O método de defesa pessoal capaz de reduzir o risco de agressão sexual em universidades
CRISTIANE SEGATTO
15/06/2015
O estupro coletivo de quatro adolescentes em Castelo do Piauí, cometido com chocante crueldade, é um daqueles episódios que abalam nossa confiança na viabilidade da espécie humana.
O segundo impulso de quem toma conhecimento de barbaridades desse tipo é supor que elas estejam restritas aos ambientes pouco desenvolvidos. Coisa dos rincões carentes de educação, saúde e respeito às leis, onde tudo se resolve à bala e mulher não vale nada.
É um erro. Mudam os detalhes, os cenários, a sanha dos agressores, mas um estupro é sempre um estupro. Um crime hediondo que não pode ser abafado onde quer que ele ocorra. Seja no interior do Piauí, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nas mais disputadas instituições de ensino americanas, canadenses ou europeias.
O colchão que a aluna da Universidade Columbia arrasta por onde vai, até mesmo durante a cerimônia de formatura, simboliza a verdade inconveniente que ronda as melhores instituições de ensino superior do Brasil e do Exterior.
Estupros são frequentes nesses ambientes e, em geral, não são cometidos por estranhos. Uma boa medida da seriedade das instituições é a forma como lidam com cada agressão sexual – todas elas inaceitáveis. A prática típica no Brasil é tentar abafar o caso, bem diferente do que algumas universidades canadenses têm feito.
Recentemente, as alunas do primeiro ano foram convidadas a participar de um treinamento para prevenir agressões sexuais nas universidades Calgary, Alberta, Windsor e Guelph. Além das aulas curriculares e das atividades extras, as calouras de faculdades de alto nível de um dos países mais desenvolvidos do mundo, têm de se preocupar em fazer um cursinho antiestupro.
Seria bizarro se a realidade não fosse ainda mais. É preciso assumir que iniciativas desse tipo, ou qualquer outra medida para acabar com os estupros em ambiente universitários, são necessárias. Na semana passada, um estudo publicado no The New England Journal of Medicine comprovou que um treinamento bem estruturado realmente funciona.
Um programa completo de defesa pessoal criado pela professora de psicologia social Charlene Y. Senn, da Universidade de Windsor, foi capaz de reduzir o risco de estupro. Ele é baseado noWen-Do, um método de autodefesa psicológica e física (com golpes e outros movimentos de ataque) para mulheres.
Durante a pesquisa canadense, 893 universitárias foram divididas em dois grupos. O risco de estupro no grupo que recebeu o treinamento completo foi de 5%. Metade do índice verificado entre as voluntárias que receberam apenas apostilas e assistiram a uma palestra.
O risco de sofrer uma tentativa de estupro foi ainda mais baixo (3,4%) entre as que participaram do programa, em comparação com o grupo que não participou (9,3%).
“A cada 22 universitárias que participam do programa, é possível evitar um estupro no período de um ano”, concluiu Charlene, no artigo. Abaixo, quatro observações e conselhos da psicóloga para reduzir o risco de estupro no ambiente universitário.
Saiba identificar as situações de risco de estupro
Muitas garotas temem ser atacadas por estranhos ao caminhar à noite ou no momento em que saem do carro. Subestimam o fato de que cerca de 80% dos estupros são cometidos por conhecidos e ocorrem nas proximidades de casa ou da escola.
O que aumenta o risco de estupro é estar isolada. Isso dá uma vantagem ao agressor. Uma situação de alto risco: entrar, durante uma festa, num cômodo onde ninguém possa ouvi-la. O ideal é dizer aos colegas onde está indo e pedir que alguém verifique se está tudo bem depois de certo tempo.
Confie nos seus sentimentos
Antes do ataque, é comum que as mulheres percebam algo estranho no comportamento do agressor. Em geral, ele age de uma forma que as faz sentir desconfortáveis. Olhares, movimentos ou outros detalhes. As mulheres não deveriam menosprezar esse sentimento. Ao perceber qualquer atitude ou intenção inadequada, o melhor é buscar refúgio ou companhia de pessoas de confiança.
Aceite o fato de que o agressor pode ser um conhecido
As garotas têm dificuldade de entender que um colega ou conhecido possa representar uma ameaça. Quando percebem uma aproximação indesejada, elas tendem a achar que precisam ser educadas para não ferir os sentimentos do outro. É uma reação compreensível, mas que costuma retardar uma ação que poderia evitar o estupro.
Um exemplo: a garota divide o dormitório da universidade ou o apartamento com uma amiga. Está sozinha em casa, mas o namorado da amiga insiste em entrar. Se o rapaz der sinais de que tem más intenções, a garota pode demorar a agir ao imaginar que a amiga ficaria triste se ela fosse rude ou agressiva.
“Se fosse um estranho, talvez a garota não hesitasse em enfiar as chaves nos olhos dele”, diz Charlene. Um dos objetivos do programa é ensinar as universitárias a identificar essas situações e romper as barreiras emocionais que as impedem de agir rapidamente.
Use resistência verbal ou física
Se o agressor é um conhecido, a reação normal das garotas é implorar que ele pare. “Infelizmente, em geral isso não funciona”, diz Charlene. A forma mais eficaz de evitar uma agressão sexual é reagir verbalmente de forma enérgica. “Aproximar-se do rosto do agressor, xingá-lo e aplicar técnicas de defesa pessoal.”
O que achou dos conselhos? É possível que sejam úteis em algumas circunstâncias, mas nada disso vale se o agressor estiver armado. Nesses casos não se deve reagir. O programa de Charlene me parece uma iniciativa louvável por reconhecer, antes de tudo, que o problema existe e precisa ser assumido pelas instituições e pelas autoridades.
Mais uma vez, o ônus da prevenção é lançado sobre as mulheres. Não deveria ser assim. Seja como for, aprender a mostrar os dentes quando necessário nunca é demais.
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