maio 25, 2015
Inspirada no rap, série discute a construção da identidade negra a partir da juventude periférica dos anos 1990. Com o roteiro elaborado, idealizadores do projeto procuram maneiras de financiá-lo
Por Anna Beatriz Anjos
Na próxima quinta-feira (28), a Dandara Produções Culturais promove a leitura dramática da série televisiva Rua 9, idealizada pelos cineastas Renata Martins e Renato Candido, sócios da produtora. O evento tem a intenção de aproximar o público do projeto, que terá alguns de seus trechos interpretados por integrantes dos grupos de teatro Capulanas, Clariô e Os Crespos.
Desenvolvida desde 2013, Rua 9 se passa no Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo, mas poderia se ambientar em qualquer periferia da capital. Inspirada nas músicas dos Racionais MC’s, conta a história de Zinho, um adolescente de treze anos que, na década de 1990, compreende, através do rap, sua identidade negra – e tudo o que ela acarreta em uma sociedade estruturalmente racista. “Zinho é um sobrevivente. Sobreviveu a um mundo que sempre nos disse não, onde nós nunca fomos – e não somos – possíveis”, explica Candido. “Zinho é universal, porque todo mundo tem seu processo de crescimento, e o crescer dói. Nesse caso, Zinho cresce doendo numa sociedade racista, onde o normativo é que garotos como ele, se morrem, é normal, são mais um.”
O protagonista é rodeado por personagens complexas e simbólicas. Uma delas é sua mãe, Sidinéia, que se depara com a solidão após a prisão de seu companheiro, Norberto, e precisa dar conta da criação do filho sem a ajuda de ninguém. Outra é Dandara, a menina negra empoderada principalmente pela relação com seu pai – professor de História e DJ nas épocas de bailes black –, que desperta Zinho para a consciência racial e de classe e com ele vive seu primeiro relacionamento amoroso.
Embora baseado no rap, criticado muitas vezes por trazer letras machistas, o projeto envolve uma preocupação grande com a figura feminina. “Essas mulheres [que aparecem na série] são humanizadas, não trabalhamos com a objetificação de seus corpos. O que importa são as ações delas, como se colocam no mundo, a forma com que resolvem as suas questões”, considera Martins.
Por meio dessas histórias, Rua 9 quer, sobretudo, discutir a questão racial no Brasil e retratar como o processo de afirmação da identidade negra pode ser libertador. “Vivemos num país onde a miscigenação é um projeto político. A partir do momento em que você se entende enquanto sujeito negro, compreende como a sociedade vê um sujeito negro, e aí você consegue mudar as estruturas”, argumenta Martins. “Quando Zinho se entende como um garoto negro, e ser negro é bacana, de alguma forma ele se conecta com outros meninos negros.”
A problemática racial permeia toda a trajetória do projeto, desde sua criação até as primeiras etapas de produção. Para construi-lo, Martins e Candido contrataram outros profissionais negros, como o escritor Ademiro Alves, mais conhecido como Sacolinha, e a cineasta e roteirista Joyce Prado. A ideia é fomentar e fortalecer sua atuação, já que o mercado audiovisual é dominado por brancos. Rua 9 pretende quebrar essa cadeia de subrepresentação e invisibilização, começando pela própria direção e concepção da obra, exercidas por indivíduos negros, que procuram combater os estereótipos relacionados a seu universo.
A própria escolha da época em que se passa a série e do gênero musical que lhe dá a tônica é uma dessa tentativa. “A gente viveu os anos 90. A nossa adolescência se pautou ali, foi quando o rap estourou. Era uma linguagem, uma música a que a gente tinha muito acesso, porque era feita da periferia para a periferia”, conta Martins. “O rap nos anos 90 organizou, como discurso, as várias angústias diárias que a gente vivia na época – de levar tapa na cara da ROTA, por exemplo. Seja na quebrada, seja no fluxo para o centro”, pontua Candido.
Com a proposta bem delimitada, o próximo passo é garantir os recursos para viabilizar a filmagem de Rua 9. A pesquisa e elaboração do roteiro foram financiados pela Secretaria de Cultura de São Paulo em conjunto com a SPCine, empresa de cinema e audiovisual da capital paulista. Os autores buscam consolidar parcerias e aceitam doações para levar adiante a primeira série televisiva protagonizada por negros em todas as esferas. “Esse é um desafio que profissionais do cinema e da cultura periférica enfrentam: consolidar formas financeiras sustentáveis para a execução dos seus trabalhos. Mas a luta é essa e estamos atentos às possibilidades para rodarmos a série o quanto antes”, completa Martins.
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