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sábado, 12 de setembro de 2015

“Meu grande objetivo não é o Oscar. É chegar nas pessoas”, diz Anna Muylaert

FLAVIA GUERRA · SETEMBRO 10, 2015

Anna Muylaert é a primeira diretora em 30 anos a representar o Brasil a uma vaga na disputa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Antes do anúncio feito na manhã da quinta-feira, 10, pelo Ministério da Cultura, de que seu longa Que Horas Ela Volta?, em que Regina Casé vive a doméstica Val, seria o candidato do País, a última mulher a liderar esta corrida tinha sido Suzana Amaral, em 1986, com A Hora da Estrela.


É interessante pensar que são dois longas que trazem também mulheres, lutadoras e ‘do povo’, em busca de um sonho e de uma vida na cidade grande. É justamente pelo fato de a história de Val, que deixou seu Pernambuco natal para trabalhar na casa de uma família paulistana, falar justamente da história de milhares de brasileiros (seja de que regiões, países e bairros eles migraram ou migram todos os dias em busca de uma vida melhor) que ao saber da notícia sobre a pré-indicação, foi no público brasileiro que Anna pensou.

“Estou feliz. A minha primeira reação é achar que esta notícia vai ajudar o filme a levar mais público ao cinema. Estamos tendo uma grande performance no circuito de arte, mas não tanto na periferia. O filme tem um talento natural para o popular, mas, muito por não termos recursos para investir mais em publicidade (como cartazes em ônibus, por exemplo), ele é um filme compreendido como ‘filme de arte'”, quando ele, na verdade, é amado também na periferia. Eu espero que a gente consiga chegar a mais gente”, declarou a diretora em conversa com o TelaTela.

O longa estreou no circuito nacional, em 27 de agosto, em 89 salas e já foi visto por cerca de 84,2 mil espectadores, com renda de R$ 1,19 milhão (segundo o Filme B – Box Office). Além disso, já entrou em cartaz em mais de 150 salas  (só na França, foram 120), foi vendido para 22 países e acumulou público de mais de 200 mil pessoas.

Sobre as chances do filme abocanhar uma das cinco vagas de finalista ao Oscar, fato que não ocorre desde 1998 (quando Central do Brasil, de Walter Salles, disputou a estatueta), Anna é otimista, mas mantém os pés no chão: “Agora temos de pensar na estratégia. Vamos conversar com o Kleber (Medonça, diretor de O Som ao Redor, representante do Brasil em 2013), para o Daniel (Ribeiro, de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de 2014) para saber como foram as campanhas deles e o caminho a ser traçado”, contou a diretora.

Anna e os produtores do filme (da Gullane Filmes) contarão com apoio oficial do Ministério da Cultura para a campanha, que costuma incluir, como praxe, anúncios do longa em revistas especializadas para apreciação dos votantes da Academia, sessões para que eles vejam ou revejam o longa, além de um intrincado e estratégico trabalho de relações públicas junto à opinião da imprensa e dos profissionais do cinema americano que são habilitados para votar no Oscar.

O diferencial de Que Horas Ela Volta?  é chegar no páreo de Hollywood com um buzz grande, provocado justamente por prêmios recebidos no Festival de Sundance (melhor atuação feminina para Regina Casé e Camila Márdila), no Festival de Berlim, críticas extremamente positivas de veículos de peso como a revista Variety, a Hollywood Reporter, entre outros, além de uma bilheteria expressiva em diversos países.

“É uma indicação mais do que merecida! Que Horas Ela Volta? é um filme extraordinário! Sensível, bem humorado, atento ao Brasil e suas mazelas, mas também à força da nossa gente e da nossa trajetória enquanto nação. As personagens interpretadas por Regina Casé e Camila Mardila, são únicas no nosso cinema, mas serão cada vez mais presentes pelos passos que o país deu na última década. Chegaram pra ficar!”— Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, pelo Facebook


A concorrência promete ser dura, já que temos outros pesos pesados na disputa como El Club (Chile) e Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência (Suécia), ambos também premiados em festivais importantes, mas que Que Horas Ela Volta?tem chances ao menos junto aos cerca de 400 voluntários que votam, e escolhem, os filmes que integram a short list (a lista dos cinco finalistas), isso é fato.


Sobre a indicação, a campanha que começa agora rumo a uma vaga no Oscar e sobre a recente polêmica por conta do machismo no cinema, Anna falou ao TelaTela:

Você estava esperando esta indicação para representar o Brasil no Oscar 2016?

De certa forma, muito pelos comentários que havia e pelas críticas que viemos recebendo ao longo das semanas, esperava sim. E há também o fato de que, como o filme já rodou muito no exterior, tem muitos americanos que querem que a gente vá para a disputa final. É uma força chegar a este ponto com retornos positivos da crítica americana e da internacional. Mas sei que é muito difícil conquistar esta vaga. Mas entre este potencial e o poder econômico para investir na campanha e, de fato, estar entre os finalistas, há um longo caminho. No que depender de mim, vou fazer tudo o que for possível.
A diretora Anna Muylaert, na apresentação do longa no Festival de Gramado, em agosto. / Aline Arruda/Divulgação
A diretora Anna Muylaert, na apresentação do longa no Festival de Gramado, em agosto. (Aline Arruda/Divulgação)
Você falou da sua vontade de que o grande público, das periferias do País, vejam o filme. Como tem sido a recepção até agora?
Tem sido incrível. Semana passada, por exemplo, fiz um debate no Cine Belas Artes (em São Paulo), após uma sessão. E tinha um público tão variado. A maioria já tinha visto o filme e estavam vendo novamente. Havia várias universitárias com as mães que eram empregadas domésticas. Havia patroas e empregadas domésticas que foram ver o filme juntos. Muitos estudantes e muita mulher. Foi emocionante. Muita gente no final chorou, diziam coisas como “no escuro do cinema, eu fui vista”. Ouvir isso é muito emocionante. Meu grande objetivo não é o Oscar. É chegar nas pessoas. E isso talvez seja possível por esta grande divulgação que estamos tendo agora e com o fato de que as pessoas amam o filme.

O clássico boca a boca, que cada vez mais é raro no cinema nacional por conta de lançamentos focados no primeiro fim de semana em cartaz, está funcionando bem com Que Horas Ela Volta?

Sim! As pessoas veem o filme, voltam e levam mais gente pra ver junto. Conseguir ficar mais tempo em cartaz para que este movimento aconteça é muito importante. Mas os números dizem que isso está acontecendo mais em capitais. E não tanto nas cidades médias e pequenas, como Santos, por exemplo. Nestas ainda parece que o filme não chegou lá. Não podemos trabalhar na lógica do blockbuster com filmes como este. Por isso eu disse à Barbara Sturm (da distribuidora Pandora) que eu estou disposta a ir a todos os lugares que for preciso para divulgar o filme. Trabalho de formiga mesmo. Não importa o quanto for preciso, mas vamos chegar lá.

Tanto pelo fato de ser um longa dirigido por uma mulher (ainda minoria no cinema nacional e mundial), trazer uma história estrelada por mulheres e pela recente polêmica envolvendo os cineastas Claudio Assis e Lírio Ferreira, em uma sessão-debate no Recife, você vem falando da questão do protagonismo feminino no cinema. Sente que esta discussão cresceu ainda mais desde a estreia do filme?

Esta discussão, na verdade, começou quando o filme começou a fazer seu circuito internacional de festivais, com a participação no Festival de Sundance, de Berlim… Começou a chamar a atenção da mídia e dos produtores estrangeiros e aí entrou em evidência. Claro que o que Lírio e Claudio fizeram foi machista, mas não é algo contra mim. É algo muito mais profundo. Esta questão de que os homens não conseguem ficar no papel de coadjuvantes faz parte da sociedade; e não só do Brasil ou do cinema brasileiro. Muitas feministas têm vindo falar comigo e eu tenho que falar sobre este assunto, claro. Esta discussão toda, no fundo, está me tornando mais forte.

Neste sentido, este é um filme muito estratégico para que o Brasil revele a força do trabalho das mulheres no cinema, não? 

Sim! Exatamente. É algo importante. É um filme simples e com orçamento enxuto, ao contrário de longas mais caros como Cidade de Deus, por exemplo. E isso faz muito bem para o País ter como paradigma. Além disso, fala de uma questão importante brasileira, sobre o momento atual de mudanças sociais. E para terminar, é dirigido por uma mulher. Isso é bom para todo mundo.

E colabora para a discussão sobre o machismo em uma esfera mais global, não?

Sim. Mas esta discussão é muito ampla. O machismo não são só os homens. O machismo é um sistema de regras, que não é sempre contra as mulheres, mas sim um sistema que privilegia o homem. E nós estamos inseridas nisso tanto quanto os homens. O mundo é machista. E agora nós, mulheres fortes, temos que começar a desligar algumas chaves desse mecanismo. Há um horror ao feminino em um sentido global. É a guerra, é o capitalismo, o menino na praia… É um jogo de regras que valoriza o masculino, que é o poder, o sucesso, a riqueza. E tudo que é feminino, que, a priori, não dá poder, é desvalorizado. Discutir e rever tudo isso é muito necessário.
Carta Capital

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