A música indignada e linda da cantora volta à tona em uma enxurrada de produções que estreiam neste ano. Sua mensagem não envelheceu
NINA FINCO, COM RUAN DE SOUSA GABRIEL
03/07/2015
Em 1963, uma bomba explodiu dentro de uma igreja batista, em Birmingham, no Estado americano do Alabama. Quatro meninas negras que saíam da aula de estudos bíblicos morreram. Dentre as muitas reações ao ataque, uma surgiu em forma de canto. A cantora e pianista de jazz Nina Simone levou uma hora – isso mesmo, 60 minutos – para compor “Mississippi Goddam”. A melodia alegre contrastava ironicamente com a letra: Alabama me deixou chateada/Tennessee me fez perder meu descanso/e todo mundo sabe sobre o Mississippi, droga!. “Mississippi Goddam” é uma canção sobre ativistas pelos direitos civis que estavam perdendo a paciência com a violência a sua volta – composta por uma mulher notoriamente impaciente: Ah, mas este país está cheio de mentiras/Vocês todos vão morrer como moscas.
No último dia 18, uma tragédia parecida, motivada por idêntico ódio racial, abalou outra cidade americana: Charleston, na Carolina do Sul. Dylaan Froof, um branco de 21 anos, abriu fogo contra uma igreja histórica da comunidade negra local, causando a morte de nove pessoas. Se estivesse viva, Nina, que morreu de câncer de mama em 2003, talvez fizesse uma nova canção de protesto. Sua música carregada de indignação parece tão atual quanto há 50 anos. Não por coincidência, 2015 está trazendo uma safra de lançamentos que têm por objetivo lembrar, discutir e celebrar o talento – e a coragem – de Eunice Waymon, nascida em 1933 na Carolina do Norte, filha de uma pastora metodista e de um marceneiro.
Até o final do ano, serão lançadas quatro obras dedicadas à vida da cantora: o documentário cinematográfico The amazing Nina Simone, o filme biográfico Nina e o disco-tributo Nina revisited. Além disso, o aguardado documentário What happened, Miss Simone?, dirigido por Liz Garbus, estreou no Netflix na sexta-feira, dia 26. Gravações inéditas, imagens raras de arquivo e suas músicas mais populares exploram a mistura pouco ortodoxa que foi Nina: voz profunda e andrógina, piano, música clássica, gospel, jazz, bipolaridade (diagnosticada apenas no fim da vida) e ativismo negro. Nas cenas de What happened, ela pergunta “Como você pode ser um artista e não refletir os tempos? Para mim, essa é a definição de um artista”. Nos anos 1960 e 1970, a consciência política exaltada de Nina assustava executivos de marketing e promotores musicais. Hoje, constituem seu maior atrativo para os movimentos gay, lésbico, negro e feminista, que a tomam como musa. Além de negra e militante, Nina era bissexual.
“Nina nunca deixou de ser relevante. Seu ativismo era certeiro, único, forte, dito com paixão e assertividade”, afirma a diretora do documentário sobre a cantora, Liz Garbus, em entrevista ao jornal The New York Times. Para ela, o motivo da volta triunfal de Nina é que, embora não se possa comparar a época atual com os anos 1960, as coisas não mudaram tanto assim. Ela cita os protestos contra as mortes de negros desarmados por policiais nos Estados Unidos. “O discurso dela continua válido”, afirma.
A tentativa de dar novo sopro ao talento de Nina não vem de hoje. Desde sua morte, diversos álbuns, entrevistas e concertos inéditos inundaram o mercado. Porém, uma porção de ações judiciais sobre os direitos a suas gravações originais impediu um sucesso maior das vendas. Ao mesmo tempo, o interesse pelo conteúdo da música de Nina e de seus atos ainda não era tão intenso.
Várias polêmicas recaem sobre o legado de Nina. A primeira permeia o filme biográfico Nina, programado para estrear no fim do ano. A escolha da atriz Zoe Saldana para o papel principal não agradou a ninguém. O problema é de aparência. Nina possuía traços africanos fortes, enquanto Zoe tem feições latino-americanas. A insatisfação aumentou quando apareceram fotos de Zoe com a pele escurecida pela maquiagem e uma prótese nasal. Protestos na internet pediram o boicote do filme.
A última controvérsia se refere aos gostos pessoais de Nina. Ela viu a ascensão do hip-hop, mas não gostou do que ouviu. “O hip-hop arruinou a música”, dizia. Na última semana, a cantora Lauryn Hill deu batida hip-hop a sua versão de “Ain’t got no – I got life” e regravou o sucesso “Feeling good”. Ambas fazem parte do álbum Nina revisited, que será lançado no dia 10 de julho nos Estados Unidos, com gravações de artistas de diversos estilos. Mais uma prova de que a mensagem de Nina é atual e pode vir em nova roupagem. “O discurso de Nina faz cada vez mais sentido”, afirma o crítico musical Zuza Homem de Mello. “O fascínio por ela combina com os novos tempos.” O público pode aplaudi-la – mais uma vez.
No último dia 18, uma tragédia parecida, motivada por idêntico ódio racial, abalou outra cidade americana: Charleston, na Carolina do Sul. Dylaan Froof, um branco de 21 anos, abriu fogo contra uma igreja histórica da comunidade negra local, causando a morte de nove pessoas. Se estivesse viva, Nina, que morreu de câncer de mama em 2003, talvez fizesse uma nova canção de protesto. Sua música carregada de indignação parece tão atual quanto há 50 anos. Não por coincidência, 2015 está trazendo uma safra de lançamentos que têm por objetivo lembrar, discutir e celebrar o talento – e a coragem – de Eunice Waymon, nascida em 1933 na Carolina do Norte, filha de uma pastora metodista e de um marceneiro.
Até o final do ano, serão lançadas quatro obras dedicadas à vida da cantora: o documentário cinematográfico The amazing Nina Simone, o filme biográfico Nina e o disco-tributo Nina revisited. Além disso, o aguardado documentário What happened, Miss Simone?, dirigido por Liz Garbus, estreou no Netflix na sexta-feira, dia 26. Gravações inéditas, imagens raras de arquivo e suas músicas mais populares exploram a mistura pouco ortodoxa que foi Nina: voz profunda e andrógina, piano, música clássica, gospel, jazz, bipolaridade (diagnosticada apenas no fim da vida) e ativismo negro. Nas cenas de What happened, ela pergunta “Como você pode ser um artista e não refletir os tempos? Para mim, essa é a definição de um artista”. Nos anos 1960 e 1970, a consciência política exaltada de Nina assustava executivos de marketing e promotores musicais. Hoje, constituem seu maior atrativo para os movimentos gay, lésbico, negro e feminista, que a tomam como musa. Além de negra e militante, Nina era bissexual.
“Nina nunca deixou de ser relevante. Seu ativismo era certeiro, único, forte, dito com paixão e assertividade”, afirma a diretora do documentário sobre a cantora, Liz Garbus, em entrevista ao jornal The New York Times. Para ela, o motivo da volta triunfal de Nina é que, embora não se possa comparar a época atual com os anos 1960, as coisas não mudaram tanto assim. Ela cita os protestos contra as mortes de negros desarmados por policiais nos Estados Unidos. “O discurso dela continua válido”, afirma.
A tentativa de dar novo sopro ao talento de Nina não vem de hoje. Desde sua morte, diversos álbuns, entrevistas e concertos inéditos inundaram o mercado. Porém, uma porção de ações judiciais sobre os direitos a suas gravações originais impediu um sucesso maior das vendas. Ao mesmo tempo, o interesse pelo conteúdo da música de Nina e de seus atos ainda não era tão intenso.
Várias polêmicas recaem sobre o legado de Nina. A primeira permeia o filme biográfico Nina, programado para estrear no fim do ano. A escolha da atriz Zoe Saldana para o papel principal não agradou a ninguém. O problema é de aparência. Nina possuía traços africanos fortes, enquanto Zoe tem feições latino-americanas. A insatisfação aumentou quando apareceram fotos de Zoe com a pele escurecida pela maquiagem e uma prótese nasal. Protestos na internet pediram o boicote do filme.
A última controvérsia se refere aos gostos pessoais de Nina. Ela viu a ascensão do hip-hop, mas não gostou do que ouviu. “O hip-hop arruinou a música”, dizia. Na última semana, a cantora Lauryn Hill deu batida hip-hop a sua versão de “Ain’t got no – I got life” e regravou o sucesso “Feeling good”. Ambas fazem parte do álbum Nina revisited, que será lançado no dia 10 de julho nos Estados Unidos, com gravações de artistas de diversos estilos. Mais uma prova de que a mensagem de Nina é atual e pode vir em nova roupagem. “O discurso de Nina faz cada vez mais sentido”, afirma o crítico musical Zuza Homem de Mello. “O fascínio por ela combina com os novos tempos.” O público pode aplaudi-la – mais uma vez.
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