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domingo, 30 de setembro de 2018

Chega de ser machista

Crescem no País os grupos de homens que procuram, por meio da troca de experiências pessoais, melhorar seus relacionamentos e se libertar de estereótipos associados ao gênero masculino

Paula Diniz
28/09/18

Mais cedo ou mais tarde, isso iria acontecer. E que ótimo que já esteja ocorrendo. Em decorrência do movimento feminista, iniciado na década de 1960, os homens também estão em busca de maior equilíbrio e dos ajustes necessários para se libertarem de seus tradicionais rótulos, como, por exemplo, ser eternamente forte, vencedor e conquistador de riqueza e de mulheres. Mais: necessariamente não todos, mas aqueles que são agressivos e violentos querem, também, se curar desse comportamento. Eles estão se permitindo, assim, ter maior flexibilidade e confiança para expressar seus sentimentos – inclusive ao reconhecer que reproduzem atitudes machistas. “Como eu gostaria de poder voltar atrás”, disse à ISTOÉ J.G. (pede para não ser identificado). Ele foi condenado por ter agredido a sua ex-mulher. “Sofro de transtorno afetivo bipolar, mas estou melhorando. Nos grupos de homens posso trabalhar sentimentos como vergonha, culpa e remorso.”

Voltar no tempo, como é o sonho de J.G., não é possível. Para muitos homens, no entanto, participar de encontros em grupos terapêuticos funciona mais e melhor do que qualquer volta ao passado, sobretudo porque eles visam o futuro – tempo no qual esses cidadãos estarão socialmente mais adequados e emocionalmente mais plenos. “Aprendi com o grupo que posso manter sob controle meus rompantes de violência. Agora quero compartilhar o meu bem-estar com outras pessoas”, diz.

“Homens que praticam violência não atuam dessa forma necessariamente por fatores psicopatológicos. Na maioria dos casos a violência, considerada parte da constituição da masculinidade, acontece por questões sociais. A agressividade em nossa cultura é autorizada e até valorizada no comportamento masculino”, avalia o psicólogo Adriano Beiras, professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Beiras tem razão, uma vez que o próprio portador do transtorno bipolar assume que a sua enfermidade não justifica a violência cometida.

Deixemos agora de lado as patologias e vamos ao homem comum. Para a maioria deles é muito difícil expressar seus sentimentos se cotejados com a média das mulheres ocidentais que conversam mais confortavelmente sobre suas subjetividades. “O homem pode falar facilmente sobre suas realizações pessoais, mas expressar emoções e carências é quase proibido”, diz o filósofo e educador holandês Robert Happé, que atualmente é palestrante em diversos eventos em todo o Brasil.

Os encontros em grupos de homens envolvem diálogos, meditações, danças, caminhadas e esportes na natureza. “É tempo de nutrir o masculino com referenciais saudáveis. O importante é que os grupos sejam ambientes de reflexão e acolhimento. Para nós, não existe o clima de intolerância que se vê hoje no Brasil. Nos grupos não conta se o participante é de esquerda, direita ou centro. Nem sua preferência sexual. Nem se é branco ou negro, se é rico ou pobre”, diz Guilherme Valadares, idealizador do portal Papo de Homem, que organiza encontros de homens em busca do autoconhecimento e paz de espírito.

Ritos de passagem

Aos 63 anos, o psiquiatra e psicoterapeuta Mauro Pozatti vive, hoje, com tranquilidade. Sua trajetória, no entanto, foi intensa. Em 1993 ele se separou da mulher e passou a viver longe dos filhos. “Eu me perguntava como iria educá-los estando à distância”, diz Pozatti. “Nessa época eu já era médico e professor mas não sabia exatamente o que era ser homem”. Pozatti criou, então, o grupo Guerreiros do Coração para reunir aqueles que acreditassem ser possível evoluir a partir da troca de experiências. A ideia funcionou. Hoje os encontros do Guerreiros do Coração acontecem uma vez ao mês em diversos estados brasileiros. Ao final de cada série de encontros anuais, os participantes passam por um rito. Enquanto as mulheres têm as diferentes fases da vida marcadas por eventos fisiológicos (menarca, gestação, menopausa), os homens precisam de rituais que marquem as transições de menino a homem, de homem a pai e de homem a ancião. Pozatti explica que a ausência de ritos de passagem em nossa cultura atual favorece a formação de grupos socialmente desajustados (como gangues ou quadrilhas), que dão aos indivíduos, principalmente aos homens, a sensação de pertencimento. “Precisamos de mortes e renascimentos simbólicos para amadurecermos emocionalmente”, diz Pozatti.

Os encontros masculinos envolvem diálogos, meditações, danças, caminhadas e esportes na natureza. O que se busca é nutrir o mundo dos homens com referências saudáveis e criar ambientes de acolhimento e reflexão

Quando eles buscam ajuda?

Ao expor a própria vulnerabilidade e pedir ajuda, os homens dão a si mesmos a oportunidade de fazer os ajustes necessários para que mudanças aconteçam em suas vidas. As situações mais comuns em que buscam apoio são as crises e os momentos de grandes mudanças, como a paternidade, o divórcio, a perda de um emprego, a morte de um ente querido, a chamada “noite escura da alma” – sensação de vazio e falta de sentido na vida. Muitos homens também aderem aos grupos de homens ou terapias quando recebem o convite de alguém que admiram. “As pessoas se sentem tocadas pelo processo dos outros”, diz Matheus Pozatti, psicólogo e facilitador do Guerreiros do Coração.

João Pedro de Carolli, 28 anos, participa do grupo de pais Paternando há um ano e meio. Os encontros são presenciais e online em grupos no WhatsApp e facebook. Pai da Zoé, de um ano, João Pedro soube do grupo por uma amiga assim que foi pego de surpresa com a notícia da gravidez da namorada. “Me senti abraçado e acolhido por mais de 100 homens. Sou o segundo homem mais novo do grupo (a média de idade é 38 anos). Quando entrei, os participantes conversavam sobre situações que eu estava começando a viver com minha companheira. Estávamos em crise quando apareceu no grupo o tema “treta no casal”. As trocas no Paternando me fizeram perceber a importância de saber ouvir. Hoje sou um homem e um pai melhor.”

Pedro de Figueiredo, criador do grupo MEMOH, de Niterói, já conduziu mais de 50 encontros com, em média, 20 participantes.

Qual o objetivo central dos encontros?

Desenvolver mais responsabilidade e consciência sobre nossa atuação na sociedade: o que fazemos e falamos. E levar os homens a refletirem sobre como agem com si mesmos e com os outros. Não damos dicas e conselhos. O grupo é um espaço de reflexão sobre nossos próprios comportamentos.

Quais as principais queixas e buscas dos homens no grupo?

Eles estão sem referência. Querem pertencer ao universo masculino, mas não dessa forma padronizada e cheia de estereótipos. Para eles não faz sentido ser o conquistador sexual que não pode expressar sentimentos e emoções, que vê as mulheres como objetos, que deve ser o provedor e estar disposto ao sexo o tempo todo. Existe essa “caixa do homem” com um conjunto de características pressupostas para ser um homem de verdade. Tudo o que ficar de fora é coisa de viadinho. Isso é muito limitado. Os homens querem ser mais afetuosos, poder demonstrar a própria vulnerabilidade, falar de sentimentos e sentir confiança entre eles.

Em geral, como e por que os homens chegam ao MEMOH?

Chegam pelas redes sociais e por indicação boca a boca de outros participantes. Em geral estão incomodados porque já reconhecem seu próprio machismo em algum nível.

Como eles entram e como saem dos encontros?

Alguns chegam muito desconfiados, outros, muito entusiasmados. É super comum os homens entrarem e permanecerem em silêncio absoluto, mas também tem os que chegam falando bastante por terem muita coisa presa.

Depoimento de Fábio Moura, 41 anos, supervisor de vendas, que participa do grupo Guerreiros do Coração há quatro anos.

Quando soube do grupo, eu tinha 36 anos, estava divorciado, em crise com meus dois filhos, no início de um relacionamento amoroso e em busca de autoconhecimento para lidar com meus conflitos. Depois de alguns encontros e vivencias compartilhando as minhas histórias e ouvindo relatos de outros homens, fui me deparando com um menino revoltado pela ausência do pai e da mãe, pelo desprezo dos próprios filhos e com todos os outros fatores externos que pudessem justificar meus conflitos internos. Havia em mim esse menino que transitava entre a raiva e a carência e se recusava acessar a figura do pai. Com o tempo fui encarando as minhas vulnerabilidades e reconhecendo a inteireza do homem que sou hoje. Vejo que minha história e meus desafios são parecidos com os de muitos homens que buscam seu lugar como pai, filho, irmão e companheiro. Desde que comecei a frequentar o movimento Guerreiros de Coração, muitas transformações ocorreram em todas as minhas relações. Ao passar pelos ritos no final de cada ciclo vi as maiores transformações acontecerem em mim. A raiva deu lugar à empatia, a agressividade, à paciência; a revolta sucumbiu ao amor e o distanciamento deu espaço à proximidade com meu pai.

Assim como Fábio, aos 36 anos, Leandro Iunes, consultor de negócios, decidiu participar da próxima turma do Guerreiros do Coração, em março do ano que vem. “Quero me conhecer mais. Se existe um rito, uma forma prática que conduz ao autoconhecimento, estou interessado sim.”

Corajosos, esses homens.

“Um homem inteiro é muito mais valioso que um homem pela metade tentando cumprir um papel.” Matheus Pozatti, facilitador do Guerreiros do Coração

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