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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Marie Claire e Instituto C&A promovem debate sobre papel da mulher na indústria da moda

O Inspira Talk - Mulheres e Seu Poder na Moda reuniu Maria Laura Neves, editora-chefe de Marie Claire; Giuliana Ortega, diretora-executiva do Instituto C&A; Adriana Carvalho, gerente de Projetos da ONU Mulheres; Taciana Gouveia, coordenadora do Fundo SAAP; e a empreendedora Ludmyla Oliveira, fundadora da Crioula Criativa. O encontro tratou de temas como a precarização do trabalho na indústria da moda sob a perspectiva das mulheres e trouxe propostas para mudar esse quadro

GISELE ALQUAS
COLABORAÇÃO PARA MARIE CLAIRE
06 DEZ 2019

Baixos salários, jornadas de até 15 horas por dia, ambientes insalubres: a dura realidade de mulheres que trabalham na indústria da moda e as soluções para combater a exploração e a precarização neste mercado foram o tema do debate Inspira Talk - Mulheres & Seu Poder na Moda, que ocorreu nesta quinta-feira (5), em São Paulo, promovido por Marie Claire e Instituto C&A, como resultado de uma parceria que teve início neste ano e trouxe às páginas da revista histórias de mulheres inspiradoras que atuam e transformam o setor _e que compareceram em peso ao encontro.

Mediado pela editora-chefe de Marie Claire, Maria Laura Neves, o evento reuniu Giuliana Ortega, diretora-executiva do Instituto C&A; Adriana Carvalho, gerente de Projetos da ONU Mulheres; Taciana Gouveia, coordenadora do Fundo SAAP (Serviço de Análise e Assessoria a Projetos); e a empreendedora Ludmyla Oliveira, fundadora da Crioula Criativa, que trouxeram dados que comprovam que a moda é um dos setores onde o trabalhador é mais explorado, em sua maioria, mulheres e imigrantes. 

No Brasil, as mulheres representam 75% da força de trabalho dessa indústria. Elas criam, costuram, passam horas trabalhando e são mal remuneradas. Por meio de uma pesquisa, o Instituto C&A e a SAAP mapearam as condições de trabalho desse contingente feminino em diversas regiões do país. O que se encontrou foram costureiras submetidas à exploração no mercado informal, trabalhando de 12 a 15 horas por dia.

"As moças do agreste não têm nem o ensino fundamental completo. Trabalham de 12 a 15 horas por dia e 40% delas ganha ¼ do salário mínimo"
Taciana Gouveia

“A pesquisa foi realizada de janeiro de 2018 a janeiro deste ano, entrevistando 245 mulheres no Rio de Janeiro e no agreste de Pernambuco", explica Taciana Gouveia. "Encontramos uma realidade terrível de exploração e opressão dessas mulheres, a maioria negra, que estão na escala mais baixa da produção de vestuário de moda no Brasil", afirma ela. "As moças do agreste não têm nem o ensino fundamental completo. Trabalham de 12 a 15 horas por dia e 40% delas ganha ¼ do salário mínimo. Cem por cento das costureiras domiciliares não mantém nenhum tipo de contrato. Elas trabalham sob uma pressão absurda”, descreveu Taciana.

A coordenadora relatou a história de uma mulher que trabalhava com limpeza de jeans e ganhava R$ 0,30 por peça. “Ela trabalhava de sábado e domingo. Uma das perguntas do questionário era: ‘o que poderia acontecer para melhorar no seu trabalho’? Ela respondeu: ‘eu queria poder trabalhar em pé’. Ela explicou que passa 15 horas sentada em um banquinho tirando os pedaços de linhas do jeans e a noite não consegue dormir de dor. Essa mulher tem que limpar 200 peças para ganhar ¼ do salário. E se ela não fizer, outra vai aceitar o serviço, tem mão de obra sobrando", afirma. "No agreste, 80% das marcas que contratam são informais. Não tem nem para quem denunciar. No Rio a questão é parecida. Elas comem na frente da máquina de costura. Encontramos esse mundo invisível dessa desigualdade com condições de trabalho horríveis, que ninguém vê, mas existe há séculos”, disparou Taciana.

A empreendedora Ludmyla Oliveira, do projeto Crioula Criativa, começou a costurar aos 10 anos ao lado da mãe. Aos 14, com a morte do pai, a costura e o bordado se tornaram a principal atividade da família. “Quando eu era criança, lembro de a minha costurar o dedo porque dormiu em cima da máquina. Meu pai me disse: ‘não quero você nisso. Você vai estudar, vai ser médica, advogada, qualquer coisa’. Mas eu gostava era daquilo”, diz ela.

Em 2015, Ludmyla criou a marca de bolsas e acessórios Crioula Criativa, que tem como epicentro a cultura afrobrasileira. Com o sucesso da empresa, ela passou a ser consultora financeira de outros empreendimentos que enfrentaram dificuldades no mercado de trabalho. Nessas consultorias, Ludmyla se deparou com mulheres que sequer sabem fazer contas para calcular o valor que gastam em suas produções.

"Conheci empreendedoras que não sabiam fazer contas"
Ludmyla Oliveira

“No afroempreendedorismo, só 13% delas são formalizadas", explica Ludmyla. "Fiz um curso popular de empreendedorismo e, um dia, cheguei em casa chorando e falei para minha mãe que me sentia privilegiada, pois convivia com pessoas cujas condições de trabalho eram bem piores às minhas: elas não sabiam nem contas”, lembra ela. "Em 2018, estive no Afrolab [projeto que reúne diferentes iniciativas de promoção de conhecimento e apoio ao empreendedorismo] e percebi que ninguém ali sabia o custo do produto. Conseguimos fazer com que as mulheres entendessem que elas passam por quatro cadeias de negócios: criação, produção, distribuição e consumo.”

Ludmyla chegou a trabalhar para marcas grandes e pequenas e lembra de um episódio que a deixou arrasada: ao ir a um shopping entregar seu currículo, no Rio, se deparou com um casaco que ela bordou a mão em uma loja de grife sendo vendido por um valor exorbitante. “Quando vi o preço, comecei a chorar. Me senti muito explorada”, diz ela.

Desigualdade racial e de gênero
A discussão de igualdade de gênero aborda diversas áreas, como a liberdade de decisões da vida pessoal, divisão das tarefas domésticas e igualdade de cargos e salários no mercado.

Taciana Gouveia reforça que a costura ainda é considerada uma atividade feminina, associada ao trabalho doméstico. Os poucos homens com os quais ela se deparou neste mercado, tinham salários maiores que o das mulheres.

Os poucos homens que estão no mercado da moda têm salários maiores que o das mulheres

“Em uma das cidades que visitamos, os homens que trabalham com costura, ensacando jeans, por exemplo, ganham por diária e não por produtividade", conta Taciana. "Na época, eles ganhavam R$ 150 por dia, empacotando cinco jeans, com um valor fixo. Já as mulheres, ganham centavos limpando os mesmos jeans. É uma desigualdade é enorme”, afirma.

Criada em 2010, a ONU Mulheres atua para unir, fortalecer e ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres. Gerente de projetos da instituição, Adriana Carvalho descreveu o trabalho de pesquisa feito com mulheres empreendedoras de vários segmentos. Segundo ela, 22% dessas empreendedoras não controlam os gastos e ganhos de seus negócios. Além disso, a instituições constatou a desigualdade salarial em diversos segmentos.

“O trabalho da costura, por exemplo, precisa de muita valorização", acredita Adriana. "Vamos continuar debatendo isso. Comprar o produto de uma marca cara não significa que ele seja feito de modo justo, sem exploração. Chegou a hora de a gente mudar isso.”

Iniciativas para combater a exploração trabalhista
O Instituto C&A está entre as organizações que apoiam e promovem iniciativas com potencial de transformar a indústria, criando parcerias com o setor da moda e medidas coletivas que permitem que seus trabalhadores prosperem.

“A gente tem apostado muito na transparência com as marcas, pois é difícil saber, por exemplo, o que vem depois do fornecedor", explica Giuliana Ortega, diretora-executiva do instituto. "Temos direito de saber o salário das trabalhadoras dessas instituições. Além disso, precisamos de boas políticas públicas. Nos últimos anos a fiscalização de auditores diminuiu por falta de recursos. O Estado tem de ir a campo onde as grandes marcas não estão, onde o trabalho é informal e fazer valer a lei. Temos uma legislação forte, mas que não se faz cumprir. Países como a Islândia, por exemplo, tem uma lei que obriga as empresas a pagarem os mesmos salários para homens e mulheres. Sem comprovar essa equidade, elas não recebem o certificado para operar. A nossa legislação também diz isso, mas não se existe esse controle”, afirma Giuliana.

"O Estado tem de ir a campo, onde as grandes marcas não estão e o trabalho é informal, para fazer valer a lei. Temos uma legislação forte, mas não se faz cumprir"
Giuliana Ortega

Taciana concorda que é fundamental serem efetivas as políticas públicas. "Muitas mulheres trabalham em casa para poder tomar conta dos filhos. Imagina se tivesse conta de luz com tarifa social para essas costureiras? A maioria das que entrevistamos não querem ter o próprio negócio, elas querem plano de saúde, querem se aposentar”, diz Taciana. “Precisamos criar cooperativas e associações, que são as soluções para dar conta dessas pessoas que são sozinhas. Temos que nos unir”, completou Adriana.

Assédio moral e sexual nas empresas
Palavras ofensivas, atitudes abusivas, humilhações recorrentes. Ações que isoladamente não representam muito, mas, que ao serem praticadas repetidas vezes contra uma mesma pessoa, podem ser psicologicamente destrutivas. Tudo isso configura assédio moral.  No ambiente de trabalho, essas atitudes podem representar muito mais do que o desejo de realizar uma brincadeira - de mau gosto –, já que frequentemente tem a intenção de coagir a vítima.

Giuliana conta que um dos parceiros do Instituto C&A realizou pesquisa em fábricas formalizadas de médio a grande porte em várias regiões do Brasil para identificar os tipos de assédio que os funcionários sofrem. Segundo ela, o resultado foi uma surpresa. Negativa.

“Por serem fábricas grandes, a situação poderia não ser crítica, mas a verdade é que as mulheres são submetidas a assédio moral", diz ela. "As trabalhadoras são submetidas ao abuso de autoridade do gestor da fábrica, além de pressão exagerada por prazos e entregas. Elas não podem ir ao banheiro nem beber água. Muitas disseram que não adianta abrir queixa no canal interno da empresa pois, muitas vezes, essa reclamação vai cair na mesa do assediador. Por isso, elas precisam do apoio dos sindicatos. Juntos somos mais fortes”, acredita Giuliana.

"As trabalhadoras são submetidas ao abuso de autoridade do gestor da fábrica, além de pressão exagerada por prazos e entregas. Elas não podem ir ao banheiro nem beber água"
Giuliana Ortega

Adriana, da ONU Mulheres, concorda que tanto o assédio moral quanto o sexual são problemas graves em todas as empresas. “Convivo com corporações de todos os seguimentos e ouço relatos de todos os setores e ninguém está atuando da maneira que deveria", diz ela. "É preciso existir um canal de denúncia externa. A maioria das pessoas diz que não relata porque não confia no canal da empresa. Canais externos seriam uma das primeiras boas práticas para combater o assédio”.

“E temos também o assédio racial", destaca Ludmyla. "Quando falamos de mulher negra no mercado de trabalho, o assédio é muito maior. A desvalorização da mulher negra começa na entrevista de emprego: quando ela chega em busca de uma vaga, a primeira pergunta é seria para o setor de limpeza.”

A dura realidade das imigrantes
As mulheres não são maioria em posições de liderança na indústria da moda, mas são maioria massiva nas fábricas, atuando como mão de obra. No Brasil, muitas são imigrantes, vindas de países como Bolívia e Peru.

Uma das convidadas do Inspira Talk - Mulheres e Seu Poder na Moda, a peruana Soledad Requena _tema de reportagem publicada por Marie Claire em fevereiro deste ano na série Mulheres e Seu Poder na Moda_, falou sobre a situação das imigrantes no Brasil. Soledad, ela própria, sofreu na pele o preconceito por ser uma delas. Aos 21 anos, deixou sua terra natal para morar no interior de Minas Gerais, onde enfrentou discriminação. Anos depois, com os dois filhos adultos, voltou ao Peru, onde fez mestrado em políticas públicas e igualdade de gênero. De volta ao Brasil, em 2015, ela conheceu o Centro Pastoral do Migrante - Cami, e foi convidada a dar suporte à equipe do projeto Mulheres que Inspiram, do Instituto C&A.

"Conheço a realidade das imigrantes e posso afirmar que há trabalho escravo"
Soledad Requena

“Conheço a realidade das imigrantes e posso afirmar que há trabalho escravo", garante Soledad. "Ser personagem de Maire Claire me abriu portas em São Paulo para ajudar na situação dramática que vivem essas imigrantes na cadeia produtiva da moda. A mulher imigrante não é reconhecida e trabalha em condições precárias, recebendo salários baixíssimos”, afirmou ela, que criou o projeto Rodas de Conversas, que promove  encontros semanais para empoderar essas trabalhadoras.

“Uma sobe e puxa a outra”
Ao final do encontro, Gabriela Rocha, gerente de comunicação do Instituto C&A, falou sobre a importância de promover debates como esse sobre condições de trabalho e igualdade de gênero. “A fala dessas mulheres que participaram dessa roda de conversa traz muito conhecimento para gente", acredita Gabriela. "Muitas das questões levantadas são ignoradas por não termos conhecimento do se passa. É por meio de iniciativas como essa que vamos mudar o mundo”, acredita ela. “Uma frase que resume a importância desse evento: uma sobe e puxa a outra. É esse o nosso trabalho.”

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