Por Vivian Alt em
Apesar dos bilhões de dólares gastos, número de novos casos cresce a cada ano
Em 2013, organizações internacionais, governos e setor privado gastaram juntos mais de US$ 19 bilhões em programas relacionados a Aids em países em desenvolvimento. Este valor, segundo a especialista Elizabeth Pisani, seria mais do que o suficiente para impedir novos casos da doença em todo mundo. Então, o que está dando errado e por que estamos perdendo a luta contra uma epidemia que já deveria ter sido contida? Em seu famoso livro, The Wisdom of Whores: Bureaucrats, Brothels and the Business of Aids, Pisani mostra que o maior problema não é quanto dinheiro se gasta, mas para onde essa quantia está indo.
Apesar de novos casos de Aids serem menores quando comparados às décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000, essa redução só ocorreu ao se juntar dados de todos os países do mundo. Ao analisar caso a caso é possível encontrar países onde a Aids se espalha em números alarmantes, comprometendo o desenvolvimento social e econômico de muitas nações. O censo de 2012 na África do Sul, por exemplo, mostra que 12,2% da população possui o vírus HIV e que entre 2008 e 2012 o país registrou 1,2 milhão de novos casos. Em algumas regiões, como KwaZulu-Natal a situação é muito mais dramática e a incidência chega a 16,9% da população, ou seja, uma a cada seis pessoas é soropositiva.
Elizabeth Pisani, que durante 15 anos trabalhou com o UNAIDS em projetos de prevenção, conta como tudo começou. Segundo a especialista, apesar da epidemia crescer a passos largos durante as décadas de 1980 e 1990, a doença ainda era vista como uma “doença de homossexuais e usuários de drogas”. Desse modo, os recursos financeiros direcionados à prevenção e ao tratamento eram bastante restritos, pois políticos não queriam gastar parte do orçamento com políticas que não faziam sucesso entre eleitores. O relatório lançado pelo UNAIDS em 1998, fez com que a Aids deixasse de ser vista como a doença de alguns grupos para se tornar um problema universal e desde então bilhões de dólares foram direcionados para prevenção e tratamento da doença.
A palavra universal é a chave para entender o aumento dramático dos gastos no combate da epidemia e também para entender o porquê de os recursos não estarem resolvendo o problema. O professor da London School of Economics and Political Sciences, Hakan Seckinelgin, argumenta que a forma como as pessoas interagem com a doença (seja se possuem ou não Aids) é um fenômeno social, uma vez que os meios de contrair o vírus estão relacionados majoritariamente a hábitos sociais. Portanto, é observando tais hábitos que se sabe como o vírus se espalha em um país e porque iniciativas para prevenção e até mesmo tratamento funcionam ou não.
Em Gana e Nigéria, por exemplo, a grande maioria de novos casos de Aids está relacionada à prostituição, enquanto na Indonésia existe uma vasta gama de fatores que contribuem para tal, como uso de seringas não descartáveis, troca de sexo por dinheiro (muitos casos não são considerados como prostituição na cultural local), prostituição e sexo desprotegido com mais de um parceiro. Dessa forma, políticas de prevenção em Gana não devem ser as mesmas que na Indonésia. Parece óbvio, mas não é. Ao olhar atentamente para diferentes países, é possível notar como hábitos sociais influenciam quais serão os grupos de maior risco em um determinado lugar. As exigências atreladas aos fundos disponíveis, entretanto, tem os mesmos critérios para todos os países Logo, conclui-se que segundo os doadores, as campanhas de prevenção devem ser as mesmas.
Para entender melhor essa afirmação, é importante analisar os doadores, uma vez que são eles quem determinam para onde o dinheiro irá e como ele deve ser gasto. Os maiores financiadores de projetos de prevenção de Aids em nível mundial na atualidade são Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega e Irlanda. Estes países contribuem para 42% do total gasto com programas sociais de prevenção e tratamento da Aids. Países de média e baixa renda em geral auxiliados por instituições como Banco Mundial, ONU e o Fundo Global de Luta contra Aids, que contribuem com 50% do total e os demais 8% vêm do setor privado (fundações como a de Bill Gates e Bill Clinton). Segundo Pisani, a considerável e louvável contribuição dos países desenvolvidos é permeada por ideologias que muitas vezes prejudicam a eficiência de projetos de prevenção de Aids.
Observando o caso dos Estados Unidos, de longe o maior doador mundial, a influência que a ideologia possui na alocação dos fundos torna-se clara. Em 2003, o então presidente George W. Bush criou o Plano Emergencial do Presidente para Aids (PEPFAR). Entre 2003 e 2008, o plano dispunha de US$ 15 bilhões e entre 2008 e 2013, o valor chegou a US$30 bilhões. Apesar do orçamento astronômico, a série de critérios para obtenção desses recursos tornam difícil que projetos sensatos de prevenção consigam receber apoio. Por exemplo, uma ONG na Indonésia que trabalhe com profissionais do sexo não poderia receber financiamento do PEPFAR, nem mesmo uma ONG que trabalhe com reabilitação de usuários de drogas. Se considerarmos que no país estes são os grupos de maior risco, os fundos do PEPFAR pouco contribuem para o combate à epidemia.
O PEPFAR ainda prioriza organizações relacionadas a instituições religiosas. Tal relação se torna problemática porque muitos destes projetos priorizam abstinência e não uso de preservativos como forma de prevenção. No Plano inicial, um terço de todo orçamento voltado para programas de prevenção deveria ser gasto com programas de incentivo à abstinência. Começa a se entender então porque os recursos mundiais disponíveis para prevenção e tratamento da Aids, ainda que abundantes, não conseguem ser efetivos. Além destas restrições, outro problema enfrentado por muitos países é a postura de governos federais no combate à epidemia. Em casos de sucesso em países em desenvolvimento, como Brasil, Senegal e Uganda, houve políticas governamentais sérias em âmbito nacional para vencer a a luta contra a doença.
O Brasil, por exemplo, apesar do enorme preconceito contra os soropositivos, iniciou campanhas de prevenção ainda na década de 1980. Foi durante a década de 1990, contudo, que os projetos de pesquisa e tratamento cresceram significativamente e as campanhas de prevenção se tornaram de fato efetivas. Tais campanhas foram um marco na história do País por envolver incentivo ao uso de preservativos em propagandas em canais da TV aberta e por promover uma discussão séria sobre o tema. Ainda que possa ter ocorrido uma feminização da Aids, como aponta Graziele de Amorim, o governo não cedeu às pressões de líderes religiosos e desenvolveu campanhas eficazes de prevenção. Países onde a religião também possui forte influência na população e no governo, Uganda e Senegal seguiram caminho similar ao do Brasil e também obtiveram resultados positivos.
Assim, países onde o governo central não adotou postura firme em relação ao combate da epidemia, ficaram à mercê de ONGs e outras instituições internacionais para implementar projetos de prevenção e tratamento. Contudo, além de não possuírem a legitimidade e os recursos de governos para que seus projetos tenham alcance nacional, tais organizações dependem dos critérios dos grandes doadores como o PEPFAR para implementar seus programas. Programas sérios e de alcance nacional são a única forma de conter a Aids em países onde ainda existe epidemia. Contudo, uma maior regularização dos fundos internacionais disponibilizados no combate à doença também se faz necessária com urgência.
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