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terça-feira, 24 de dezembro de 2019

9 filmes de 2019 que você talvez não tenha visto (mas deveria)


Alguns dos grandes lançamentos do streaming e dos cinemas que podem ter passado batido pelo seu radar nos últimos doze meses


19.dez.2019
  • 9 filmes de 2019 que você talvez não tenha visto (mas deveria)
Se todo fim de década é marcado por crises na arte, 2019 certamente não deveu nada ao cinema neste campo. Enquanto no mundo perseverou o debate do apocalipse vindouro, seja pelo streaming que montou uma verdadeira guerra de conteúdo ou na Disney e a Marvel Studios que ameaçaram o delicado equilíbrio comercial de Hollywood, no Brasil o constante estado de temor pela cultura espelhou em instituições como a Ancine e o Fundo Setorial Audiovisual, que viveram meses turbulentos de bloqueamento e mesmo perigo de extinção sob os mandos do Governo Federal – e justamente em um ano em que o país brilhou no exterior, ganhando a atenção de festivais importantes como Cannes, Berlim, Veneza e Locarno.

Com tanta incerteza, suspense e medo, não chega a ser uma surpresa que o meio produziu tantas obras dispostas a elucidar esta instabilidade pelas vias do audiovisual. Teve de tudo, de comentários sociais ácidos em filmes como “Bacurau”“Nós”“Parasita” e (porquê não?) “Coringa”; diretores consagrados se dispondo a entrar em estado de reflexão sobre seu legado na sétima arte, incluindo “A Mula”“O Irlandês”“Dor e Glória” e até “Era Uma Vez em… Hollywood”; franquias que se encerraram sob o vulto do fantasma do passado, a exemplo de “Vingadores: Ultimato”“Star Wars: A Ascensão Skywalker”“X-Men: Fênix Negra” e “Toy Story 4”; e até sequências tardias e remakes com um olho menos reverencialista e mais crítico, tal qual “Doutor Sono”“Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” “El Camino”.
Filmes grandiosos também não faltaram nos últimos doze meses, mas ainda que a gente aqui no B9 tenha cobrido uma enorme parcela destes ao longo do ano – incluindo aí produções como “Vidro”“Ad Astra”“John Wick 3”, “Entre Facas e Segredos” e alguns vários citados acima – é óbvio que acaba sobrando um ou outro filme para se comentar e principalmente celebrar. Abaixo, listamos 9 longa-metragens de 2019 que passaram pelo circuito ou foram lançados em serviços de streaming no período e que merecem a visita, desde sucessos do circuito de festivais a projetos modestos que mereciam maior alcance.
Confira abaixo a lista na íntegra e não deixe de contar pra gente nos comentários o que mais te chamou a atenção nos cinemas este ano!

“Atlantique”


Vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Cannes deste ano, o debute da cineasta senegalense Mati Diop em longa-metragens talvez tenha sido o menos comentado dos filmes campeões da Croisette nos meses posteriores ao evento (e isso mesmo tendo sido distribuído pela Netflix no mundo todo). Isso não significa, porém, que o detentor do segundo lugar simbólico da premiação seja despido de forças: com uma premissa sobrenatural em um subúrbio da cidade de Dakar envolvendo os fantasmas das vítimas dos migrantes senegalenses, “Atlantique” permeia temas fortes como do apagamento histórico e o abuso de poder intrínseco no aprofundamento do abismo social a partir de um fluxo narrativo muito ágil – mesmo quando preso a cacoetes já gastos do dito cinema de festival. Ajuda muito também a bela trilha sonora de Fatima Al Qadiri, regada a sintetizadores que só ampliam o teor místico das maldições exploradas por Diop.

“Cadê Você, Bernadette?”


Depois de passar a última década explorando as mais distintas facetas da vida nos subúrbios com um olho em seus pontos de crise – da situação de divórcio de “Antes da Meia-Noite” ao trauma dos soldados veteranos de “A Melhor Escolha” com o advento da Guerra do Iraque – faz sentido que Richard Linklater tenha lançado em 2019 um projeto como “Cadê Você, Bernadette”. Só pela protagonista feminina a adaptação do livro de mesmo nome de Maria Semple é uma quebra de perspectiva e tanto para um diretor que sempre trafegou pelo “clube do bolinha”, afinal, o que se por um lado justifica o tom histriônico da narrativa – que vai do drama domiciliar a uma exploração aos confins da Antártida para retratar a crise da protagonista – também amplifica os sentimentos de claustrofobia e libertação da jornada de Bernadette, cuja luta no fim é para não se ver presa ao confinamento da estrutura patriarcal que habita e o consequente “papel social” de mãe dona de casa da própria família. E nessa hora Linklater não poderia ser mais afortunado ao contar com uma atuação tão sagaz de Cate Blanchett, que modula muito bem os transtornos de seu papel sem perder de vista a humanidade da personagem.

“Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar”


Com um debute pouco alardeado no Festival de Berlim e uma passagem no circuito nacional discreta, o documentário “Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar” talvez não tenha recebido a devida atenção que merecesse. O filme envolve a visita do cineasta Marcelo Gomes à cidade de Toritama, que, se na infância do diretor era um recanto saudoso, hoje se converteu na “capital brasileira do jeans”, com toda a população dedicando-se ao ofício de fabricação da vestimenta. Alinhado à narração de Gomes, feita em tom documental mas com pitadas de relato confessional, a narrativa frontal aos poucos dá vazão a uma carga dramática sólida ao revelar que a árdua rotina de trabalho da cidade se interrompe todo carnaval, quando a população em massa debanda de Toritama para curtir a vida e deixa evidente no processo a mecanização da região em prol de um sistema cruel de exploração.

“O Fim da Viagem, O Começo de Tudo”


Os anos 10 foram de muita experimentação para Kiyoshi Kurosawa, cineasta japonês que ganhou fama no circuito com filmes de horror como “Cure” e “Pulse”, mas nos últimos tempos vem se arriscando por outros gêneros e mesmo outras indústrias (a exemplo do francês “O Segredo da Câmara Escura”). Com “O Fim da Viagem, O Começo de Tudo” este procedimento não é diferente: acompanhando uma jovem repórter de um programa sensacionalista japonês durante uma viagem de trabalho no Uzbequistão, o longa aproveita de toda a experiência de Kurosawa no horror para trabalhar temas de deslocamento e perdição no caos do mundo contemporâneo, numa narrativa que de forma inacreditável consegue fazer sentido a povos ocidentais e orientais mesmo dentro de um tema tão particular. São os momentos de explosão, porém, que realmente tomam o espectador no curso da história, incluindo as belas inserções do “Hymne a l’amour”, de Edith Piaf, na jornada de superação dos próprios medos e crises da protagonista.

“Fora de Série”


Talvez um dos fracassos de bilheteria mais sentidos pela Annapurna Pictures este ano (em especial porque a companhia está à beira de declarar falência), a estreia de Olivia Wilde na direção saiu celebrada do SXSW pela inversão de gênero do formato de comédia “bro” consagrado por produções como “Superbad: É Hoje”, mas seu grande trunfo no fundo é a celebração bem intencionada da explosão de sexualidade nas novas gerações. A cena da piscina, regida ao som de “Slip Away” de Perfume Genious, é o óbvio clímax de todo este desenvolvimento feito por “Fora de Série”, mas a “viagem” das duas garotas protagonistas para encontrar a festa da galera na noite anterior à formatura também sabe como carregar estes temas e valores de forma a reforçar o ambiente acolhedor e de respeito sobre esta ampla diversidade em um período tão marcado por descobertas e desabrochares.

“As Golpistas”


Com tantos filmes sobre engravatados da bolsa de valores e os Estados Unidos do cenário pós-crise de 2008 saindo graças ao grande sucesso de “O Lobo de Wall Street” e “A Grande Aposta”, talvez seja uma surpresa que só agora em 2019 alguém tenha enfim trabalhado os temas inerentes a esta ambientação fora da perspectiva masculina. O barato de “As Golpistas”, entretanto, é que o longa inspirado na história de strippers que drogavam investidores abastados para arrancar seu dinheiro não exatamente se guia pelo lado “filme-denúncia” do sistema que rodeia suas personagens: a diretora e roteirista Lorene Scafaria estrutura uma narrativa de máfia cuja guia são as relações fraternais e maternais, em especial em torno de Destiny (Constance Wu) e Ramona (Jennifer Lopez, tão enorme quanto o amplo destaque que vem recebendo nas premiações) cuja dinâmica no fim mora num afeto condenado a ser sabotado por traições externas. Se a maternidade é uma doença mental, como bem dizem as protagonistas, é porque seu vínculo indestrutível é a causa de todos os erros em um sistema outrora perfeito.

“O Paraíso Deve Ser Aqui”


Das diversas narrativas sobre ausência de pertencimento que permearam o cinema em 2019, poucas conseguiram ser tão leves e ao mesmo tempo tão sinceras quanto “O Paraíso Deve Ser Aqui”. Protagonizada pelo próprio diretor, o palestino Elia Suleiman, o filme se encena como uma comédia de esquetes pautada em cima da busca do personagem por um lugar para chamar de lar, uma jornada que obviamente há de traçar paralelos com a situação atual de seu país natal. Mas em meio a piadas visuais dos mais variados tipos, sobrepõe-se no projeto a reafirmação da identidade da região e do povo palestino pelas vias da memória, no mesmo passo que se relativiza a dita “superioridade” e “estabilidade” de outros países envolvidos no debate geopolítico da nação como os Estados Unidos e a França. Tudo com graciosidade e imagens muito sinceras, a exemplo da perseguição a uma anja no Central Park ou o desfecho na balada.

“Predadores Assassinos”


Com tantos filmes de horror almejando grandes ambições nos tempos de hoje, seja por questões de escala (“It: Capítulo Dois”), temas (“Nós”) ou mesmo tempo (“Midsommar”), foi um alento bem vindo um projeto como “Predadores Assassinos”, que trafega na via oposta não apenas pela duração de 80 minutos mas no subgênero tão mal visto do horror de jacaré. Engana-se quem julga o livro pela capa, porém: o longa de Alexandre Aja consegue ser ágil e muito versátil na hora de encenar seu drama de reconciliação entre pai e filha num cenário pós-divórcio, dentro de um ambiente inicial muito claustrofóbico e que é movido acima de tudo pela tensão do aumento do nível da água – a organização espacial da narrativa se dar por este elemento, aliás, é extremamente fortuita. Não à toa virou um dos filmes favoritos de Quentin Tarantino em 2019.

“Synonymes”


Se “O Paraíso Deve Ser Aqui” toca o tema do despertencimento com carinho, o grande vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano trafega exatamente na via contrária – e este paralelo entre os dois projetos é muito curioso porque, na teoria, os filmes são dirigidos por cineastas de países diretamente “opostos” na questão geopolítica. O longa do israelense Nadav Lapid, afinal, é todo pautado em cima de uma noção de trauma: acompanhando um refugiado do país (Tom Mercier) que busca asilo e uma nova nacionalidade na França, “Sinônimos” usa de todo tipo de recurso narrativo para trazer à tona o deslocamento do indivíduo em um mundo que o rejeita mesmo quando quer auxiliá-lo, colocando em ponto de crise todo o debate do mundo globalizado sem nunca cair em discursos conservadores. Do sufocamento em uma discoteca ao simples ato de uma pessoa batendo desesperada numa porta, esta é uma produção que leva ao limite o conceito da identidade no mundo contemporâneo.

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