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sexta-feira, 19 de junho de 2015

‘Quase Samba’ quer confrontar o Brasil com afeto

 
Ricardo Targino esteve na Marcha dos Cem Mil de Brasília (1999) e ocupou Wall Street. Fez doutorado em Comunicação Audiovisual pela Universidade Autônoma de Barcelona, onde desenvolveu a tese sobre a mise-en-scène do marketing eleitoral e da publicidade política. Por toda essa postura ativista, faz sentido que seu primeiro longa-metragem, Quase Samba, tenha uma preocupação social, não apenas em sua trama, mas também na forma com que chega ao público.
 
Para além dos métodos de distribuição tradicional, Targino propõe que o público organize exibições públicas. O convite está no site oficial da produção e é aberto a qualquer um que more em cidades onde Quase Samba não esteja em cartaz. O cineasta está disposto a acompanhar as sessões, conforme a agenda permitir. Na semana que antecedeu a estreia fez uma maratona que incluiu, nesta ordem, o último cine drive-in em atividade no País, em Brasília, a Praça Roosevelt, em São Paulo, o Cine Paseo, em Salvador, e a organização Capão Cidadão, novamente na capital paulista.
 
Por todo o contexto, alguém pode imaginar que se trata de uma obra panfletária, com discursos em tom de denúncia e cenas chocantes. O caminho, porém, é radicalmente diferente. O filme é marcado por uma textura delicada e onírica, que, em vez de pegar um megafone, canta suave na voz de Mariene de Casto, a protagonista.
 
Ela é Teresa, grávida de oito meses, que mora com a mulher trans Shirley (Cadu Fávero, impressionante). As duas moram juntas e vão levando a vida: a primeira divide o tempo entre o seu primeiro filho, o emprego numa cooperativa de táxi e as aparições como cantora no rádio; a segunda toca um salão de beleza.
 
A tranquilidade é interrompida com o reaparecimento de Charles (João Baldasserini), um antigo namorado de Teresa disposto a reatar, sem saber que ela está envolvida num relacionamento abusivo com o policial Fernando (Otto). É deste triângulo que explode o conflito principal.
 
A trama, de narrativa fragmentada, vai apresentando outras figuras do ambiente: um vizinho que os observa obsessivamente, o instalador de TV a cabo disposto a armar esquema com a milícia, um caso amoroso de Shirley. Em poucas cenas, eles ajudam a compor o quadro de uma comunidade imaginária que poderia estar localizada em qualquer canto do Brasil.
 


Targino trata seus personagens com o mesmo afeto que dispensa aos quadros de seu filme. Fotografia, cores, direção de arte e maquiagem formam na tela uma mistura fina e bela, em que amarelo e roxo predominam em tons fortes, lançando um brilho incomum a esta realidade vivida por tanta gente.
 
Há um quê de Almodóvar pairando. Não como cópia, mas sim pelo diálogo com outro cineasta que joga tão bem com o universo colorido e feminino. Chegando às ruas no momento em que muito se discute como a cultura retrata mulheres e homossexuais, Quase Samba se faz ainda mais fundamental no projeto de estabelecer uma nova forma de colocar estes grupos em nova posição, também no imaginário popular.
 

 

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