Eugenio Mussak
Finalmente visitei a Opéra de Paris. Sempre tive atração por aquele monumento também conhecido pelo nome de Opéra de Garnier, em homenagem a seu arquiteto. Queria ver a arquitetura neoclássica, o impressionante sistema construtivo, que permitiu levantar um palácio em cima de um pântano e conhecer melhor sua história, que se confunde com algumas revoluções, tão caras aos franceses. Mas, confesso, meu maior fascínio era uma ficção. Sim, pois teria sido aquele lugar fantástico o lar de um personagem misterioso, temido, injustiçado. Estou me referindo ao Erik, o fantasma. O Fantasma da Ópera. Quando vi o lustre de sete toneladas pendurado sobre o auditório de poltronas de veludo vermelho, por exemplo, não pude não ficar tentando entender como ele o teria derrubado. E como ele teria provocado o blackout instantâneo para sequestrar Christine do palco. Por qual porta ele teria saído? Para onde ele a teria levado? Coisas da imaginação... Na verdade, três histórias se encontram naquele lugar. A da ópera em si, a do fantasma e a do mito em que ele se transformou. A ópera foi uma encomenda do imperador Napoleão II ao prefeito de Paris, o genial urbanista Georges-Eugène, o barão de Haussmann, em 1858. O prefeito, que estava redesenhando Paris no traçado que tem até hoje, definiu o local e abriu concorrência entre arquitetos de toda a Europa. O vencedor foi Charles Garnier, com um projeto impressionante. Seria caríssimo, mas era compatível com o espírito de grandeza da época. Um rio subterrâneo quase invibilizou a obra, que só prosperou graças à teimosia de Haussmann que não queria mudar o local, pela competência do próprio arquiteto e pela fortuna que o imperador resolveu investir. O terreno foi sendo “encaixotado” com pedras e betume, formando um lugar seco para os alicerces. Hoje há um lago no subterrâneo, onde a fundação é constantemente verificada por engenheiros. A obra acabou sendo interrompida durante a revolução que depôs o imperador. Então, os porões da ópera foram usados como prisão, local de tortura e morte. Foi daí que surgiu a lenda de que os fantasmas daqueles que lá morreram circulam pelas salas e corredores para sempre, aprisionados naquele lugar. No começo do século 20, um dos frequentadores do ópera era o jornalista e escritor Gaston Leroux, autor de contos e romances ligeiros, que estava em busca de uma obra definitiva. Fã de Victor Hugo, Bram Stoker e Mary Shelley, Leroux queria seu próprio Quasímodo, Drácula ou Frankenstein. Foi quando, em 1910, na ópera, teve a ideia de criar um fantasma... seu Fantasma, para assombrar o imaginário e a emoção dos leitores. A história de Erik, um ser misterioso, de aparência horrível, que se apaixona por uma bela soprano e termina por raptá-la, provocou interesse nos meios literários, mas logo caiu em esquecimento. Gaston Leroux não era, definitivamente, um Victor Hugo. Mas, o que lhe faltava em estilo foi compensado por uma dose de sorte. Em uma noite cultural de Paris, acabou conhecendo um americano judeu baixinho, chamado Carl Laemmle, que era, simplesmente, presidente da Universal Motion Pictures de Hollywood.
Por sorte ele tinha um exemplar de seu livro no bolso. Por sorte o americano teve insônia naquela noite. Por sorte o leu, e gostou do que leu. Por sorte ele tinha recém-produzido um filme sobre o corcunda de Notre-Dame, numa Paris cenográfica caríssima, que podia ser aproveitada para outra produção. O filme foi feito e deu início a uma nova fase do Fantasma. Depois desta, outras versões surgiram, sendo o personagem interpretado por atores, como Lon Chaney, Claude Rains e Maximilian Schell, cheios de intervenções no texto original. Mas foi um desconhecido produtor teatral de Londres que provocou, sem querer, a nova virada na carreira do Fantasma. Sua montagem, em um pequeno teatro ao leste da cidade, não fez sucesso, mas quis o destino que, entre os espectadores, estivesse um conterrâneo seu chamado Andrew Lloyd Webber, que se transformaria em um fabuloso produtor, diretor e homem de negócios. E que foi responsável pela ressignificação dos musicais, entre eles as famosas histórias de Cats, Evita e Sunset Boulevard.
E foi Webber que lançou um novo olhar sobre a história de Monsier Leroux. Até então a trama era trabalhada como uma história de terror. No lançamento do filme, por exemplo, em um bem bolado plano de marketing, havia sais aromáticos no saguão do cinema para acudir as madames mais exaltadas. O Fantasma de então era um thriller. Só Webber percebeu que aquela tragédia era, na verdade, uma história de amor. A partir de então, tudo mudou para Erik, o Fantasma da Ópera. Agora ele seria um herói, um homem destituído de beleza física, marginalizado pelo preconceito, atormentado pela solidão, mas forte o suficiente para sobreviver à desgraça e para lutar por seu ideal de amor, Christine. O musical de Lloyd Webber acabou sendo o mais visto de todos os tempos. Dezenas de montagens já foram realizadas, inclusive em São Paulo. Milhões de pessoas em todo o mundo já derramaram lágrimas ao ouvir Christine cantando “In sleep, he sang to me, in dreams he came…” e o Fantasma respondendo “Sing once again with me, our strange duet...”. Impossível não se emocionar.
Essa história toda me faz refletir sobre a importância do novo olhar. Ver o que não se viu ainda. Procurar diferentes ângulos, estabelecer novas relações, criar perspectivas inéditas. Webber é Webber porque percebeu o amor do Fantasma, o drama humano de Evita, a alegria dos gatos de beco. Todos já vimos um gato. Quantos de nós o imaginou cantando “Memory”? Mas ninguém precisa ser Webber, Lammle, Garnier, nem Ledoux. Não precisamos escrever livros, construir teatros, produzir filmes ou musicais como exercício para o novo olhar sobre a vida. Basta perceber com novos olhos nosso cotidiano, o trabalho, o casamento. Esse é um exercício simples, que produz resultados igualmente mágicos e transformadores. Como disse Christine, em um dos diálogos com o Fantasma: “Não pense em como as coisas poderiam ter sido. Pense em como elas podem vir a ser”.
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