Christian Jarrett*
Para a BBC Future
22/09/2018
Meus filhos gêmeos de quatro anos são parecidos em muitos aspectos. Ambos são sociáveis, levados e amorosos. Mas já é possível notar algumas diferenças entre eles.
O menino, por exemplo, é mais consciente em relação ao tempo e muito curioso sobre o futuro. A menina, por sua vez, se mostra mais determinada a se virar sozinha.
Como psicólogo especializado em personalidade (e como pai), me fascina acompanhar o surgimento e desenvolvimento das particularidades de cada um.
É claro que ainda é cedo, e embora nossa personalidade tenha raízes na infância, sei que haverá muitas mudanças pela frente, principalmente quando eles entrarem na puberdade.
A adolescência é uma fase de transformações rápidas. Não é à toa que a neurocientista cognitiva britânica Sarah-Jayne Blakemore, especialista em cérebro adolescente, descreveu recentemente o desafio dessa etapa do desenvolvimento humano como "uma tempestade perfeita", graças ao aumento súbito e simultâneo de "alterações hormonais, neurais, sociais e de pressões da vida".
À lista, ela poderia perfeitamente ter acrescentado "mudanças de personalidade".
Ao longo da infância, nossa personalidade e temperamento se consolidam à medida que adotamos um modo de pensar, agir e sentir mais consistente. A solidificação da personalidade volta a ser reforçada novamente no fim da adolescência até a chegada da idade adulta.
Mas, na fase intermediária - ou seja, na adolescência -, essa tendência é interrompida. O caleidoscópio da personalidade é chacoalhado, e onde as peças vão se posicionar é profundamente importante. Estudos de longo prazo mostram que características que surgem durante a adolescência anteveem uma série de acontecimentos no decorrer da vida, incluindo sucesso acadêmico e risco de desemprego.
As pesquisas sobre o tema ainda são incipientes, mas as possíveis conclusões são instigantes e relevantes. Ao entender mais sobre as forças que moldam a personalidade dos adolescentes, podemos possivelmente intervir e ajudá-los a trilhar um caminho mais saudável e bem-sucedido.
A mudança de personalidade não é exclusiva da adolescência. Se você diminuir um pouco o zoom e olhar para da vida toda, vai observar que há, em geral, um aumento nos traços de personalidade desejáveis - menos angústia, maior autocontrole, cabeça menos fechada, mais simpatia.
Os psicólogos chamam isso de "princípio da maturidade". Se você tem 20 e poucos anos, é inseguro e ansioso, pode ser reconfortante saber que, pelo padrão, ao envelhecer, você vai ficar mais tranquilo.
Não se pode dizer o mesmo, no entanto, sobre os pré-adolescentes, porque nessa fase entra em ação algo conhecido como a "hipótese da ruptura".
Considere um estudo realizado com milhares de adolescentes holandeses - durante a pesquisa, que teve início em 2005, eles foram submetidos desde os 12 anos a testes de personalidade anuais, por um período de seis ou sete anos. No início da puberdade, os meninos apresentaram uma redução temporária da conscienciosidade (organização e autodisciplina), enquanto as meninas manifestaram um aumento transitório do neuroticismo (instabilidade emocional).
O resultado parece reforçar os estereótipos sobre adolescentes - quartos bagunçados e oscilações de humor. Mas, felizmente, esse retrocesso na personalidade é de curta duração, e os dados holandeses mostram que as características positivas prévias dos jovens são resgatadas no fim da adolescência.
Tanto os pais quanto os filhos concordam que ocorrem mudanças nessa fase. Mas, surpreendentemente, as alterações percebidas podem depender do ponto de vista. É o que mostrou um estudo de 2017 realizado com mais de 2,7 mil adolescentes alemães. Os jovens avaliaram a própria personalidade em dois momentos, aos 11 e aos 14 anos. Em ambas as ocasiões, os pais também analisaram a personalidade dos filhos.
Algumas diferenças foram reveladas: os adolescentes notaram, por exemplo, uma redução no grau de amabilidade, mas os pais consideravam esse declínio muito mais acentuado. Além disso, os jovens se achavam cada vez mais extrovertidos, enquanto os pais acreditavam que eles estavam mais introvertidos.
"Os pais, de uma maneira geral, observaram que os filhos estavam menos agradáveis", interpretaram os pesquisadores. E, ao mesmo tempo, classificaram a redução da conscienciosidade dos adolescentes com menos rigor que os jovens.
A divergência pode parecer a princípio contraditória. Mas talvez possa ser explicada pelas grandes mudanças no relacionamento entre pais e filhos, desencadeadas pela demanda crescente dos adolescentes por autonomia e privacidade. Os pesquisadores ressaltam ainda que eles podem estar usando parâmetros distintos. Enquanto os pais avaliam as características dos filhos em relação a um adulto, os jovens se comparam aos colegas.
O resultado vai na mesma linha de vários outros estudos, que também identificaram um padrão de redução transitória das características vantajosas (especialmente amabilidade e autodisciplina) no início da puberdade. A visão geral da adolescência como uma "ruptura" temporária da personalidade parece, portanto, correta. Além disso, na pesquisa alemã, pais e filhos concordaram que a amabilidade tinha diminuído, apenas discordaram sobre quanto.
Naturalmente, esses são estudos de longo prazo que analisam as mudanças de personalidade comuns entre adolescentes. Esse tipo de dado no âmbito de grupos mascara a quantidade de variação individual que existe de um adolescente para outro. Na verdade, estamos apenas começando a entender a intrincada mistura de fatores genéticos e ambientais que contribuem para os padrões individuais de mudança de personalidade.
O cérebro adolescente é um bom ponto de partida. Nas últimas duas décadas, Sarah-Jayne Blakemore e outros especialistas mostraram como o desenvolvimento dos jovens é marcado por importantes mudanças no cérebro, incluindo uma "poda" do excesso de massa cinzenta, associada à aprendizagem.
Esse fator poderia contribuir para os padrões de mudança da personalidade na adolescência, de acordo com um estudo norueguês de 2018, baseado em imagens cerebrais. Os pesquisadores examinaram os cérebros de dezenas de jovens duas vezes, ao longo de um período de dois anos e meio, e pediram que os pais avaliassem as personalidades dos filhos em ambas as ocasiões.
Eles descobriram que quem tinha pontuações mais altas em termos de conscienciosidade apresentava uma taxa maior de afinamento da área cortical em várias regiões do cérebro - sinal de uma "poda" mais eficiente da massa cinzenta e maior maturidade. O mesmo foi observado em relação às avaliações mais altas no quesito estabilidade emocional.
Essa linha de pesquisa ainda é nova, mas, segundo os cientistas, os resultados sugerem que "grandes variações individuais nos traços de personalidade podem estar parcialmente relacionadas à maturação cortical durante a adolescência". Em outras palavras, a forma como a nossa massa cinzenta muda na adolescência pode afetar a maneira como nos sentimos e nos comportamos.
É claro que fatores externos, como situações de estresse ou adversidade, também estão intrinsecamente ligados a qualquer mudança de personalidade nessa fase. E é evidente que ser adolescente traz ansiedade. No entanto, pesquisas mostram que determinados tipos de estresse podem ter impacto sobre mudanças específicas de personalidade.
Em um estudo publicado em 2017, que contou com a cooperação de voluntários americanos, cientistas avaliaram a personalidade dos participantes, com idades entre oito e 12 anos, e repetiram o procedimento três, sete e dez anos depois. Em paralelo, os voluntários registraram experiências estressantes ou adversas que vivenciaram na adolescência.
A pesquisa mostrou que situações de adversidade que estavam fora do controle dos participantes - como o divórcio dos pais ou um acidente de trânsito - foram associadas ao aumento da instabilidade emocional ao longo do tempo, tanto na adolescência quanto na idade adulta.
Já quando o estresse estava diretamente relacionado às atitudes ou decisões dos participantes - como o mau comportamento que leva à expulsão da escola - teve um efeito maior na personalidade. Foi registrado não só um aumento do neuroticismo (a instabilidade emocional), mas uma diminuição da conscienciosidade e da amabilidade com o passar dos anos.
Os pesquisadores acreditam que adversidades geradas pelas ações de um jovem podem ser consideradas mais estressantes, prejudicando assim o desenvolvimento da personalidade dele.
Isso sugere que oferecer suporte emocional adequado aos adolescentes - especialmente aos que passam por situações de estresse - pode ajudar a combater um ciclo de mudança negativa de personalidade.
Mas nem tudo é prejudicial. Há pesquisas que apontam consequências benéficas das mudanças de personalidade dos adolescentes.
Um estudo suíço de 2013 mostra, por exemplo, que o processo de afirmação da "identidade" dos jovens - como perceber que podem agir de forma autêntica; ter o controle da própria vida e saber o que se espera deles - está associado ao desenvolvimento positivo da personalidade ao longo do tempo, incluindo maior estabilidade emocional e conscienciosidade.
Outro estudo revelou, por sua vez, uma ligação entre a autoconfiança na escola e o desenvolvimento positivo da personalidade.
Descobertas como essas são animadoras porque oferecem pistas de como podemos criar ambientes mais estimulantes para os adolescentes, a fim de ajudar no desenvolvimento de sua personalidade. Uma abordagem em que vale a pena investir, já que os traços da personalidade na adolescência são preditivos de experiências posteriores.
Por exemplo, um estudo britânico com mais de 4 mil adolescentes mostrou que aqueles que apresentaram uma avaliação baixa em conscienciosidade eram duas vezes mais propensos a ficar desempregados no futuro, em comparação com quem conseguiu pontuações altas no mesmo quesito.
Nós nos concentramos muito em fazer com que os adolescentes estudem e passem no vestibular. Mas talvez devêssemos focar também em ajudar a cultivar suas personalidades. Pensando nos meus gêmeos, essa é uma área de pesquisa que quero acompanhar de perto.
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*Christian Jarrett edita o blog "Research Digest" da Sociedade Britânica de Psicologia. Seu próximo livro, Personology, será publicado em 2019.
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