouco mais de 10 mil em 2000 e 14 anos depois já somavam 37 mil, registrando um aumento de 567%, de acordo com dados do Ministério da Justiça. A taxa de crescimento da população prisional é muito maior entre mulheres do que entre homens e, como um fenômeno relativamente recente, o que se observa é uma estrutura feita para homens.
A maioria das unidades prisionais não dispõe de espaços destinados a gestantes ou lactantes nem berçários para seus filhos pequenos, várias fornecem kits de higiene que não contam com absorventes íntimos em quantidade suficiente ou itens destinados a suas necessidades femininas. Além disso, recebem bem menos visitas do que os homens, rompendo-se vínculos familiares importantes.
O sistema prisional brasileiro é formado por mulheres jovens, entre 18 e 29 anos, negras e pobres, que concluíram apenas o ensino fundamental. O crime mais praticado por elas é o tráfico de drogas, que corresponde a cerca de 70% do total, enquanto para os homens esse valor é de 25%. Em geral, são mulheres que foram pegas enquanto tentavam entrar com drogas no presídio destinadas aos seus companheiros e maridos ou, então, que assumiram um papel no tráfico porque não conseguiam cuidar de seus filhos e trabalhar ao mesmo tempo de forma lícita.
Quando presas, deixam seus filhos sozinhos em casa, sem saber se alguém poderá cuidar deles, pois muitas vezes os pais e companheiros estão presos também ou já haviam abandonado a família anteriormente, e sofrem duplamente com a prisão, como mulheres e como mães.
Conseguimos algo que tentavávamos faz tempo: o reconhecimento de que o tráfico privilegiado, caracterizado por ter sido praticado por agentes primárias, com bons antecedentes, que não se dediquem a atividades criminosas ou integrem organizações criminosas, não é crime hediondo e pode ser indultado, pois bem menos grave que as outras atividades de tráfico de drogas. 
Antes de continuar, é importante esclarecer: o que é o indulto?
É um benefício concedido pelo Poder Executivo aos condenados que preencherem determinadas condições. Um ato de clemência da Presidência da República que esbarra apenas em restrições constitucionais, como a proibição de ser concedido no caso de cometimento de crimes hediondos, que são crimes assim definidos em lei, a partir de um rol taxativo. É o caso, por exemplo, do latrocínio, da falsificação de produtos medicinais e do tráfico de entorpecentes. Em geral, é concedido anualmente em dezembro, em razão do Natal.
Em 2008, o decreto natalino previu a concessão indulto ao chamado “tráfico privilegiado” para homens e mulheres, mas foi considerado inconstitucional por alguns juízes, alegando-se a proibição de indulto ao crime de tráfico de drogas. Em defesa do decreto, afirma-se que o tráfico privilegiado não traz a ideia de comércio e, portanto, não poderia ser considerado tráfico.
De lá pra cá, tivemos mudanças. Em junho de 2016, o Supremo decidiu que tráfico privilegiado não é crime hediondo. A argumentação envolveu aspectos jurídicos, mas também dados estatísticos e argumentos de política criminal, relacionados ao fato da grande maioria das mulheres estar presa por delitos relacionados ao tráfico de drogas, sofrendo sanções desproporcionais, pois sua participação é, em regra, de menor relevância.
Desde 2015, o movimento de mulheres se mobilizou para que o decreto de indulto contemplasse o caso das mulheres presas, com atenção especial às presas por tráfico de drogas. Infelizmente, até o decreto publicado na semana passada, nenhum governo havia enfrentado o tema de maneira explícita. Aliás, mesmo após a decisão do STF, o primeiro indulto assinado pelo Presidente Temer restringiu a possibilidade de indulto de pessoas condenadas por tráfico privilegiado às gestantes, idosos, pessoas com filhos de até doze anos e pessoas com algumas deficiências e doenças graves, depois de cumprido ¼ da pena.
O indulto publicado agora atende as demandas de 2015: aplica-se a todas as mulheres que foram condenadas pelo tráfico privilegiado e tenham cumprido 1/6 da pena, sem impor condições pessoais.
Claro, vale pontuar o momento de sua concessão. É a primeira vez que um decreto de indulto se direciona apenas às mulheres e isso deve ser comemorado. Assinar esse decreto no dia das mães e não no 8 de março reforça a ideia de que o papel da mulher na sociedade é o de ser mãe. É necessário não se deixar enganar pela data: se trata de uma conquista do movimento feminista que articulou-se para este resultado tem anos. O decreto avança justamente porque dirigido a todas as mulheres, independentemente de ser mãe. E mais: vale notar que a luta pelo reconhecimento da não hediondez do crime de tráfico privilegiado, travada faz tempo, só ganhou força quando se voltou para a realidade feminina, tanto no Supremo quanto no Executivo. É o poder do movimento de mulheres.
Certa vez o Diretor do Departamento Penitenciário Nacional, ao ser perguntado sobre o motivo de haver muito mais visitas para homens presos do que para as mulheres encarceradas, respondeu sem hesitar: “as mulheres são burras”.
Não, caro Diretor, nós não somos burras. Uma rede que se articula com cada vez mais força em torno do direito das mulheres presas tem conseguido conquistas importantíssimas. O decreto da semana passada é mais uma dessas conquistas feministas, resultado de uma jornada que está apenas no começo.
Que bela vitória. Não, nós não somos burras, caro Diretor. 
*Carolina Haber é Mestre e Doutora em Direito pela USP, Diretora de Pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e Vice-Presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro.

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