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sábado, 14 de janeiro de 2017

Kerry James Marshall é o pintor que traduz a força da cultura negra em telas

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13/01/2017kerry james marshall
Kerry James Marshall, “Sem título”, 2009, Acrílico em painel PVC. Galeria de Arte da Universidade Yale. Comprado com recursos do Fundo Janet e Simeon Braguin e doação de Jacqueline L. Bradley, 1979.
Em sua extensa retrospectiva de 35 anos de trabalho, as pinturas de Kerry James Marshall variam de pastorais urbanos até retratos inspirados no Renascimento, sutilmente saindo de abstrações para interiores domésticos e romantizados. No entanto, independentemente do estilo, substância ou cenário, as obras convergem para um único elemento: a negritude não diluída da pele de seus personagens.
A grande maioria das pinturas que compõem o cânone histórico da arte ocidental, claro, mostra pessoas brancas. O mundo pintado de Marshall não apenas ignora esses personagens brancos; a pele deles não tem sequer um respingo de tinta branca. A fórmula do artista para a pele apresenta três tons de preto: preto-carbono; preto-marfim e preto-ferrugem. O artista ocasionalmente incorpora sombras amarelas e azuis para completar a cor, mas nenhuma figura nas pinturas é mais escura ou mais clara do que a outra. Cada uma existe fora de um espectro de sombreamento ou valoração; preto é preto.
“A negritude não é negociável nessas pinturas”, Marshall explicou em uma entrevista concedida em outubro à “T Magazine”. “É também inequívoco — eles são negros —; é isso que quero que as pessoas identifiquem imediatamente. São negros para demonstrar que a negritude pode ter complexidade. Profundidade. Riqueza.”
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Kerry James Marshall. “Sem título (Estúdio)”, 2014, Acrílico em painéis PVC. Doação da Fundação Jacques e Natasha Gelman, Fundo de Aquisições e Museu Metropolitano de Arte — Iniciativa “Multicultural Audience Development”.
Uma coleção de tirar o fôlego com 72 obras de Marshall, intitulada Kerry James Marshall: Mastry, está em exibição no museu Met Breuer, que faz parte do MET, localizado na cidade de Nova York. As pinturas refletem o amplo comando da história da arte ocidental para gerar representações vívidas da experiência afro-americana, passado e presente.
A obra de Marshall é extraordinária em sua habilidade de confrontar as injustiças da arte e da história americana, ao mesmo tempo celebrando o poder e beleza da negritude. Seu teor contrasta com a retórica empregada pelo presidente eleito Donald Trump, que descreveu os afro-americanos como “vivendo no inferno”, apresentando uma combinação de otimismo e ativismo que oferece não esperança, mas orgulho e vitalidade produtiva.
Marshall nasceu em 1955 em Birmingham, no Alabama, e se mudou em 1963 com a família para o bairro de Watts, em Los Angeles, onde moraram a 12 quadras da sede do grupo ativista Panteras Negras. Durante a infância, Marshall presenciou muitos incidentes de violência, embora essas traumáticas experiências tenham sido esparsas entre as lembranças alegres de uma família amorosa e uma convivência feliz no lar, bem como o encantador impacto da arte.
Aos 10 anos, Marshall visitou o Los Angeles County Museum of Art pela primeira vez e ficou hipnotizado com o que encontrou. “Fui de andar em andar olhando tudo, da mesma forma quando na biblioteca vasculhei as pilhas [de livros] e olhei cada livro de arte, sem discriminação”, disse à revista The New Yorker. Três anos depois, Marshall fez um curso de desenho no Otis College of Art and Design, onde depois frequentaria a escola de arte, tornando-se o primeiro em sua família a ir para a faculdade.
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Kerry James Marshall, “Sem título (Pintor)”, 2009, Acrílico em painel PVC, Museu de Arte Contemporânea de Chicago, doação de Katherine S. Schamberg por troca.
Desde seus primeiros encontros com a arte, Marshall estava bem ciente da escassez de corpos negros representados nos arquivos de museus. Ainda assim, sua reação não foi de ressentimento, mas de determinação, para dominar a trajetória histórica da arte que excluiu os corpos negros e habilmente incorporá-los nela.
“Quando você fala sobre a ausência da representação da figura negra na história da arte”, Marshall disse à “T Magazine”, “você pode falar sobre isso como uma exclusão, caso onde se acusa a história por não se responsabilizar por algo que deveria ter se responsabilizado. Não tenho esse tipo de missão. Não tenho esse tipo de acusação. Meu interesse em fazer parte dela [da história] é ser uma expansão, não uma crítica dela.”
Sua impressionante variedade de obras de arte no Met Breuer se expande sobre o vergonhosamente limitado escopo da história da arte ocidental em uma infinidade de maneiras, muitas para contar ou mesmo digerir com apenas uma visita.
No entanto, uma sala aborda a questão da história da arte mais diretamente, com uma série de pintores negros retratados em meio à criação de seus autorretratos.
Os artistas míticos, homens e mulheres, encontram o olhar do espectador com magnificente compostura e solenidade resoluta. Penteados esculturais e trajes modernos pontuados por colarinhos dramáticos e pinceladas de cor, os personagens de Marshall parecem cientes do próprio status, retratados como obras de arte. As pinturas abordam a ausência de artistas negros e figuras negras simultaneamente, enquanto fornece aos fictícios artistas negros a rara oportunidade de retratar a própria imagem nos próprios termos.
O texto do painel diz: “A presença dominadora dessas figuras também é empoderadora — se você é um artista negro ou se é uma mulher artista, a resposta à pergunta: ‘Qual é a aparência de um artista?’ poderia ser exatamente você”.
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Kerry James Marshall, “Épocas Passadas”, 1997, Acrílico e colagem em tela, 2,7m. 15cm. × 3,9m. Metropolitan Pier and Exhibition Authority, McCormick Place Art Collection, Chicago.
Os autorretratos dentro das pinturas, inacabados, descansam apoiados em cavaletes ao fundo. Um olhar mais atento revela que muitas telas são pinturas por números, uma febre popularizada na década de 50. Como escreveu Holland Cotter, em sua crítica sobre a exposição no The New York Times: “Era um tipo de pintura para qualquer pessoa e para todos, universal nesse sentido. E, apesar dos personagens estarem fixos, as cores não estão”.
As telas de pinturas por números imploram àqueles que desejam destacar o viés racial no cânone histórico da arte para fazê-lo participando da prática universal de fazer a própria arte.
O formato de livro de atividade acena para a estranha relação entre raça e cor, mostrando o quão simples seria e sempre foi mergulhar um pincel em tinta preta em vez de branca. E, no entanto, as figuras pintadas precisam revestir seus autorretratos em sua aparência negra, como se ainda hoje o ato de pintar um personagem negro fosse algo radical.
Porém, claro, Marshall concretizou o referido ato, mais de 70 vezes e ainda segue. O artista, de 61 anos, que recebeu o prêmio MacArthur Fellowship em 1997, vai todos os dias ao seu estúdio, onde pinta sem assistentes de manhã até a noite.
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Kerry James Marshall. “Escola de Beleza, Escola de Cultura”, 2012. Acrílico e glíter em tela. Museu de Arte de Birmingham, compra pelo museu com recursos de Elizabeth (Bibby) Smith, Círculo de Colecionadores para Arte Contemporânea, Jane Comer, The Sankofa Society, e fundos de aquisição em geral.
O fato de que a retrospectiva de Marshall está em exibição no MET, em várias salas, é extremamente significativo. Ian Alteveer, curador do MET, que organizou a exposição em conjunto com Helen Molesworth e Dieter Roelstraete, explicou ao The New York Times: “São mais de 5 mil anos de história da arte aqui, e é a história da qual ele quer fazer parte e pintar para fazer parte”.
As representações de criatividade negra e poder de Marshall vão além do estúdio de arte, descrevendo também barbearias, empreendimentos residenciais públicos e quartos íntimos. A retrospectiva é uma conquista marcante, um testamento ao conhecimento, talento e espírito de Marshall.
Em resposta a uma narrativa histórica da arte que não o representou, Marshall estudou e dominou sua forma. E, em uma linguagem visual composta, tecida de fios de Théodore Géricault e Frank Stella, Giotto e Piet Mondrian, Marshall conta sua história, a história da América negra. Um retrato, uma carta de amor, uma comemoração e um clamor de batalha.

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