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sábado, 20 de junho de 2015

“Divertida Mente” é o filme mais ambicioso e criativo da Pixar em muito tempo

Depois de uma série de projetos irregulares, estúdio retoma o caminho de suas melhores obras

por Virgílio Souza

O novo longa-metragem da Disney-Pixar, “Divertida Mente”, é um dos mais interessantes e importantes trabalhos da companhia. Tanto por conseguir equilibrar sua ambição temática e sua simplicidade narrativa, como por mostrar a força dos estúdios para entreter adultos e crianças depois de uma série de projetos irregulares, entre continuações e filmes originais.

A proposta, aqui, é adentrar a mente de Riley, uma garota entre a infância e a adolescência que, após se mudar com os pais de Minnesota para a Califórnia, convive pela primeira vez com oscilações mais graves de humor. Isto ocorre porque, neste universo, as emoções humanas são definidas de uma sala de controle ocupada por cinco criaturas: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho. Quando as duas primeiras se perdem nas memórias de longo prazo da menina, as três últimas ficam responsáveis por orientar seu comportamento.

Deste modo, o filme se divide entre o mundo real e mundo da fantasia, seguindo uma lógica já explorada com habilidade pela Pixar, em maior ou menor escala, em “Ratatouille”, na trilogia “Toy Story” e em “Monstros S.A.” — não por coincidência, Pete Docter, o realizador de “Divertida Mente”, escreveu a história original das duas aventuras iniciais de Woody e Buzz e roteirizou e dirigiu a primeira de Mike, Sulley e Boo.

A maneira como somos apresentados a Riley segue os padrões de síntese das melhores obras da Pixar: com economia, o filme se vale de elipses para construir passagens de tempo elegantes, definir seu recorte temporal (a transição em direção à puberdade) e conferir à garota uma personalidade forte, que supera estereótipos. Mais do que isso, apresenta uma protagonista em mudança, dos sorrisos e brincadeiras de criança à insegurança quando chega a San Francisco — o primeiro dia de aula na nova escola, de fácil identificação pelo espectador, é catalisador dessa virada no roteiro.

Em termos de estrutura, o filme se vale de extremo bom humor (é o projeto mais genuinamente engraçado da Pixar desde “Procurando Nemo”) para dar início a essa transição ao explorar as salas de controle dos pais, dando os primeiros sinais de rompimento com esse idealismo infantil, quando a Alegria reina absoluta. Na mente adulta, há prioridades mais bem definidas, controles mais complexos e a prevalência de certos sentimentos sobre outros, um indicativo do que a garota passará na adolescência. Assim, a transição constante entre o cotidiano dos humanos e suas emoções ocorre com fluidez desde o princípio, guardando as diferentes propostas de cada uma dessas esferas.

Os trechos passados no nosso universo são responsáveis por formar as bases, uma espécie de contexto para os eventos que ocorrem na mente. De início, é como se houvesse sempre uma ação prática demandando uma resposta mental — Riley vê brócolis, por exemplo, e Nojinho reage, rejeitando a comida. Uma vez estabelecida essa relação, fundamental para a premissa, o filme se arrisca a invertê-la, fazendo com que as emoções por vezes controlem mais decisivamente a garota, o que explica sua instabilidade quando Alegria e Tristeza desaparecem.

A Pixar se vale de elipses para construir passagens de tempo elegantes, definir recorte temporal e conferir à garota uma personalidade que supera estereótipos

Em termos visuais, a diferença de tratamento entre humano e mental é bastante clara. Quando focado nos personagens de carne e osso, o filme investe em uma estética quase neutra, mas importante para a construção das figuras em cena, em que a própria ausência de móveis na casa nova da garota, por exemplo, indica uma traço de sua personalidade naquele momento.

A identificação, aqui, parece ser um aceno mais a espectadores adultos, em função dos recursos mais sutis e das referências próximas de um universo mais amadurecido — a interação explosiva na mesa de jantar, nesse sentido, parece voltada mais para os pais que para os filhos na plateia, e o tom de dramédia assumido nesse segmento a partir do segundo ato forma um contraste interessante com o restante da narrativa.

Nos momentos em que se centra nas emoções, a aposta é em uma atmosfera bastante vibrante, capaz de simplificar todos os conceitos envolvidos na trama, de pesadelos a memórias esquecidas, através de um criativo desenho de produção. O universo é construído paralelamente ao amadurecimento de Riley, o que permite não apenas a identificação do espectador com a garota, como também a compreensão do funcionamento da mente dos personagens.

“Divertida Mente” é eficiente em transmitir uma mensagem forte de maneira acessível e coerente

Aqui, auxiliado pela competente trilha sonora de Michael Giacchino, o filme ganha contornos claros de aventura infantil, conduzindo Alegria em uma jornada de superação de obstáculos, muitos deles físicos, em que os conceitos são utilizados de modo brilhante como recursos narrativos. O trem de pensamento, o penhasco das coisas esquecidas, as memórias-base, a área de pensamentos abstratos, as ilhas que formam personalidade — todos desempenham papéis importantes para mover a trama adiante.

Parte daí a eficiência de “Divertida Mente” em transmitir uma mensagem forte de maneira acessível e coerente. Mantendo a ternura habitual da Pixar para lidar com temas como morte e despedida, o filme se vale da ressignificação de lembranças, no ato final, para indicar que a Tristeza (personagem e sentimento) é necessária para seguir em frente e amadurecer. Fatos e eventos cujos significados mudam com o passar do tempo, deste modo, se mostram fundamentais para que Riley supere seus obstáculos e a Alegria retorne para o centro de comando.

Mantendo a ternura habitual da Pixar para lidar com temas como morte e despedida, o filme se vale da ressignificação de lembranças no ato final”.

No limite, o filme ainda evita cair na armadilha de determinar as emoções, como se nos dissesse muito claramente o que sentir em cada momento. Graças a essa interação básica entre as cinco criaturas, dotadas de personalidades complexas que vão além da superfície, é possível compreender naturalmente que medo, nojo e explosões de raiva podem ser úteis, que decepções geram aprendizado e que a felicidade pode conviver com a tristeza. É necessário apenas equilibrar os sentimentos, algo que a Pixar, aqui, parece entender perfeitamente.




B9

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