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domingo, 17 de fevereiro de 2019

Educação sexual para que as meninas possam sonhar



Grafiteira pinta mural em São Paulo.
Grafiteira pinta mural em São Paulo.  EFE
Somos duas mulheres latinas. Nossos países eram governados por ditaduras militares quando éramos meninas. Cada uma viveu de maneira particular o segredo e o horror do poder militar na Argentina e no Brasil. Sonhávamos com livros e independência. Nossos planos de futuro variavam com a idade; em comum, idealizávamos um futuro trabalho fora de casa, diferente de nossas avós que eram integralmente cuidadoras. Ter filhos era como um fato natural para o futuro, mas distante para quem imaginava a idade de 30 anos como velhice. Nenhuma das duas viveu o fantasma da violência sexual ou da gravidez forçada na infância. As histórias de meninas grávidas eram de outras muito distantes de nossas vidas na escola ou na família. Eram histórias de meninas pobres, negras ou camponesas, de famílias trabalhadoras rurais.

Nós estávamos erradas. Vivemos na região do mundo com a segunda maior taxa de gravidez na adolescência. A América Latina e o Caribe são as regiões onde a maternidade entre meninas com menos de 15 anos de idade mais cresce no mundo. São mais de 2 milhões de meninas, todos os anos, que se transformam em cuidadoras, abandonam a escola, interrompem outros sonhos, exceto os da maternidade ou do casamento. O rosto dessas meninas não é o mesmo de nossas filhas ou sobrinhas — nós somos o rosto do privilégio entre as mulheres da região, duas latinas brancas, filhas de mães com ensino superior. Se não conhecíamos as histórias das meninas grávidas, é porque vivíamos longe das situações de grave risco que resultam em uma gravidez precoce.

Como mulheres que temos dedicado nossas vidas a defender os direitos de meninas e mulheres, agora conhecemos essas histórias. A complexidade do tema é imensa e há até mesmo cientistas sociais que argumentam que as altas taxas de gravidez na adolescência são resultado do desejo pela maternidade entre as meninas, enquanto outros fantasiam sobre a abstinência para escapar do fato de que meninas pré-adolescentes têm sexualidade. Ambas as teorias estão erradas. Meninas que buscam a maternidade precoce nem sempre conhecem outros projetos de vida por condições de sua classe e sua cor, e os defensores da abstinência ignoram o fato de que o silêncio é cúmplice da exploração. Uma coisa é certa: a educação sexual, se bem feita, oferece informações precisas às meninas, as protege do risco de violência sexual e amplia suas possibilidades de escolha. Ainda assim, muitos países da região, incluindo o Brasil, propõem eliminar educação sexual das escolas.
Uma grande parte das meninas que engravidam não retornam à escola: no Peru, 77% das meninas grávidas abandonarão a escola, na Guatemala, 88%. A mortalidade materna entre as meninas é quatro vezes maior do que entre as mulheres jovens. Quando uma menina engravida, os discursos sociais são extremos e focados no que fazer com a gravidez — por um lado, há os “moralistas” que se preocupam com a proibição do aborto, por outro lado, são eles os mesmos que se preocupam com a sexualização dos corpos. Depois do parto, as vozes se calam e a menina se torna uma mãe abandonada pela proteção social: deixa de ser cuidada para se tornar adulta responsável por si mesma e pelo filho. Isso aconteceu com adolescentes afetadas pela epidemia de zika no Brasil: três em cada quatro mulheres em Alagoas, o estado mais pobre do país e com a maior taxa de gravidez adolescente, foram mães na adolescência.
A gravidez na infância e adolescência provoca a pergunta de qual é o legado que buscamos para as meninas da região. Ao contrário de nosso passado, quando não havia métodos de planejamento familiar disponíveis e adequados para adolescentes, hoje eles existem. Basta chegar até as meninas de uma maneira apropriada à sua idade e capacidade de compreensão. Ignorar a centralidade da saúde sexual e reprodutiva é atravessar o futuro dessas meninas com uma sentença de abandono de longo prazo — nós somos a região mais perigosa para as mulheres no mundo, e, infelizmente, avançamos para as políticas educacionais que ignoram as necessidades de saúde reprodutiva para proteção do futuro das meninas.
Fornecer as informações necessárias para evitar a gravidez na adolescência é uma maneira poderosa para garantir que uma menina, como uma sobrevivente das desigualdades sociais da vida, tenha outras alternativas diferentes da maternidade. Os sonhos encontrados nos livros não devem pertencer exclusivamente às elites da nossa região.
Debora Diniz é brasileira, antropóloga, pesquisadora da Universidade de Brasília e da Universidade de Brown.
Giselle Carino é argentina, cientista política, diretora da IPPF/WHR.

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