É preciso escutar o desamparo vivido em uma idade com pouca experiência, mas muitas incertezas.
By Amanda Mont'Alvão Veloso
10/09/2018
Por anos, falar de suicídio foi algo tão evitado e tabu que o assunto era frequentemente confinado ao silêncio da perplexidade ou ao sensacionalismo da busca por "culpados". É, naturalmente, um acontecimento que suscita muitas perguntas para poucas ou nenhuma resposta. É angustiante porque escancara nossa impotência e ilusão, como humanos, de controle sobre tudo à nossa volta.
Ainda assim, à margem desse tabu, as ocorrências de suicídio foram aumentando. Cresce também o autoextermínio entre adolescentes. Os números já davam a triste notícia: o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
No Brasil, a média de suicídio entre pessoas dos 15 aos 29 anos é de 5,6 mortes a cada 100 mil jovens — 20% acima da média nacional, segundo as pesquisas pesquisa Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil e Mapa da Violência: os Jovens do Brasil.
Recentes suicídios de alunos de escolas de São Paulo trouxeram à tona a emergência de se discutir o sofrimento dos adolescentes e as saídas possíveis para um desespero sentido como insuportável. O desenvolvimento de uma escuta dos "cifrados" pedidos de ajuda revelou-se urgente, tanto no âmbito familiar quanto nas escolas. O que estes adolescentes estariam dizendo sobre suas vivências?
Preciso que tudo pare. As pessoas, a vida.
As palavras da personagem Hannah Baker, adolescente protagonista da ficção 13 Reasons Why — primeiramente um best seller literário e depois a série mais comentada da Netflix —, parecem enigmáticas se escutadas fora de seu contexto. Mas trata-se, sobretudo, de um pedido de socorro, verbalizado com pouca clareza, na medida em que a garota conseguiu se expressar. Quem acompanhou o livro ou a série sabe que esta é a história de uma adolescente que, após sentir seus recursos esgotados, se matou. Matou-se para fazer a dor de viver parar.
Assim como na ficção, muitos adolescentes estão pedindo ajuda. E pais, familiares, amigos, colegas e professores se colocam em uma aflitiva busca pela identificação dessas mensagens. Afinal, como decodificar esse mal-estar que, no caso dos jovens, mal chega às palavras? Segundo o psicanalista Roosevelt Cassorla, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor do livro Suicídio: Fatores Inconscientes e Aspectos Socioculturais (Blucher, 2017), faz parte do processo adolescente recorrer ao ato em vez de à palavra. Pois o ato impulsivo é um pedido de ajuda.
"Há, nos jovens, uma força pulsional e uma dificuldade de esperar e transformar esta força em pensamento. A impulsividade é normal no adolescente e é um dos motivos para que a maioridade penal seja a partir dos 18 anos. Os adolescentes precisam de adultos próximos, como pais e professores, que os escutem com paciência e acolhimento e os ajudem a pensar", explica ao HuffPost Brasil.
Adolescência, um período de vulnerabilidade
Para pensar o suicídio na adolescência, é preciso pensar na vulnerabilidade destas pessoas ainda em formação de identidade e em sua dificuldade de relativizar o que está acontecendo à sua volta. "O jovem se sente perplexo frente aos impulsos internos intensos e à demanda confusa do mundo externo. Fazem parte desta fase as dificuldades em avaliar a realidade e a necessidade impulsiva de resolver situações frustrantes", exemplifica o psicanalista Roosevelt Cassorla, da Unicamp.
Diferentemente das "causas aparentes" comumente apontadas no suicídio, como o bullying ou o término de um namoro, o ato suicida é complexo e "depende de fatores internos, como timidez, problemas de autoestima e a dificuldade em lidar com as frustrações, e de fatores externos, como uma sociedade que maltrata e não é acolhedora", identifica Cassorla.
O relacionamento com o mundo externo é turbulento para um adolescente com ideação suicida. E essa ideação indica que algo sério está em curso, alertam os psicanalistas Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso, autores do livro Adolescência em Cartaz (Artmed, 2018). "Comentar ou comunicar a família, os amigos ou amores desta vontade de desistir é uma forma de anunciar que não se sente em condições de crescer — 'melhor nem tentar, nem começar'. A ideia de desistir provavelmente significa que o jovem é incapaz de lidar com os ideais aos quais sente ter que se adequar."
Enquanto mundo interno e externo não se apaziguam dentro de um adolescente em sofrimento, o suicídio de alguém tão jovem provoca assombro e desperta uma espécie de desconforto com o que parece ilógico para a sociedade. O que leva um adolescente, em processo de definição das escolhas de vida, a desistir desta história que ainda está sendo escrita? Diana e Mário lembram que a adolescência, para alguns, é a fase mais difícil da vida por ser a mais desprotegida:
"É natural que os índices de desistência da vida venham de quem não criou anticorpos para a dura tarefa de viver em sociedades complexas como a nossa. O desafio da adolescência é viver sem tutela; logo, os jovens enfrentam mares revoltos sem boas bússolas e ao lado de pessoas que tampouco sabem os melhores caminhos."
A missão de navegar nestas águas desconhecidas bem poderia ficar mais fácil com um manual de instrução ou a ajuda de alguém experiente. Mas quem já foi adolescente possivelmente vai se lembrar da vontade de tentar resolver os problemas sozinho, já que pedir ajuda aos pais dá uma sensação de regressão à infância. "Afinal, eles já estão crescidos, querem provar aos outros, e a si mesmos, que já dão conta dos seus dramas sem recorrer a ninguém", argumentam Diana e Mário.
Em momentos como esse, de não se saber o que fazer, as tentativas de independência do adolescente podem esbarrar no desejo dos pais de que os filhos não cresçam, não deixem o ninho e suas vidas vazias de todo o afeto e razão de viver que os pequenos trazem para as famílias, explicam os psicanalistas.
"Nesse sentido, quando um adolescente confessa aos pais sentir medo, tristeza ou desvalia, sabe que corre o risco de ser envolvido em um amor regressivo, criando a ilusão de que não é preciso sair. O amor dos pais é um canto de sereia ao qual os filhos têm que ter a coragem de resistir."
Adolescentes na 'intimidade' do mundo digital
Alvo de queixas entre pais e professores, os celulares, tablets e computadores comportam muitas das manifestações íntimas da adolescência. É ali o espaço de pesquisa, de experimentação, de ver o novo, de fazer amizades, de construir relacionamentos, de expandir o conhecimento. Mas é também onde se exibe, onde se pode ver sem limites e onde se depara com maldades anônimas, com a criminalidade, com o prolongamento do bullying e com a falta de responsabilização. Não muito diferente do mundo real, portanto.
Porém, a internet abriga perigos comumente não avaliados pelos adolescentes por uma questão de maturidade. Uma vez que esse contato se faz de maneira privada, fica mais difícil de os adultos protegê-los. "O que mais nos preocupa é que quem cuida dos adolescentes não conhece tão bem esse mundo digital e seus caminhos. Cria-se um descompasso: como ajudar alguém em experiências não vividas? Como lidar com nosso próprio medo do desconhecido?", alertam Diana e Mário.
Muitos dos pedidos de socorro acabam sendo veiculados no mundo digital, sem que um adulto responsável possa ajudar. Redes sociais e aplicativos de mensagem comumente entregam postagens de desamparo.
Para os psicanalistas, é essencial ajudar esses adolescentes no dia a dia, criando uma proteção que se estenda para a internet.
"Se no mundo real eles forem fortes, tiverem conseguido um reconhecimento mínimo e desenvolverem instrumentos narrativos e conhecimentos, nem que sejam ainda precários, eles poderão, minimamente que seja, dar conta do que se passa com eles, seus pares e seu mundo real."
Adolescentes protetores
Diante do desafio de comunicar o sofrimento e se sentirem acolhidos, o que pode ocorrer com pais, familiares e profissionais de saúde mental, os jovens também podem encontrar aliados em outros adolescentes, conhecidos como "protetores". São garotas e garotos capazes de dar suporte uns aos outros. "É comum reconhecermos a perversão do adolescente que faz bullying, agride e é abusivo, mas temos dificuldade em reconhecer adolescentes cuidadores e amorosos, que são a maioria", ponderam Diana e Mário.
Os psicanalistas afirmam que é importante apostar em adolescentes que sabem ou querem cuidar dos outros. "Não se trata de deixá-los sós com esse fardo ou de delegar exclusivamente a eles a tarefa de cuidar de seus pares, mas de conquistar aliados na geração que precisa de cuidados."
Pensar na adolescência como uma geração com conflitos próprios e sérios requer a recuperação de memórias editadas em nome de uma juventude lembrada como "perfeita". Em outras palavras, para ajudar os adolescentes, é preciso se lembrar que já se foi um, com toda a insegurança, tristezas e problemas da época. "Se não fôssemos tão amnésicos, jamais tenderíamos a supor que a adolescência é uma época de prazeres sem deveres, como uma espécie de férias antecipadas antes da indesejável e temida condição adulta", destacam os autores.
Existem infinitas formas de levar a vida, e nenhuma é fácil.
Não raro a dor de existir sentida por adolescentes é subestimada e substituída pelo rótulo de "aborrescência". Essa dor persiste em um mundo de grande rejeição a qualquer fragilidade, insegurança, depressão ou incerteza. Nesse cenário, pessoas se sentem "fracassadas" e "perdedoras". Enquanto a valorização da sociedade recai sobre os êxitos mensuráveis, não importam as amizades feitas, a criatividade usada na vida e as saídas pensadas singularmente. "Só importa se o adolescente consegue ser um aluno bem adaptado na escola, se ele é muito bem avaliado e se no futuro conseguirá um bom trabalho", criticam Diana e Mário.
Para eles, é necessário elaborar um discurso de prevenção do suicídio, contemplando não apenas os adolescentes, mas todos aqueles com ideação suicida. "Precisamos construir um discurso que contemple os desencaixados, que constituem a maior parte de nós, os quais não necessariamente fracassarão, mas apenas não estão em posição de obter e ostentar medalhas. Sabemos, mas costumamos esquecer, que existem infinitas formas de levar a vida, e nenhuma é fácil."
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