Ela dribla as dificuldades de criar os filhos sozinha, com a cooperação da família, dos amigos e de grupos de mulheres que vivem a mesma situação.
Malu Echeverria
Durante uma consulta de rotina ao pediatra, com o filho de 6 meses nos braços, a produtora Bárbara Gorgueira, 24 anos, de São Paulo, não conseguiu conter as lágrimas na sala de espera. 'De repente, me senti só', conta a mãe de Bruno, hoje com 5 anos. O marido de Bárbara, que costumava acompanhá-la nessas ocasiões, falecera havia poucos dias. Além do trauma da perda, ela tinha pela frente a missão de criar o filho sozinha. Mas o que parecia uma tarefa impossível foi se tornando, aos poucos, viável. Nesses cinco anos, Bárbara foi aprendendo a reorganizar sua vida. Voltou a trabalhar, recuperou-se de uma crise de depressão e agora divide os cuidados e a educação do filho com os pais. 'Não foi e ainda não é fácil. Mas hoje o Bruno está aí, saudável e feliz, para provar que é possível.'
Bárbara faz parte de um grupo crescente no Brasil. Segundo dados do Censo 2000, um em cada quatro lares brasileiros é chefiado por mulheres. Embora a pesquisa não investigue detalhes, acredita-se que na maioria dos casos trata-se de mães que criam seus filhos sozinhas, sem a colaboração diária do pai. Para o antropólogo Klaas Woortmann, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília e autor de A família das mulheres (ed. Tempo Brasileiro, 1987), o fenômeno acompanha o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho e o aumento do número de divórcios.
'Esses novos arranjos familiares, que prescindem ou resultam da ruptura de um casamento, são cada vez mais comuns, não só no Brasil. A família tradicional está deixando de ser padrão, dando lugar a famílias monoparentais (avós, um dos pais e filhos), de produções independentes (mãe e filhos) e de casais homossexuais', afirma Woortmann.
Vencendo a solidão
Arcar com as responsabilidades de assumir uma criança sem poder contar com um parceiro, para dividir tarefas, gastos financeiros e preocupações, não soa nada animador. É comum a mulher sentir-se desamparada. Para aliviar essa solidão, a advogada gaúcha Viviane Giacomazzi, 32 anos, mãe de Pedro Alexandre, 1 ano e 8 meses, recorreu à tecnologia. Há sete meses, ela criou na internet um site que funciona como um diário digital, ou weblog, chamado 'Diário de uma mãe solteira'. Desde então, usa o espaço para trocar experiências com mães de todo o país.
Durante a gravidez, Viviane, que assumiu o filho sozinha, sofria só de pensar que teria de criá-lo sem o pai. 'Eu terminei um relacionamento poucos dias antes de saber que estava grávida. Tinha um sentimento de abandono, mas, na primeira vez que senti Pedro mexendo na minha barriga, essa angústia se transformou em força. Percebi que ele precisava de mim. Deixei a frustração amorosa de lado e encontrei ânimo para seguir', conta.
Pedro tem 1 ano e 8 meses, e Viviane ainda está se adaptando à vida de mãe solteira. Parou de estudar temporariamente – ela cursava administração – e não pensa em namorar tão cedo: 'Estou dando um tempo para mim mesma.' Por meio do site, ela fez amigas com quem divide suas inseguranças e alegrias de ser mãe. A família também lhe garante suporte emocional, principalmente a irmã mais velha, que tem dois filhos. 'É para ela que eu ligo, quando meu filho acorda com febre de madrugada', diz Viviane.
Redes de apoio
A cooperação da família, de amigos ou grupos de pessoas que estejam vivendo situações parecidas pode ajudar – e muito. 'Essa rede de apoio recíproco é importante. Caso contrário, a sobrecarga de tarefas pode deixar a mãe impaciente, influenciando sua relação com o filho', afirma a psicóloga Maria Tereza Maldonado, autora de Comunicação entre pais e filhos (ed. Saraiva, 1986).
Seja por opção própria, seja por circunstâncias alheias à vontade da mulher, as dificuldades de criar um filho sozinha são as mesmas. 'O sucesso depende, em primeiro lugar, da postura que a mãe assume. Se encarar tudo com otimismo, lembrando-se de que seu papel é amparar, fica mais fácil', diz a psicóloga. A ajuda de pessoas próximas faz muita diferença, mas é a mãe quem deve tomar a decisão final sempre. Vale lembrar: mães que contam com o pai da criança também se sentem desamparadas vez ou outra.
Festas na escola
Festas na escola O Dia dos Pais e o Dia das Mães sempre mobilizam crianças, professores e funcionários na escola. Um tempo enorme é investido em prepartivos para festejar datas como essas, que incluem apresentações e lembranças produzidas pelos alunos. Apesar da boa intenção, a pedagoga Daisy Gonçalves, orientadora educacional da Escola da Vila, em São Paulo, lembra que esse tipo de comemoração não é função da escola. 'Não faz sentido desperdiçar tanto tempo em celebrações que não dizem respeito à formação do aluno', acredita. 'Além disso, é preciso considerar a conveniência desses eventos, diante dos diferentes arranjos familiares, das famílias formadas por duas mães, dois pais, filhos órfãos e pais ausentes, entre outros', afirma.
A preocupação é justa. É provável que crianças sem pai ou mãe, numa festa de escola, sintam-se diminuídas em relação aos outros alunos. Mas o cuidado deve ser constante, estendendo-se às demais atividades educacionais. Para a pedagoga, quando se fala em laços familiares, o conceito deve ser amplo, abrangendo outros adultos também importantes na vida da criança, como avós, tios ou padrastos, por exemplo.
No lugar do pai
Erra quem acredita que pode ser pai e mãe. 'A figura do pai é insubstituível. Quando se entende isso, é possível conviver com a falta', explica a psicóloga Maria Tereza. Para ela, a mulher não deve se iludir, achando que é capaz de preencher tudo. Buscar a imagem paterna no avô, no tio ou em alguma pessoa próxima é válido, mas não essencial.
'Não dá para fazer milagre', concorda a funcionária pública Jacira Francisco, 40 anos, mãe de Daniela, 16, e Luciene, 14. Desde que se separou do marido, há 11 anos, ela decide sozinha tudo que diz respeito à educação e à saúde das meninas. 'No início, fiquei completamente sem rumo, desnorteada mesmo. Não escolhi isso para minhas filhas, mas foi assim que aconteceu', diz Jacira. Ela lembra que, apesar de hoje estar bem, nem tudo foi um mar de rosas. Perdeu a conta das inúmeras madrugadas que saiu às pressas rumo ao médico, com uma das crianças nos braços. E ouviu muitas cobranças da filha Daniela – quando havia reunião na escola, por exemplo. 'Ela me entregava o papel de aviso, apontando: 'Aqui está escrito reunião de pais, não só da mãe, viu?'' O rendimento escolar da menina, a princípio, foi afetado pela separação dos pais. Com a ajuda de um terapeuta, porém, ela superou os problemas e, atualmente, está terminando o ensino médio no tempo previsto. 'Sempre procurei mostrar para elas que o divórcio não era o fim do mundo', conta a mãe. De fato, crescer sem o contato diário com o pai não significa ter crianças problemáticas em casa.
Vou dar conta?
Pai e mãe juntos estão sujeitos a cometer tantos erros e acertos na educação dos filhos quanto a mulher sozinha. Receios e inseguranças são naturais. 'Embora exista uma cobrança muito grande da sociedade, a mãe não tem de ser perfeccionista. Caso contrário, ela se sentirá culpada toda vez que errar. Ela tem de aceitar suas limitações e explorar possibilidades', observa a psicóloga Maria Tereza.
Mãe solteira nos anos 70, Olga Salomão, 52 anos, de Rio Claro (SP), foi vítima de preconceito e discriminação. 'As pessoas não me convidavam para festas, alguns amigos se afastaram e outros diziam que eu deveria ter vergonha de sair na rua', lembra a mãe de Gustavo, 28 anos, Cecília, 25, e Ricardo, 24, todos de pais diferentes. Isso não a abateu. Ela mesma organizava grupos de mulheres em sua comunidade, para debater a condição feminina. Agora que os filhos estão adultos, Olga avalia a situação da mãe sozinha. 'Com ou sem a ajuda do pai, é difícil criar os filhos. Abri mão de muita coisa, como toda mãe faz. Mas nunca deixei que sentissem pena de mim. Meus filhos sempre foram crianças tranqüilas. Hoje, são cidadãos conscientes, e cada um deles é feliz a seu modo.'
Cadê meu pai?
Muitas vezes, não é simples explicar aos filhos por que o pai não mora na mesma casa que eles. Quando surgirem as perguntas, não ignore os sentimentos da criança. 'A mãe deve dizer a verdade, mas com o cuidado de não magoar o filho', afirma a psicóloga Maria Tereza Maldonado. Isso significa não depreciar a imagem do pai. Diga a seu filho que existem outras crianças que também não convivem sempre com o pai e são felizes.
Pai falecido
A criança deve saber, desde cedo, que teve um pai que a amava. É importante manter a lembrança viva, com histórias e fotos, pois o filho precisa de uma referência.
Pai ausente
Conte que ele existe, mas está longe por algum motivo. Para que o pai não se torne uma figura fictícia, o ideal é referir-se a ele pelo nome.
Pai divorciado
É comum o filho assumir as dores da mãe após a separação, recusando-se a visitar o pai. Explique à criança que o divórcio aconteceu porque os pais acharam melhor, mas isso não afeta o amor que os dois sentem por ela.
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