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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

EDUARDO GIRÃO E ÁUREA CAROLINA DISCUTEM O DEBATE POLÍTICO SOBRE O ABORTO

Senador e deputada se opõem quanto ao desarquivamento da proposta de emenda constitucional que pode criminalizar o ato em casos hoje permitidos por lei, como o estupro
Deputada federal em primeiro mandato pelo PSOL, Áurea Carolina defende a descriminalização do aborto. Senador em primeiro mandato pelo Podemos, Eduardo Girão pediu o desarquivamento da
Deputada federal em primeiro mandato pelo PSOL, Áurea Carolina defende a descriminalização do aborto. Senador em primeiro mandato pelo Podemos, Eduardo Girão pediu o desarquivamento da "PEC da Vida". Foto: Montagem sobre fotos de Daniel Marenco / Agência O Globo; e Geraldo Magela / Agência Senado
EDUARDO GIRÃO , 46 anos, cearense
O que faz e o que fez: empresário e senador em primeiro mandato pelo Podemos. Em fevereiro, pediu o desarquivamento da PEC que estabelece que o direito à vida é inviolável desde a concepção
ÁUREA CAROLINA , 35 anos, paraense
O que faz e o que fez: deputada federal em primeiro mandato pelo PSOL, é feminista e defende a descriminalização do aborto. É socióloga e cientista política formada pela Universidade Federal de Minas Gerais
Qual é sua opinião sobre o aborto?
ÁUREA CAROLINA O aborto se tornou um grave problema de saúde pública. É um dado da vida reprodutiva das mulheres. Existe em nossa sociedade, queiramos ou não. Há uma estimativa de que, todos os anos, no Brasil, meio milhão de mulheres façam um aborto. As mulheres que decidem abortar, porque precisam ou por alguma outra razão, têm uma assistência do Estado muito desigual, em função de sua origem socioeconômica, de seu pertencimento étnico-racial, de sua condição de vida.
EDUARDO GIRÃO O aborto é uma violência. Se a gente reclama de que há muita violência nas ruas, o aborto é o princípio disso tudo. Não apenas destrói a vida de um ser humano. A ciência já mostra que também devasta a saúde da mulher. Um artigo científico publicado no Journal of Psychiatry, em 2011, mostra que a mulher que faz aborto aumenta em 110% a propensão a se envolver com álcool, em 34% a ter crise de ansiedade, em 37% a ter depressão e em até 155% a cometer suicídio.
Chamada por alguns senadores de “PEC da Vida”, a proposta, desarquivada pelo Senado na semana retrasada, acrescenta à Constituição que os direitos do cidadão estão assegurados “desde a concepção”. Qual o propósito da inclusão desse termo?
AC Seguramente é uma medida para dificultar as previsões de aborto legal, que já estão asseguradas, e qualquer avanço mais profundo na legislação. É um retrocesso muito grande, porque, na prática, não representa nenhuma melhoria para as condições de vida da população brasileira. Ao contrário: penaliza aquelas mulheres que já estão em condição de maior vulnerabilidade.
EG O propósito é regulamentar algo que ficou faltando em nossa Constituição e evitar o ativismo que o Supremo teima em fazer com o Congresso.
Vestidas como as personagens de
Vestidas como as personagens de "O conto da aia", manifestantes fazem ato a favor da descriminalização do aborto em frente ao STF. Foto: Raimundo Paccó / FramePhoto / Agência O Globo
Existe a avaliação de que a inclusão desse termo abre brecha para a revisão das atuais três previsões legais para o aborto — gravidez decorrente de estupro, que cause risco à vida da mulher ou gravidez de feto anencéfalo. Há ou não tal possibilidade?
AC Indiscutivelmente, há. É uma manobra para tentar derrubar aquilo que nós já temos garantido na legislação e para interditar o debate. Criminalizar até mesmo aquelas pessoas que propõem essa reflexão crítica, dizendo que nós não temos compromisso com a vida, quando, na verdade, estamos exatamente falando das vidas dessas mulheres, que importam, deste dado inquestionável: milhares de mulheres abortam todos os dias em nosso país. Não é com criminalização que a gente vai resolver esse problema. A gente precisa de contraceptivos para evitar, educação sexual para prevenir e de aborto legal para não morrer.
EG Não. Deixamos muito claro no debate que desarquivou a “PEC da Vida”: nosso objetivo não é retroceder em avanços. O Código Penal estabelece os casos em que o aborto pode ocorrer sem penalidade. A gente não quer mexer nisso. Está resguardado.
Nos últimos anos, a questão do aborto tem sido abordada pelo Congresso mais como uma questão religiosa e moral do que de saúde pública. Sob qual ótica o assunto deve ser tratado?
AC Como uma questão de saúde pública, de direitos humanos e de proteção à vida.
EG Pela ciência e pelas estatísticas sociais. Cada um pode ter sua fé. Mas, se você é espírita, católico, evangélico, budista, de qualquer religião, você não precisa usar um argumento religioso. Porque a ciência tem avançado muito nos últimos anos e mostra, por meio do ultrassom, o desenvolvimento do bebê. Estou aqui com um bebê de 11 semanas de gestação (mostra uma reprodução de borracha de um feto). Ele já tem um fígado, os rins, tem até unha. Com 18 dias após a concepção, quando é do tamanho de um grão de arroz e a mulher nem imagina que está grávida, ele já tem um coração.
As pesquisas mostram que a criminalização do aborto pela legislação brasileira não tem impedido que as mulheres façam o procedimento. A manutenção da criminalização é a melhor maneira de lidar com o assunto?
AC Não. A criminalização só causa sofrimento, mortes que poderiam ser prevenidas e evitadas, e um clima de perseguição social. As mulheres que abortam não conseguem ter o devido amparo em suas comunidades, em suas famílias, das políticas públicas. Elas ficam estigmatizadas. A criminalização só tem efeitos danosos e não impede que as mulheres continuem fazendo aborto.
EG As mulheres não estão sendo presas. Nem devem. Realmente, é um crime (cometer aborto), mas eu acredito que a mulher já sofre muito com o aborto. Ela sofre consequências graves: psicológicas, mentais e físicas. (A mulher que aborta) deve passar por processos educativos e trabalhos comunitários. Jamais a prisão. Agora, é obrigação do governo desenvolver campanhas para mostrar que a ciência já comprovou que a vida começa na concepção.
O Supremo deve ou não tomar decisões sobre o assunto?
AC O Supremo deve decidir sobre esse assunto porque há uma inconstitucionalidade flagrante em relação à defesa dos direitos de cidadania e autonomia das mulheres. A descriminalização do aborto deve, sim, ser julgada pelo Supremo, porque a legislação hoje é inconstitucional. Ou pelo menos, como é uma legislação que vem desde a década de 40, ela viola os princípios constitucionais de 1988.
EG Não. O povo escolheu deputados e senadores justamente para manifestarem o pensamento, os valores culturais e sociais do povo brasileiro. Onze ministros não podem legislar sobre temas tão importantes, tão caros aos brasileiros, como é a questão da vida desde a concepção. Nas últimas campanhas eleitorais, esse assunto tem entrado na pauta.
Mulheres que lideram a defesa da descriminalização do aborto dizem que se trata da defesa de um conjunto de direitos das mulheres: reprodutivos, de liberdade, de autonomia etc. O fato de o Congresso ser formado por 85% de homens não causa uma distorção na discussão sobre o aborto?
AC Sem dúvida nenhuma, causa, porque, além de tudo, há uma cultura machista que impera nesse lugar. Sem as perspectivas das mulheres, as experiências concretas das mulheres, é muito difícil que a gente tenha avanço na legislação. Não é que só mulheres possam falar dos direitos das mulheres, mas é inegável que a gente traz uma outra inserção e uma legitimidade experimentada nas questões que afetam nossos corpos, que afetam nossas vidas, que não podem ser substituídas. É por isso que as coisas estão associadas. Avançar nos direitos sexuais reprodutivos significa também ter mais mulheres no poder, significa ter políticas de enfrentamento à violência machista, ter uma discussão sobre a tão sonhada igualdade de gênero.
EG Esse assunto também interessa aos homens. Eles são corresponsáveis pelo aborto. Vejo que homens têm de ter atenção. Têm o direito ao exercício da paternidade. Mas confesso que eu me sinto até mais confortável que tanto a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a Simone Tebet (MDB-MS), quanto a relatora dessa matéria, Selma Arruda (PSL-MT), sejam mulheres. Têm legitimidade ainda maior para tratar desse tema.

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