Guardada as devidas proporções, Glow chegou como uma extensão natural da temática feminina de Orange is the New Black (ou da desconstrução da associação de feminilidade), e não somente por Jenji Kohan, criadora do popular seriado da Netflix ambientado na prisão de Litchfield, ser uma das produtoras executivas do show sobre um grupo deveras distinto de mulheres, excêntricas e nada comuns, que topam participar de um programa de luta livre feminino exibido em TV aberta e que era igualmente dotado de um caráter cômico e kitsch, algo tão típico dos anos 80, quando surgiu.
Glow, é claro, é bem menos ambiciosa que sua “irmã” (vale lembrar que as duas séries são distribuídas pela gigante Netflix), e grande parte de seus méritos é se beneficiar de sua ambientação muito mais colorida, brega, tão espirituosa quanto foram os anos 80 em estilo e identidade. Em sua primeira temporada, as showrunners Liz Flahive e Carly Mensch exploraram com eficácia temas tão inerentes ao cotidiano feminino, independente do quão desglamourização ele seja. Com um time de personagens tão variado, temas como a inadequação social pela falta de padronização da imagem feminina, a falta de oportunidades para o chamado (e que termo já ultrapassado, não é?) “sexo frágil”, frustração, a exploração midiática da inversão de papéis, maternidade e até mesmo o direito ao aborto.
Glow, é claro, é bem menos ambiciosa que sua “irmã” (vale lembrar que as duas séries são distribuídas pela gigante Netflix), e grande parte de seus méritos é se beneficiar de sua ambientação muito mais colorida, brega, tão espirituosa quanto foram os anos 80 em estilo e identidade. Em sua primeira temporada, as showrunners Liz Flahive e Carly Mensch exploraram com eficácia temas tão inerentes ao cotidiano feminino, independente do quão desglamourização ele seja. Com um time de personagens tão variado, temas como a inadequação social pela falta de padronização da imagem feminina, a falta de oportunidades para o chamado (e que termo já ultrapassado, não é?) “sexo frágil”, frustração, a exploração midiática da inversão de papéis, maternidade e até mesmo o direito ao aborto.
Sem a necessidade de apresentar e estabelecer suas personagens ao público (e algumas presenças masculinas também), surge para Glow a oportunidade de se aprofundar com mais afinco na personalidade das garotas, algo que problematizou o andamento da primeira temporada e sua conexão com o público: muitas delas careciam de personalidade própria e se resumiam à excentricidade que lhes era inerente. O ponto alto segue sendo a inimizade entre a protagonista Ruth (Alison Brie, sempre ótima) e Debbie (Betty Gilpin, aqui uma presença e personagem maior) após a primeira ter traído a segunda ao manter uma relação extraconjugal com o marido da amiga.
Talvez o que falte para Glow seja essa vontade ser mais kitsch e berrante do que seus episódios realmente se permite. Claro, toda a identificação oitentista está ali presente, desde os figurinos hipermega coloridos, os letreiros dos programas, e uma trilha sonora absurdamente gostosa que vai de Scandal e Journey, passa por Roxette e The Go-Go’s e termina em Billy Joel, Alice Cooper e Stan Bush. Tudo ao que o pacote dá direito. Mas estranhamente, a nova leva de episódios do seriado, liberados hoje na Netflix, se levam um pouco mais a sério do que deveriam, e por mais que o peso de situações obviamente inspiradas na explosão de movimentos recentes como o #MeToo (impossível conter o desconforto quando o assédio moral e sexual cai sobre Ruth), Glow ainda é cinza demais para uma série cuja identidade cômica e dramática andam lado a lado.
Prova disso é quando o roteiro decide dar um enfoque maior em Bash, personagem gay de Chris Lowell que se assume como um dos raros pontos de representatividade quando se analisa o lado masculino do elenco, mas tratado de forma ingrata quando a série lhe joga num subplot que, apesar de coerente, pende muito mais para o lado da estereotipização de sua persona enquanto homossexual: a fatalidade da AIDS. Piora o fato de que, além de inserido com certa má vontade, a temática seja relegada aos últimos episódios e suas consequências sejam tão rasteiras e mal aprofundadas por enquanto.
Felizmente, Glow acerta quando decide dar uma nova cara para temas recorrentes, mas que seguram com firmeza sua pertinência para o público que acompanha a série, assim como a análise promovida pelo seriado em analisar os conceitos machistas e misóginos do passado com o que é espelhado na atualidade. Se figuras antes interessantes como Carmen “Machu Picchu” Wade e Cherry “Junkchain” Bang são relegadas a escanteio e pouco abrem a boca durante os dez episódios que compõem essa nova temporada, é refrescante quando o roteiro se esforça para se aproximar da retratação da realidade do próprio elenco quando foca em Kia Stevens, lutadora real de GLOW da vida real, e que serve para trazer um novo rosto ao racismo já atrelado a espetacularização de rostos femininos dentro de um ambiente esportivo comandado por homens. Aliás, é bem-vinda a ousadia do plot em alfinetar até mesmo o ”jeitinho” americano de tratar as mulheres negras, algo que é simbolizado numa cena absurdamente comovente e revoltante entre Kia e seu filho, que acaba de entrar na faculdade como um dos dez alunos com a bolsa Martin Luther King.
Falando em ousadia, é corajoso também como o seriado segue retratando a persona de Sam Sylvia (um ótimo Marc Maron), diretor do espetáculo televisivo que é o GLOW, e que assume a identidade tão ligada ao epicentro masculino de quem está no poder: Sylvia é machista e abusa de sua autoridade enquanto o responsável por comandar a performance das meninas diante das câmeras e se comporta como um típico homem ameaçado e de autoridade desafiada quando o grupo se reúne para elaborar uma vinheta sem a participação de seu diretor. E ainda assim (e sem justificar os péssimos hábitos do personagem), o roteiro é eficiente quando decide humanizar a figura de Sylvia que, no fim das contas, se revela muito mais como um ser humano tão perdido e debilitado nas decisões da vida quanto aquelas garotas, que se esconde atrás de suas posições e atitudes ególatras para evitar que sua imagem tão falha quanto as outras venha à tona.
De fato, é quando resolve focar no que há de mais comum sobre seus personagens que Glow acerta e se revela uma série satisfeita com suas temáticas e contornos já tão explorados, seja no cinema ou na TV, mas que oferecem um ponto de confortabilidade ao roteiro para que este deixe claro suas intenções e a força de suas mensagens, por mais que não haja, como já dito, intenções maiores por parte dos realizadores. O melhor é como esta temporada se dá à liberdade de evoluir naturalmente mesmo com as decisões por detrás dos panos em relação aos show business, aos negócios e a imagem que o espetáculo precisa desesperadamente vender ao público (o episódio que encena toda uma história por detrás de um dos conflitos de wrestling é sensacional). Apesar dos equívocos, o seriado segue com seu humor afiado tão característico, aliado a temas e situações que casam perfeitamente com a proposta de espelhamento entre o machismo e a misoginia de ontem e de hoje, sem deixar de lado o fator entretenimento bem divididos em dez episódios fáceis e gostosos de se acompanhar.
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