As mulheres têm muito o que dizer, mas precisam ser ouvidas para muito além do mês de março.
por Aline Valek — publicado 08/03/2016
por Aline Valek — publicado 08/03/2016
Chega o 8 de março e dá para se sentir como no filme O Feitiço do Tempo, aquele com o Bill Murray: ficamos presas a um inescapável Dia da Marmota, que se repete vezes sem fim, em uma espécie de bug na malha cósmica do tempo.
A diferença é que se trata de um mesmo dia que se repete mais ou menos da mesma forma todos os anos. Você deve ter ideia do roteiro:
Homenagens toscas que ignoram completamente o significado político da data, mensagens de como somos lindas e multitarefas, congratulações vazias (“parabéns” e “feliz dia” exatamente pelo quê? Não é como se fosse aniversário ou Natal, minha gente), e, por outro lado, a luta para lembrar que não existimos para ser enfeite, que há reivindicações importantes, e sobre como ganhar flores não resolve os problemas de violência, de falta de oportunidades e de direitos.
Mas este texto não é sobre isso. Porque isso já foi falado – todos os anos, sempre como se fosse a primeira vez. E sempre surge a necessidade de repetir. Olha aí a maldição do Dia da Marmota outra vez.
No filme, o personagem de Bill Murray tem pelo menos a chance de agir e falar de outra maneira quando o dia se repete. Do lado de cá, estamos predestinadas a repetir as mesmas falas todo ano. Se é preciso repetir tanto, pode ser porque não ouvem. Ou porque não querem que a gente fale de outra coisa?
Às vezes até querem que a gente fale, com data certa, espaço reservado, tema definido. E ficou decidido que o momento para isso seria o Dia da Mulher. Claro, é maravilhoso aproveitar esse dia para trazer mais visibilidade para os temas importantes para as mulheres (que são de importância para toda a sociedade). Mas existem outros 11 meses e um monte de assuntos que podemos tratar.
Pode ser muito louco isso, mas também existimos em dias que não são 8 de março. Ou, pelo menos, tentamos existir.
Então não me levem a mal, mas acho necessário levantar essa provocação. Um chamado, talvez? A quem trabalha na mídia, aos jornalistas, organizadores de eventos, patrocinadores. E também a quem consome os conteúdos que essas empresas produzem. A você, que lê.
Em que assuntos, em que lugares e em quais momentos a opinião das mulheres é levada em conta? Por que o interesse pela opinião e pelo trabalho das mulheres parece “esfriar” depois que passa o Dia da Mulher? Só servimos para falar sobre o que tem “mulher” no meio?
Não precisaria lembrar isso, mas as mulheres têm um bocado de coisas para dizer, nos mais diversos assuntos. Mulheres podem falar sobre games, economia, política, literatura, cinema, esportes, ciências. Sobre tudo o que você imaginar. Com uma baita propriedade.
São assuntos que não têm data, que podem ser discutidos o ano inteiro – e mulheres podem fazer parte dessas discussões todas as vezes. Sim, é incrível, mulheres com opinião existem o ano inteiro; não são criaturas mágicas que brotam da terra apenas na proximidade do Dia da Mulher.
Temos muito o que falar, mas alguns acham que ouvir nossa voz é nos impor assuntos. Temos que falar disso, porque dá audiência; temos que falar daquilo, porque é o que querem ouvir. Mas e se quisermos falar sobre outros temas? Até onde vai a liberdade de expressão se nossa voz só tem espaço até onde nos deixam ter?
O problema, espero que entendam, não é a atenção que as mulheres e suas questões recebem em função desta data, tristemente necessária, se ainda precisamos brigar para existir; o problema é quando é um interesse com hora marcada para acabar.
O lado bom é que março está bem no início do calendário, o que permite começar, agora, um compromisso com um cenário de mais oportunidades para as mulheres. O trabalho e a opinião das mulheres podem estar em evidência todos os meses, porque estamos aí, pesquisando e produzindo e criando sem trégua.
Quero me acostumar a ver mais mulheres em espaços e assuntos que, por serem considerados de “interesse geral”, normalmente ganham porta-vozes ou debatedores masculinos – reforçando o poder que o homem tem de ser o gênero “neutro”.
Quero me acostumar a ver mais diversidade de mulheres na mídia e na produção cultural, mulheres de outras realidades, diferentes de mim e que não têm as mesmas opiniões que as minhas, para quebrar a ideia de que uma mulher é o suficiente para representar a totalidade do gênero em determinado debate, como se fôssemos todas iguais.
Entendo que essa questão parece algo mínimo, uma lasca de unha, perto dos problemas que o Dia da Mulher surgiu para questionar e combater. Mas a questão do direito à voz e de ser ouvida não deixa de ser importante. A voz é parte de nós. E também é nosso direito decidir o que fazer com ela.
Se o título do texto pareceu enganoso, explico: realmente não é um texto sobre o Dia da Mulher; afinal, eu o escrevi pensando nos outros. Um único dia, por mais que se repita feito feitiço em filme reprisado à exaustão na Sessão da Tarde, não é o suficiente para nele caber tudo o que temos para dizer. Um dia não é o suficiente. Precisamos do calendário inteiro.
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