Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

sexta-feira, 10 de julho de 2015

"E se eu der um soco na cara daquela mulher?"

CRISTIANE SEGATTO
06/07/2015
 
Atire a primeira pedra aquele que nunca se surpreendeu com o caráter vil, imoral ou bizarro dos próprios pensamentos. Quem nunca foi assaltado por reflexões intrusivas e assustadoras do tipo “E se eu pular na frente desse ônibus?” ou “E se eu der um soco na cara daquela mulher?”. Acontece com todo mundo.
   
Uma pessoa normal pode ter 4 mil pensamentos por dia, informa o escritor David Adam no livro O homem que não conseguia parar: TOC e a história real de uma vida perdida em pensamentos, um lançamento da Editora Objetiva. Nem todos os pensamentos são úteis ou racionais. As ideias absurdas, intrusivas e assustadoras são mais comuns do que se imagina.

Adam menciona o caso de um amigo que passou uma noite inteira sem conseguir ignorar a suposição de que talvez tivesse rabiscado um palavrão no formulário de seleção para o emprego dos sonhos. A maioria das pessoas consegue tirar essas ideias da cabeça. Outras, não.

Quando não conseguimos sumir com eles, esses pensamentos estranhos podem levar à angústia e à doença mental. “Os amigos que mencionei no livro não deram esse fim às suas ideias bizarras. Mas eu dei. Transformei as minhas em um transtorno obsessivo-compulsivo”, afirma Adam.

A doença não impediu que ele tivesse uma carreira bem-sucedida. Adam concluiu o doutorado em engenharia química e atualmente é um dos editores da revista científica Nature. Foi correspondente do jornal The Guardian nas áreas de ciência, medicina e meio ambiente e ganhou um prêmio de escritor do ano pela Associação Britânica dos Escritores de Ciência.

A dupla experiência (como portador de um transtorno mental e como profissional da imprensa científica) permitiu que ele escrevesse um livro notável. Acessível, agradável e baseado nas melhores evidências científicas. As referências bibliográficas ocupam 25 das 256 páginas do livro. Quase tudo o que ele afirma termina com úteis remissões a estudos acadêmicos.

Ao narrar seu convívio de mais de duas décadas com o TOC, Adam lembra que, assim como ele, as pessoas demoram muito tempo para assumir que precisam de tratamento. É o maior dos erros.

Um comentário casual de um amigo sobre o vírus da aids, em 1991, serviu de gatilho para que ele vivesse atormentado pelo risco iminente de infecção. O HIV estaria à espreita em lugares públicos como piscinas e abrigos de ônibus ou no contato social de todas as horas.

Como jornalista, Adam conhece muita gente e aperta muitas mãos. Quando está com algum corte nos dedos ou se percebe um curativo cobrindo um ferimento nas mãos da pessoa, os pensamentos sobre o aperto de mão ou sobre como evitá-lo começam a obscurecer todo o resto. “Meu eu racional sabe que esses medos são ridículos”, diz ele. “Sei que não pegarei aids em situações como essa. Mas, ainda assim, os pensamentos e a ansiedade surgem”.

Adam decidiu escrever o livro por saber que o transtorno é muito mal interpretado. O TOC não é um traço de personalidade. É uma doença grave, definida tanto pelo sofrimento mental dos pensamentos estranhos e recorrentes quanto pelas ações físicas, como lavar as mãos repetidas vezes.

Segundo as estimativas mais recentes, entre 2% e 3% da população sofrerá de TOC em algum momento da vida. O transtorno atinge igualmente homens e mulheres. Em geral, os sintomas aparecem no início da puberdade ou da vida adulta. Os efeitos podem durar a vida inteira.
 
O jornalista ressalta a importância do tratamento, composto de terapia e medicação. “O cloridrato de sertralina é o que os químicos chamam de medicamento psicotrópico. Prefiro chamar de linha da vida, uma rota de volta à luz a partir das regiões mais escuras da minha cabeça.”, afirma.

E aconselha: “Se você é assolado por pensamentos invasivos, se acredita que possa ter TOC, a má notícia é que o transtorno não vai embora por conta própria. A boa notícia é que os cientistas aprendem cada vez mais sobre a doença e a melhor maneira de diagnosticar e tratar os pacientes”.

Adam ressalta a importância da informação e da busca por tratamento. Alguns sinais que indicam a necessidade de procurar acompanhamento médico:

• Medos obsessivos sobre contaminação, que levam à lavagem compulsiva
• Medos obsessivos sobre incêndios, enchentes, assaltos, que levam a checagens compulsivas
• Ansiedade que induz a contagens, organizações ou alinhamento excessivo de objetos
• Medos infundados de involuntariamente ferir ou abusar de alguém
• Pensamentos horríveis que trazem agonia e que não saem da cabeça
 
Na maioria dos casos, não é possível curar o TOC. Mesmo sob medicação e depois da terapia cognitivo-comportamental, a maioria dos pacientes lida com o transtorno da mesma forma que um alcoólatra em recuperação. O portador está sempre há determinado número de dias sem sofrer um episódio obsessivo-compulsivo.

A maioria das pessoas não alcança a cura, mas pode obter ajuda para administrar o problema e se sentir melhor. Foi o que aconteceu com Adam depois de romper o silêncio e deixar de sofrer sozinho.

“Conte para alguém. Quem quer derrotar um vampiro pode persegui-lo com uma estaca ou com água benta, usar crucifixos e dentes de alho ou ainda jogar sementes para que ele conte no chão, mas é muito mais eficaz abrir as cortinas e deixar a luz entrar”.
 
O jornalista David Adam  (Foto: Divulgação)
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário