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sexta-feira, 7 de abril de 2017

Lei de Maria da Penha: medidas protetivas

Já discorri diversas vezes sobre a “Lei Maria da Penha”, como é popularmente designada a de n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. É uma lei que, em tempos de normalidade, não precisaria nem deveria existir, mas que atualmente, com a brutalidade tantas vezes infeccionando as relações sociais e até mesmo subsistindo em nossos lares, tornou-se indispensável.

Ainda sou do tempo em que se dizia “em mulher não se bate nem com uma flor”. Para um homem, utilizar a força física contra alguém do sexo oposto era vergonhoso. As mulheres deviam ser respeitadas porque se entendia que constituíam o sexo por excelência respeitável e digno de especial consideração. O mesmo ocorria com os idosos. Nenhum homem educado ficaria sentado, num ônibus ou, mais remotamente, num bonde, se estivesse de pé uma mulher ou um senhor idoso. Era automática sua atitude: imediatamente se levantava e cedia o lugar. Isso estava profundamente entranhado nos bons costumes que nem todos praticavam, mas que todos admitiam que se devesse obedecer.

Infelizmente, nas últimas décadas os costumes foram evoluindo em certos aspectos e muitas vezes “involuindo” em outros! As mulheres conquistaram postos de trabalho e aprenderam a competir, profissionalmente, com os homens. Mas, em contrapartida, muitos homens, por falta de educação e caráter, possivelmente também por insegurança, passaram a abusar da força física. Animalizaram-se. Isso tudo, complicado pela imensa crise de valores vivida pela sociedade atual, que atingiu de modo intenso a própria instituição familiar, nos conduziu a uma situação em que a Lei Maria da Penha se tornou necessária, como indispensáveis se tornaram as delegacias especializadas na proteção à mulher. Cada vez mais a sociedade humana vem se tornando selvagem, desrespeitosa e cruel.

Aprecio, hoje, um aspecto específico da Lei Maria da Penha: as medidas protetivas de urgência, que ela prevê em benefício da mulher ameaçada. Por força legal, o Estado brasileiro tem o dever de proteger a todas as mulheres que, sentindo-se ameaçadas por alguma forma de violência doméstica ou familiar, recorram à autoridade policial. É em benefício delas que são estabelecidas pela autoridade judicial medidas de proteção que têm como objetivo fazer cessar de imediato a violência e/ou ameaça de violência que paira sobre as vítimas.

Essas medidas são muito desejáveis. Em muitos casos de menor gravidade, serão até suficientes para assustar e intimidar o ameaçador. Mas, pergunto nos casos de maior gravidade serão eficazes, suficientes?

Com sinceridade, e baseado em minha experiência na área criminal, devo responder que elas não são suficientes e tampouco eficazes para atingir o fim a que teoricamente se destinam. Na verdade, têm elas algo do utópico, imaginário.

Em tese, tudo funciona maravilhosamente, mas a realidade dos fatos está em que não temos, no aparelhamento policial, nem no judicial, condições para assegurar, na prática, tal funcionamento. O Brasil é imenso e é crescente o número de despachos judiciais determinando medidas protetivas. Somente no Estado de São Paulo, segundo informa o site da UOL de 7 de março do corrente ano, “entre 2013 e 2016, a Justiça determinou a aplicação de 254.776 medidas protetivas, requisitadas por mulheres contra homens agressores. Ano a ano, o número total de concessões é crescente. Só em 2016, até o mês de outubro (dado mais atual), foram impostas 63.109 medidas”.

Como fiscalizar e garantir o cumprimento desse caudaloso número de ordens judiciais, sobretudo considerando que as autoridades policiais já não dispõem de recursos humanos e instrumentais suficientes para fazer face à escalada da criminalidade que presenciamos, a qual atinge o Brasil em proporções nunca antes igualadas? O fato é que já têm ocorrido casos de mulheres assassinadas em cuja bolsa foi encontrada a ordem judicial para que o assassino potencial – seu ex-marido ou companheiro – não se aproximasse dela. E ninguém o impediu, nem tinha como impedir, que ele se aproximasse e perpetrasse o crime.

Os jornais de 8 de março do corrente ano noticiaram que foi assassinada em Belo Horizonte uma jovem cabeleireira pelo ex-marido que tinha ordem judicial para nunca chegar a menos de 200 metros de distância da vítima. Nada menos que 8 boletins de ocorrência a pobre moça tinha solicitado em delegacias. As câmeras de segurança instaladas no salão de beleza de sua propriedade filmaram o assassinato perpetrado com 9 tiros à queima-roupa, diante das clientes estarrecidas e apavoradas.

Recordo um fato concreto que chocou profundamente nossa opinião pública. No mês de dezembro último, entre o Natal e o fim do ano, um homem violento e visivelmente desequilibrado invadiu uma residência particular, matou a tiros a própria esposa, o filho deles, menino de 8 anos e executou mais 8  pessoas, quase todas mulheres, que ali se encontravam numa festa familiar. Em seguida, matou-se. Mensagens que deixou gravada e que foram aparecendo nos dias seguintes, mostraram que o desfecho da tragédia fora cuidadosamente preparado e até mesmo anunciado àquela que era sua esposa e constituía o principal objetivo de sua vingança; era com ela que ele disputava a tutela do filho menor que acabou também tombando vítima do pai. A pobre mulher cansou-se de registrar boletins de ocorrência em delegacia de Polícia, na vã tentativa de se proteger contra as contínuas ameaças que lhe chegavam. Segundo noticiado, a última das queixas por ela apresentadas ocorrera apenas três dias antes da tragédia.

Nessas circunstâncias, volto a perguntar: até que ponto são eficazes as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha? Não levanto essa pergunta com intuito de desmerecer essa lei e de desaconselhar a previsão das referidas medidas. Levanto-a apenas para concluir que o problema é muito mais grave do que parece.

Existem propostas concretas de medidas que poderiam ser adotadas. Por exemplo, o chamado “botão do pânico” – que seria acionado pela mulher logo que percebesse os primeiros sinais de uma situação de grave perigo. Em alguns casos, poderá funcionar, mas, muitas vezes o ataque é inopinado e a vítima não tem sequer tempo de acionar o dispositivo: e mesmo que consiga acioná-lo e a Polícia seja avisada, até esta acorrer ao local já se terá consumado sua execução.

Outra medida proposta é a colocação de tornozeleiras eletrônicas nos potenciais agressores. Mas, no caso de um tresloucado realmente decidido à prática uxoricida, de pouco adiantará estar sujeito a essa medida, já que ele pode se aproximar da mulher e consumar seu o crime sem que a Polícia tenha tempo de impedir. Como também pode cometer o crime interposita persona, situação em que de nada valeria a tornozeleira. Ademais, já é insuficiente o número de tornozeleiras disponíveis para atender às necessidades das autoridades judiciárias e policiais, mesmo sem os casos da Lei Maria da Penha, quanto mais o será se também precisarem ser utilizadas para garantir medidas dessa lei. Sem falar que é questionável, do ponto de vista da legislação dos Direitos Humanos, a legalidade de se colocar a tornozeleira em meros suspeitos de poderem vir a cometer um crime.

De qualquer forma, não creio que o problema seja solucionável apenas no âmbito da lei penal, ou das medidas de controle policial. Na verdade, o que se faz necessário é uma mudança de mentalidade profunda e radical na nossa sociedade. E uma tal modificação não se faz rapidamente. Só por meio de uma educação bem conduzida é que se podem formar novas gerações que consertem problemas muito velhos, produzidos por causas ainda mais antigas.

É preciso que os meninos sejam, nos lares e nas escolas, educados na convicção de que não valem pela força física que tenham, e que sua masculinidade e capacidade de liderança nada têm a ver com a brutalidade que demonstrem, em relação a meninos mais fracos e, sobretudo, em relação a meninas. Precisam ser educados no sentido de compreenderem que o apelo ao desforço físico é geralmente sinal de fraqueza moral e psicológica. Só usam a violência os fracos, inseguros, medíocres, os que têm pouco caráter.

Devem aprender a ver a posição do valentão como pouco honrosa. Devem aprender a desprezá-la, a ridicularizá-la. Se isso for ensinado nos lares, pela palavra e, sobretudo, pelo exemplo, e igualmente nisso insistirem os professores, aos poucos se processará uma profunda mudança de mentalidades.

Seria preciso também que os meios de comunicação social colaborassem, ou pelo menos não atrapalhassem esse esforço reeducativo. Que as televisões deixassem de ser propagandistas do hedonismo, do sexo e da violência, e passassem a ser verdadeiramente formadoras das novas gerações, dando-lhes bons exemplos e aprimorando sua cultura, ademais de exercerem suas funções precípuas de informar e proporcionar entretenimento.

Uma transformação de mentalidades como essa que proponho não é rápida nem é fácil, admito. Mas é o único modo de superar de fato esse desafio.

Dizia Napoleão que a educação de uma criança começa 100 anos antes de ela nascer. Cem anos é muito tempo... Comecemos logo a educar nossas crianças!

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