Por Michael Segalov; Traduzido por Marina Schnoor
set 17 2018
Depois de 20 anos casada, Kate descobriu que seu marido procurava imagens ilegais de abuso sexual infantil na internet.
Sinead Keenan interpreta Kate em 'Married to a Paedophile', uma história real. Screenshots são cortesia do Channel 4.
Foi alguém batendo na porta, logo depois das 7 da manhã, a primeira indicação de que Kate não teria um dia normal. Ela estava se arrumando para o trabalho na casa de sua família, que ela dividiu com o marido, Alex, por 20 anos. Suas duas filhas já tinham se mudado, então não podia ser uma delas, e ninguém era esperado tão cedo.
“Quando me dei conta, a casa estava cheia de policiais”, explica Kate pelo telefone. “Eles foram direto para o quarto enquanto eu me maquiava e disseram que precisavam de todo meu equipamento eletrônico.” O celular de Kate estava na cama; um iPad e um notebook estavam em algum lugar da casa. “Eu não tinha ideia do que estava acontecendo.”
Um policial disse a Kate para se sentar na sala. Antes disso, ela ligou para o escritório onde trabalhava para explicar que provavelmente chegaria atrasada. Ela estava tão confusa que esqueceu de desligar o telefone. Mais tarde saberia que a mensagem de voz que deixou para o chefe continuou gravando a conversa.
Um policial disse a Kate para se sentar na sala. Antes disso, ela ligou para o escritório onde trabalhava para explicar que provavelmente chegaria atrasada. Ela estava tão confusa que esqueceu de desligar o telefone. Mais tarde saberia que a mensagem de voz que deixou para o chefe continuou gravando a conversa.
“Alex estava sentado se balançando numa cadeira”, continua Kate. O que ele disse quando abriu a boca estremeceu Kate até o cerne. “'Não sou pedófilo, não sou pedófilo', ele repetia para si mesmo, várias e várias vezes. A polícia não deixou a gente conversar em particular porque, quando entram numa casa, eles não sabem quem vão prender. Alex só continuou repetindo essa frase.”
Com só as palavras de seu parceiro da vida como pista, Kate ficou na defensiva e acreditou que talvez aquilo fosse só uma acusação maliciosa.
Doze horas depois, Kate chegou à delegacia para onde o marido foi levado. Eles se sentaram numa sala e ele confessou que, por anos, procurou imagens ilegais de abuso sexual infantil na internet.
“Quando ele confessou, tudo mudou”, diz Kate. “Eu estava defendendo ele até então, até sendo grossa com os policiais. Eu estava lutando por ele – mas aí ficou claro que eu estava do lado errado. Quando percebi que ele esteve mentindo, soube que não havia esperança para o nosso casamento. Eu sabia que não conseguiria superar isso.”
Kate lembra de ter gritado e se levantado na sala da polícia, depois ir embora, querendo escapar para qualquer lugar que pudesse. Dois anos se passaram desde o dia em que a vida de Kate mudou para sempre, e agora ela está se preparando para a estreia de um documentário que ela cocriou – Married to a Paedophile – no Channel 4 do Reino Unido.
Falamos com ela por telefone para preservar seu anonimato. O nome dela não é realmente Kate e, enquanto o áudio usado no documentário é de gravações reais com Kate e outros envolvidos, atores reconstruíram as conversas. A equipe por trás do filme passou meses com Kate e outra mulher que passou por uma experiência similar, documentando as tentativas das famílias de navegar por um território desconhecido e futuros incertos.
Quando falamos sobre abuso sexual infantil, o foco invariavelmente é no perpetrador e suas vítimas. Mas Kate abriu sua vida para a diretora/produtora Collette Camden, na esperança de que esse documentário chame a atenção para outros inocentes que muitas vezes são esquecidos – as famílias daqueles que cometeram crimes tão grotescos.
“Muita atenção, com toda justiça, vai para as vítimas de crimes sexuais e de imagens online”, diz Kate, antes de fazer uma pausa. “Esse deve ser o foco principal. Muita atenção também é devotada aos criminosos e na discussão de como eles devem ser tratados; por que eles cometeram os crimes e o que pode ser feito para evitar isso. Mas ninguém pensa nesse terceiro grupo de pessoas. Nossas vidas mudaram do nada. E foi devastador.”
Kate lembra de ligar para o oficial que prendeu seu marido; ela ficou sozinha sem saber o que viria depois e queria saber para quem ela podia se voltar para ter algum apoio ou direção. O oficial sugeriu o apoio às vítimas, mas acrescentou que ela não era realmente uma vítima. “Ele disse que éramos danos colaterais”, diz Kate, claramente frustrada. “Não houve consideração comigo ou com as minhas filhas.”
Kate levou Alex para casa depois que ele foi liberado sob custódia. Eles ficaram em silêncio por todo o caminho. A primeira coisa que ela fez quando chegaram em casa foi fazer o marido ligar para a mãe dele. Kate ficou em contato com ela durante todo aquele dia, e precisava que Alex admitisse para a mãe o que tinha feito, para que ela não tivesse que fazer isso. “Mas eu também queria puni-lo um pouco”, ela diz. “Depois falei com a minha irmã – ela não aguentou ouvir tudo. Minha irmã achava que eu precisava sair da casa, que eu não deveria ficar lá.” Naquela noite, Kate dormiu no quarto enquanto Alex ficou no sofá. “Tentei falar com ele, mas era difícil. Aí decidi ficar na casa da minha irmã. Ela me buscou na manhã seguinte e, quando voltei para casa algumas semanas depois, Alex tinha empacotado suas coisas e ido embora.”
Durante esse tempo, Kate leu obsessivamente sobre pedofilia, tentando descobriu o máximo de informação que pudesse. “Eu precisava saber sobre o crime, como e por que ele tinha feito isso”, ela explica. Outra questão que ela não conseguia tirar da cabeça era se Alex tinha contato direto com alguma criança – o casal teve duas filhas, e Alex trabalhava como professor de escola. “Isso me incomodou por muito tempo – ainda me incomoda de certa maneira”, ela diz. “Tenho certeza que ele não fez nada na vida real e que não teria feito, mas há evidências de que pessoas assim vão em frente com isso.”
Agora Kate reconstruiu sua vida. Ela não fala mais com Alex, mas sabe que ele ainda mantém contato com as filhas. Ela se mudou e encontrou um novo parceiro. Ela diz que fazer esse documentário não foi fácil e que a espera pela estreia da série desenterrou muitas emoções e memórias desagradáveis. Mas ela acredita que valeu a pena.
“Há muitos mitos sobre familiares e parceiros de criminosos sexuais, principalmente de que eles sabiam o que estava acontecendo”, ela diz. “Como uma esposa tem intimidade com seu parceiro, as pessoas supõem que ela tinha conhecimento, ou pelo menos suspeitava, do que estava acontecendo. A verdade, na maioria dos casos, é que a esposa só fica sabendo quando alguém bate na porta e a polícia entra.”
Kate espera que Married to a Paedophile mude essa perspectiva.
“Também quero apontar que há ajuda disponível para quem se vê numa situação similar, em particular a Lucy Faithfull Foundation”. Trata-se de uma organização de caridade que oferece auxílio para famílias de criminosos, entre outros serviços. Todo ano no Reino Unido, 5.400 homens são presos por baixar imagens sexuais de crianças – são muitos amigos e parentes que se veem estigmatizados, confusos e isolados, e precisando desse apoio. “A fundação faz um ótimo trabalho ajudando famílias na nossa posição”, diz Kate. “Espero que esse documentário ajude mulheres em situações parecidas com a minha.”
Pergunto a Kate como ela se sente agora, dois anos depois de tudo. “Minha vida seguiu em frente, então tento não pensar muito nisso”, ela diz. “Quando vejo minhas filhas isso está na minha mente. Já senti toda uma variedade de emoções: ainda sinto muita raiva, mas também compaixão. Sei que ele não está vivendo uma vida agradável – ele perdeu seu emprego, sua casa, a esposa. Ainda tenho a sensação de que ele não aceitou isso. Deve ser muito difícil para ele admitir para si mesmo – que ele via aquelas imagens de crianças e sentia uma gratificação. Ele ainda diz que não se sentia gratificado com isso, então acho que é difícil aceitar.”
“Dito isso, minha história termina razoavelmente bem; vivo uma vida boa e feliz agora. Espero dar a outras mulheres como eu esperança, e empoderá-las quando elas sentirem que os bons tempos acabaram e não há mais volta.”
"Married to a Paedophile" estreou no Channel 4 no dia 3 de setembro de 2018.
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