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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Filho de Edmundo, Alexandre Mortagua reflete sobre abandono paterno: "São gerações de mulheres criando filhos sem pais"

Alexandre Mortagua (Foto: Reprodução Instagram)

MARIE CLAIRE

24.09.2018 - POR NATACHA CORTÊZ

O cineasta, fruto do relacionamento do jogador com a modelo Christina Mortagua, acaba de terminar seu primeiro filme, "Todos Nós 5 Milhões", que joga luz sobre os efeitos causados pela ausência de um pai

Crianças abandonadas, mães solos e pais omissos. Todos Nós 5 Milhões, filme roteirizado, produzido e dirigido pelo carioca Alexandre Mortagua, 23 anos, é sobre todas essas coisas, mas também uma obra de tom autobiográfico. Talvez uma tentativa do cineasta de entender a própria história. Se não fosse pela luta da mãe, a modelo Christina Mortagua, ele seria parte das estatísticas que dão nome ao seu filme. O Censo Escolar de 2013 revelou: há mais de 5 milhões de crianças matriculadas no sistema educacional brasileiro, público e privado, sem reconhecimento paterno. Isto é: sem o nome do pai no registro.“Ele se chama Alexandre Mortagua de Souza, e esse Souza é do pai, porque venci na justiça o direito dele ter pai”, escreveu Christina em um post do Instagram, orgulhosa do filho que teve com o ex-jogador de futebol Edmundo, o “Animal”, como ficou conhecido. A paternidade, conforme lembrou a mãe, foi reconhecida por causa de um teste de DNA, mas o menino teria perdido o contato com o pai aos 4 anos. Isso em 1999, quando Edmundo chegou a ser preso acusado por Christina de dever R$ 21 mil em pensão alimentícia.

O assunto "relação pai e filho", Alexandre evita. Se recusou a responder quatro de cinco perguntas que fizemos a respeito. “Você perdoou o abandono do seu pai? Ou nunca houve porque perdoar?” foi a única que aceitou comentar, mesmo que de forma esquiva. “Não tenho que pensar em nada para trás. Não existe espaço para pensar no se, ou no passado. Tem espaço para tudo que está acontecendo agora. Todos os meus projetos e alegrias, as pessoas que eu amo e o que construí até aqui. Mas não para pensar nisso”, disse.

A ideia para o filme, Alexandre conta, começou “no chão da sala da minha casa”. “Estavámos eu, Luana, que foi uma das produtoras, Giu, uma das diretoras de fotografia, e Sara, minha assistente de direção. A gente queria fazer um filme. Apresentei a ideia e as minhas pesquisas da época. Elas gostaram. Em dois meses, estávamos filmando.” O longa, um híbrido de documentário e ficção, conta com 22 pessoas entrevistadas, entre crianças abandonadas, mãe solos e pais omissos. “Filmando, percebi que abandono paterno é, muitas vezes, geracional. São gerações e gerações de mulheres criando seus filhos sem a presença do pai biológico. Por isso, no fim o filme é sobre essas mulheres e as famílias que cresceram em torno delas e das crianças. Não existe vácuo quando tratamos de abandono paterno. Os buracos são preenchidos por alguma coisa ou alguém. Mães, tias, avós, amigas. Acontece o surgimento de um novo núcleo familiar”, ele explica.

São gerações e gerações de mulheres criando seus filhos sem a presença do pai biológico. Por isso, o filme é sobre essas mulheres e as famílias que cresceram em torno delas e das crianças"
Alexandre Mortagua
No Brasil, uma mãe ou um pai que abdica de um filho pode até mesmo ir preso por “abandono de incapaz”. O artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de detenção de um a seis meses para “quem deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de 18 anos, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social”. Mesmo assim, segundo dados colhidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2015, o país ganhou mais de 1 milhão de famílias compostas por mãe solo, em um período de dez anos. Ou seja, o termo “abandono paterno” é literal. Falamos de homens que não reconhecem seus filhos ou que os deixam, mais cedo ou mais tarde.

O peso do descaso também onera a maternidade. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) identificou que metade das mães brasileiras foi demitida até dois anos após a licença-maternidade. Já um levantamento realizado pela Catho escancarou ainda mais o problema ao descobrir que 28% das mulheres deixaram o emprego após a chegada dos filhos, enquanto o mesmo se dá apenas com 5% dos homens. A falta de creches e de uma educação infantil de qualidade são fatores determinantes para esses índices.



Alexandre quando menino e a mãe, Cristina Mortágua, no Maracanã (Foto: Reprodução Instagram)
Apesar do tom autobiográfico, Alexandre não quer que sua história pessoal se confunda com o filme. “Apareço no filme como material de arquivo, no começo e no final. E depois há umas pequenas homenagens que faço. Os personagens, todos eles têm nomes de pessoas que participaram da minha criação de alguma forma. São nesses pequenos momentos em que o filme é mais diretamente sobre mim.” Esse material de arquivo que ele cita são, por exemplo, cenas de sua mãe no hospital, grávida dele e prestes a dar a luz.

Se tudo der certo, “Todos Nós 5 Milhões” deve ser uma trilogia. “Nesse primeiro momento, é sobre a mãe, uma visão de um filho falando de sua mãe. E daí sim tem muito de como eu vejo minha mãe. Agora estou escrevendo um filme sobre o filho e depois virá o terceiro, sobre o pai.” Alexandre tem negociado com festivais e distribuidoras para a exibição do longa, que deve sair no primeiro semestre de 2019, e salienta que não teve nenhum apoio da Lei de Incentivo à Cultura, apenas patrocínios privados.
Aqui, o trailer do filme:

O filho gay de Edmundo

Não é de agora que Alexandre vira motivo de pauta para o noticiário. Desde que nasceu, sua vida é exposta e até “explorada”, recorda. Quando criança, a manchete era sobre o pai que não pagava a pensão. Na adolescência, o causo da mãe na delegacia depois de uma tentativa dela de exorcizar o filho gay. Mais tarde, “o filho esquecido do Animal”. Em relação ao ocorrido na época e o assédio da imprensa, ele diz: “Hoje, olhando com alguma distância, sei que fui usurpado. Teve até uma jornalista que se fingiu de funcionária do Conselho Tutelar para perguntar umas coisas para minha vó. Se aproveitaram de mim, da minha inocência. Rolou muita malícia com a minha história. Eu só era um menino de 16 anos passando por uma situação bem extrema com a mãe de forma pública. Me arrependo de cada entrevista. Não caíram nada bem.”


Alexandre Mortagua (Foto: Arquivo pessoal )
Sim, eu sou o filho gay do Edmundo. Mas sou milhares de outras coisas também."
Alexandre Mortagua
Sobre a pecha de “filho gay de Edmundo”, Alexandre apenas acha “meio caipira” o tratamento. “Não me incomoda, eu não tenho nenhum tipo de problema ou de vergonha porque, afinal de contas, eu sou gay. E sim, eu sou o filho gay do Edmundo. Mas sou milhares de outras coisas também. Só que tenho que dizer, ser gay é massa! Ser gay é uma parte muito importante da minha vida. Define com quem eu quero andar, quem eu admiro, o que eu quero produzir, como eu quero produzir, pra quem eu quero produzir, as pessoas que quero próximas e as pessoas que quero longe.  O problema é homofobia. Mas daí já não é comigo.”

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