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Orientação contra detenção de imigrantes vulneráveis é ignorada no país

Casos de tratamento abusivo, tentativas de suicídio e condições inadequadas de acesso à saúde têm se tornado cada vez mais frequentes nos centros de remoção de imigrantes no Reino Unido. Atualmente, o país mantém 11 detenções com capacidade para deter 3,9 mil pessoas. Um aumento considerável em relação às 250 vagas em 1993. Normalmente, a detenção é utilizada para estabelecer a identidade do detento ou a base de pedidos de asilo, entre outros motivos. Mas no país não há tempo limite para os imigrantes ficarem detidos, o que causa um grande impacto nos detentos e fortes críticas sobre a necessidade privar da liberdade pessoas que não cometeram nenhum crime. 
Um aspecto em particular é o mais delicado deste cenário: a constante detenção de imigrantes vítimas de tortura em seus países de origem – em grande parte dos casos solicitantes de asilo no Reino Unido – e imigrantes que chegaram ao país traficados por quadrilhas internacionais. O relatório Detidas: Mulheres Solicitantes de Asilo Encarceradas no Reino Unido (Detained: Women asylum seekers locked up in the UK, em inglês), publicado pela organização Women For Refugee Women em 2014, ilustra bem o problema. Das 33 mulheres solicitantes de asilo detidas em centros de remoção de imigrantes ouvidas, 72% alegaram terem sido estupradas e 41% torturadas em seus países de origem. Ao todo, 85% delas disseram terem sido estupradas ou torturadas. Mais da metade alegou ter sido perseguida. Mesmo se enquadrando no perfil de imigrantes vulneráveis, no qual a detenção pode ter efeito detrimental para saúde, elas foram enviadas a centros de remoção de imigrantes.
Oficialmente, detentos vulneráveis são resguardados por uma diretriz chamada Regra 35. Essa regra visa garantir que a detenção de um indivíduo seja reavaliada caso contestada como inapropriada. Neste sentido, o detento cuja a integridade mental e física esteja supostamente ameaçada no centro deve ser avaliado por um médico clínico geral, que produzirá um relatório considerando se a saúde do detento está sendo gravemente afetada pela detenção ou pelas condições da detenção; se o indivíduo manifesta comportamento suicida; e se pode ter sido vitima de tortura no passado.
O relatório deve ser enviado ao Home Office, o departamento de Estado que lida com questões relacionadas à imigração, onde será analisado. O documento deve ser considerado e respondido em no máximo dois dias úteis após o recebimento. Entretanto, diversas organizações de direitos humanos e indivíduos que trabalham no setor afirmam que a Regra 35 não é respeitada. Entre os diversos motivos, estão a falta de qualificação das equipes médicas dos centros de remoção de imigrantes para identificar sinais de traumas, além do fato de constantemente enfermeiras fazerem o relatório. Outro fator apontado é o uso pelos médicos de uma definição muito restrita para o termo tortura, envolvendo apenas atores Estatais como os perpetradores.
Um relatório publicado em março deste ano por uma comissão de parlamentares de grupos de migração e refugiados da House of Commons (equivalente à Câmara dos Deputados do Reino Unido), destaca que o governo utiliza em excesso a detenção de imigrantes, em especial para indivíduos com problemas mentais e vítimas de tortura e tráfico internacional de pessoas, que deveriam ser detidas apenas em casos “excepcionais”.
Segundo o relatório, o governo ignora a normativa do Home Office que aconselha o uso da detenção de imigrantes de forma “moderada e pelo menor prazo possível”. O levantamento avaliou evidências apresentadas por mais de 200 indivíduos e organizações, incluindo ex-detentos, o ministro para Imigração, acadêmicos e caridades.
O estudo critica fortemente o acesso precário à saúde nos centros de remoção de imigrantes, que devem possuir, por lei, uma unidade médica 24 horas oferecendo aos detentos ao menos tratamento básico de saúde. Entretanto, há uma série de falhas graves no atendimento disponibilizado internamente, assim como nos casos de consultas médicas externas.
Em até duas horas após chegarem aos centros, os detentos devem ser atendidos por uma enfermeira para uma avaliação de saúde e para o agendamento de uma consulta com um médico em 24 horas. O processo de avaliação, no entanto, não permite identificar diversos problemas de saúde, uma vez que as consultas não são privadas (o que deixa os detentos intimidados) e as perguntas feitas são fechadas. O processo deveria levar ao menos 30 minutos, mas é feito em 10 minutos, muitas vezes sem interpretes, afirmam especialistas citados no relatório. A avaliação inicial também não consegue identificar e proteger vitimas de tortura e trafico humano, que devem ser redirecionados a programas especiais, e não para a detenção.
Os membros do parlamento classificaram como inapropriado o tratamento para doenças mentais oferecido aos detentos. Neste contexto, o estudo da Women For Refugee Women, apontou que 37% das detidas entrevistas afirmaram ter problemas mentais, como psicose, estresse pós-traumático e depressão. Outras 22% tentaram cometer suicídio, mais da metade pensou em se matar e mais de um terço foi colocada na ala de observação de contra suicídio. 67% não confiavam nos médicos do centro de remoção. Logo, a falha no tratamento adequado amplifica o impacto negativo nos detentos com enfermidades mentais, havendo inclusive relatos de dificuldade em obter aconselhamento psicológico para detentos que tentaram cometer suicídio.
Mais da metade das mulheres ouvidas pela Women For Refugee Women afirmaram terem sofrido abuso verbal da equipe do centro de remoção de imigrantes no qual estavam detidas, três haviam sido fisicamente agredidas e uma sexualmente atacada. Dados que reforçam o intenso impacto negativo das detenções em grupos vulneráveis, além da brutalidade de um sistema que lida com pessoas que não cometeram crimes – e, ainda que o tivessem, não o nível dos abusos registrados não poderia ser tolerado.
A constante detenção de vítimas de tortura e de tráfico de pessoas viola a própria recomendação interna do governo, ignorando sistemas oficiais criados para abrigar e tratar adequadamente aqueles que se enquadram neste perfil. A não seguir a orientação de privar da liberdade pessoas com perfil vulnerável apenas em casos “excepcionais”, a saúde mental de diversos detentos é colocada em risco, agravando traumas posteriores e desumanizando indivíduos que deixaram seus países de origem para fugir de violações de direitos humanos ou que acabaram expostos a situações degradantes como vítimas de redes criminosas de tráfico internacional de pessoas.