A ativista boliviana Julieta Montaño é a única latino-americana a ganhar este ano o Prêmio Mulheres de Coragem, do governo dos EUA. Em entrevista à DW, ela fala dos desafios da defesa dos direitos femininos.
08.03.2015
Victoria Dannemann
Entre dez outras mulheres de todo o mundo, ela é a única latino-americana a receber este ano o Prêmio Internacional Mulheres de Coragem. Apesar de sua extraordinária coragem em tempos de ditadura e de seu trabalho persistente denunciando os abusos contra as mulheres, ela recebe com muita humildade a homenagem, oferecida anualmente a mulheres de destaque no mundo pelo Departamento de Estado dos EUA, desde 2007.
A advogada Julieta Montaño, ativista e fundadora do Escritório Jurídico para a Mulher (OJM, na sigla em espanhol) se junta, assim, a outras latino-americanas premiadas em anos anteriores, como a jornalista colombiana Jineth Bedoya Lima, a blogueira cubana Yoani Sánchez e a major da PM Priscila de Oliveira Azevedo, primeira comandante de uma Unidade de Polícia Pacificadora no Rio. Em 2012 ela foi a primeira – e até agora, única – brasileira a receber o prêmio.
Em Washington, onde recebeu a homenagem das mãos da vice-secretária de Estado dos EUA, Heather Higginbottom, ela conversou com a Deutsche Welle.
DW:Como a senhora se sentiu ao saber que havia sido nomeada uma das Mulheres de Coragem de 2015?
Advogada e ativista Julieta Montaño |
Pessoalmente, como a senhora recebe este reconhecimento?
Estou muito feliz, é recordar tudo o que me impulsionou a prosseguir até agora, me lembrando dos momentos felizes e dos momentos dolorosos que vivi com as pessoas cujos direitos foram violados.
E qual é a sua avaliação, ao fazer essa recordação?
Em alguns aspectos, estamos melhores, como no reconhecimento normativo e social dos direitos das mulheres. Mas temo que não consigamos dar o salto do discurso à prática cotidiana. No mundo inteiro, parece haver uma espécie de renascimento e exacerbação do patriarcado, e as formas de violência contra as mulheres estão cada vez mais cruéis, incluindo as de organizações religiosas e políticas, como o Boko Haram ou o "Estado islâmico". Os fatos mostram que as vítimas preferidas para se causar danos ao inimigo somos nós, mulheres.
Como a senhora vê a situação na América Latina?
Todos os governos tentam ser politicamente corretos e se mostrar muito progressistas, mas não se atrevem a colocar em prática tudo aquilo que dizem em seus discursos e leis. Para começar, as instituições responsáveis por políticas de gênero são as mais fracas dentro dos Estados e as que têm menor orçamento. Não há realmente um desejo de que os 50% da sociedade exerçam seus plenos direitos.
A senhora mantém sempre suas críticas, independente de quem está no poder. A que de deve isso?
Enquanto organizações políticas estão na oposição, aspirando a tomar o governo, levantam bandeiras dos direitos das mulheres, dos povos indígenas, das crianças e dos portadores de deficiência. Mas quando chega a hora, deixam de lado o que parecia ser uma prioridade. Estou convencida de que nós, defensores dos direitos humanos, não podemos nos alinhar com governo algum, por mais que eu possa ter as minhas simpatias pessoalmente. Porque a partir do momento em que os governos exercem o poder, sempre vão ser propensos ao desrespeito e à violação dos direitos de algum grupo.
Quais são os momentos mais dolorosos de que se lembra ao olhar para trás?
Os mais difíceis foram as ditaduras, quando sofremos a dor da morte e do desaparecimento de companheiros e pessoas conhecidas. A perseguição política, a repressão, o sequestro. Eu estive lembrando muito nestes dias de minha mãe que, apesar de não entender porque eu estava metida nessas coisas, teve que sofrer muito ao ver que eu havia sido presa ou que me tinham sequestrado com um neném nos braços.
O que a fez criar o Escritório Jurídico para Mulheres (OJM), que agora dirige?
Fundamos o OJM em 1984, como uma espécie de rebeldia, porque depois de lutar tanto pelo retorno da democracia, a ditadura continuava ainda dentro das casas, e as mulheres continuavam a ser vítimas, incluindo aquelas que tinham sido vítimas de perseguição política. O machismo não havia mudado, mesmo com toda a perseguição sobre muitos companheiros. Fundamos o OJM para ajudar as mulheres a exercerem seus direitos e também para representá-las em litígios, quando necessário.
Esse clima de machismo e de ditadura diminuiu dentro da família?
Os dados nos dizem que houve muito pouco progresso. Muitas mudanças são cosméticas, porque a verdade é que agora o machismo não é tão brutalmente ostentado. Pelo menos, os homens têm um pouco de instrução e querem ser politicamente corretos. Mas o caminho ainda é muito longo, porque o sexismo também se expressa muito dissimuladamente. A realidade é gritante: a Bolívia ocupa o primeiro lugar em violência sexual e o segundo em violência global contra as mulheres na América Latina, de acordo com a OMS e o PNUD.
Que desafios a senhora enfrenta hoje como um defensora e líder feminina?
O objetivo é que os Estados honrem seus compromissos. É perturbador quão facilmente se assinam tratados e convenções internacionais, planos de ação globais ou regionais. E no entanto, quando chega a hora, os Estados fazem de tudo para não cumprir ou simplesmente cumprir só aquilo que não acarrete um maior compromisso econômico ou institucional. O desafio é que, juntas, as organizações de mulheres em todo o mundo pressionem os governos e os Estados, para que eles honrem as suas promessas em relação a mais da metade da população mundial. Já é hora que nossas necessidades passem a ser dignas de consideração, não apenas passíveis de atos de caridade ou de concessões paternalistas.
DW
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