Não somos capazes de apagar aquilo que vivemos, portanto, o melhor jeito de superar um relacionamento é elaborar as memórias e dores.
Marcelo Marchiori
26 de Dezembro de 2019
Quem já viveu o término de um relacionamento sabe como dói. Mesmo quando o relacionamento vai mal, o fim provoca sofrimento e tudo que desejamos é rapidamente apartar a dor que sentimos... coisa que nem sempre é possível.
Foto por Sarandy Westfall, do Unsplash.
Foto por Sarandy Westfall, do Unsplash.
“A felicidade não precisa ser transmutada em beleza, mas a desventura sim”.- Jorge Luis Borges
Nos meus atendimentos, como psicólogo, percebo a expectativa das pessoas em se livrarem do sofrimento como se toda aquela história não tivesse existido. Algum dia a dor diminui, é fato, mas isso não acontece em um passe de mágica. A história que vivemos não será esquecida e, procurar desesperadamente por isto, só vai agravar ainda mais a sensação do luto de um relacionamento que acabou.
Nós, humanos, somos seres coletivos e, por isso, nosso corpo tem mecanismos para nos avisar dos riscos de uma rejeição. Quando criança, por exemplo, ser rejeitado pelos pais, pode significar a morte e todo um sistema de alerta dispara, avisando que é importante reconquistar o cuidado, amor e atenção deles antes de sermos abandonados.
Não importa se o relacionamento durou um bom tempo ou se foram apenas alguns encontros. Quando somos rejeitados, o sistema dispara e nos sentimos mal… em alguns casos, muito mal.
Um estudo realizado nos EUA, em 2011, demonstrou, através de ressonância magnética, que a rejeição amorosa atua no cérebro nas mesmas áreas acionadas pela dor física. A sensação do peito dilacerado, a dor no estômago ou espalhada pelo corpo todo não são apenas figuras de linguagem. O cérebro está produzindo a sensação real de dor.
Não é fácil deixar de pensar na pessoa que nos abandonou. Criamos comportamentos obsessivos, revisamos a todo momento as decisões que tomamos. Sentimos medo de encontrar a pessoa na rua, ao mesmo tempo que vigiamos seus passos nas redes sociais. Passamos mal, só de imaginar que ela poderá estar com outro alguém em breve.
Quem olha de fora tem a impressão de que toda aquela emoção é um pouco exagerada e que ninguém precisa sofrer tanto por um relacionamento. Como disse William Shakespeare em Romeu e Julieta: “Ri das cicatrizes quem nunca teve uma ferida no corpo.”
O curioso é que mesmo quem as carrega, parece não entender muito bem quando a emoção está no outro.Uma boa parte das ideias para superar o fim de uma história romântica simplifica os sentimentos de quem está passando por ele: cria-se aquela ideia de que com um pouco de força de vontade e algumas doses de diversão misturadas com álcool, tudo seria facilmente esquecido. Não é bem assim.
Apesar de não ser algo bom de vivenciar, existem importantes motivos para lidar com a dor de um término. É possível usar o momento para elaborar a dor da mudança, ou seja, transformar o sofrimento em algo significativo, revisando o que aconteceu no relacionamento e aprendendo novas formas de agir no futuro. Muito melhor [e mais útil] que apenas esquecer o que foi vivido.
Ao invés de tentar apagar a pessoa das suas memórias, o que não é possível, você pode:
Você pode lidar com as emoções de um jeito mais profundo
Foto por Nathan Anderson
Ser abandonado provoca um universo de emoções e isso pode ser confuso e assustador.
Somos levados a lidar com sentimentos de culpa, raiva, medo, angústia e, até mesmo, alguns rompantes de felicidade. Por mais que tentemos, não é possível passar completamente anestesiados por esse momento e isso nos obriga a aprender mais sobre nossas emoções e sentimentos.
Quando aprendemos a reconhecer as emoções que sentimos, dar nomes aos sentimentos, entender quando eles aparecem e porque, a que tipo de situação ou pensamentos eles estão ligados, somos menos controlados por impulsos e cometemos menos erros nos relacionamentos futuros. Aproveitar o momento para conhecer os próprios sentimentos produz maturidade psicológica e crescimento pessoal.
Você pode aprender com os próprios erros
Muita gente que chega até mim na psicoterapia, por conta do fim de um relacionamento, me confessa que não pensava que esse dia iria chegar. A pessoa acreditava que o amor entre eles era tão forte que alguns (ou vários) deslizes não tinham importância… Ou mesmo que não era preciso se preocupar com os avisos de que a coisa não ia bem. O relacionamento entre eles seria eterno e, por isso, não deu atenção a certas coisas que ajudaram a acabar com o romance.
Quando temos que lidar com a dor do término e elaborar o seu processo, somos colocados diante da difícil constatação de que nem sempre o amor, o tesão ou nossa incrível capacidade de fornecer carinho, bastam para que um relacionamento exista e se perpetue.
Assumir parte das tarefas domésticas pode ser mais importante, em alguns casos, ou, em outros, um pouco de responsabilidade financeira pode fazer bastante diferença na satisfação do casal.
Foto por Kelly Sikkema, do Unsplash
Foto por Kelly Sikkema, do Unsplash
Devemos ficar em alerta sobre as pequenas atitudes na nossa forma de agir e aprender que há um equilíbrio tênue entre o que pode manter o relacionamento e levá-lo ao seu fim.
Infelizmente, temos mais disposição a revisar nossos comportamentos depois das coisas darem errado. Neste caso, o término pode ser um bom momento de aprendizado… Apesar de doloroso, seria bom não desperdiçá-lo.
Você pode criar consciência que todo relacionamento termina
Foto por Philipp Sewing no Unsplash
Para algumas pessoas, a ideia de que as coisas terminam ou mudam de figura radicalmente, é motivo de grande ansiedade. O fim de uma história amorosa, nos ensina que a vida é uma constante mudança e aquilo que existe hoje pode não existir amanhã.
A cerimônia de casamento nos lembra que mesmo os relacionamentos que duram a vida toda irão terminar com um “até que a morte nos separe”. Os relacionamentos terminam e, se evitarmos olhar na cara dessa verdade dolorosa, não seremos capazes de aproveitar o tempo que temos de felicidade.
O fato de uma história não existir para sempre, não significa que ela não possa ser especial no seu delimitado espaço de existência. Dentro de um relacionamento, temos momentos de alegria e tristeza. Trabalhar a memória desses momentos, bons e ruins, buscando perceber que ambos tiveram sua importância, ajuda a produzir uma consciência maior sobre como a vida funciona e os ganhos são vistos em todas as áreas de nosso comportamento.
Se você esquecer o que passou, você pode repetir tudo de novo
Quantas vezes não vi uma pessoa passar de um relacionamento ao outro sem perceber que repete os mesmos comportamentos ou que se interessa, apenas, por um mesmo perfil de pessoa!?
Temos uma capacidade imensa de repetir padrões ao longo das nossas vidas e isso não é, por si só, um problema. O problema é não ter consciência sobre essas repetições.
Quando um relacionamento termina, podemos aproveitar a oportunidade para ter o afastamento necessário da situação e identificar quais padrões têm direcionado nosso comportamento amoroso.
Foto por Gemma Evans
Foto por Gemma Evans
Podemos aprender que repetimos o padrão dos nossos pais em nossas histórias amorosas ou podemos perceber que idealizamos exageradamente a pessoa com quem nos relacionamos.
Ter essas percepções não nos obriga a mudar a forma como agimos, mas permite conhecer mais sobre nós mesmos. Como disse o pensador romano, Sêneca: “Se um homem não sabe que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.”
Autoconhecimento é uma grande vantagem quando se busca satisfação ou felicidade. Conhecer a si mesmo é o que te possibilita saber quais são os seus desejos, vontades, jeitos de agir, defeitos… e é esse conhecimento que te possibilita ter mais autonomia para escolher o que quer transformar em si mesmo ou não.
Você pode sentir a dor e, pode parecer estranho, mas a dor te faz se sentir vivo
O fim de um relacionamento bagunça as estruturas, te leva a reflexões e isso pode provocar consciência. Passamos a viver num estado de percepção mais profundo da realidade. Temos que buscar novos tipos de satisfação e uso do tempo livre.
Se não fosse pela dor causada pelo fim do relacionamento, veríamos de maneira mais clara o quanto esse é um momento rico em atividades e crescimento pessoal. Uns resolvem aprender a dançar, tem quem cuide melhor do próprio corpo, ou quem se dedique a dar um gás na carreira profissional.
Boa parte da nossa personalidade [e das decisões que tomamos para a vida] estão ligadas ao relacionamento em que estamos engatados. Quando a história acaba e temos que pensar apenas por nós mesmos é momento de transformar a vida e sacudir a poeira do que andava acomodado ou paralisado.
Todas as ideias que apresentei aqui, mesmo as de revisão, indicam para o presente e futuro. Quando ficamos tentando esquecer o relacionamento e a pessoa com quem vivemos uma história romântica, gastamos uma energia imensa nisso e deixamos passar o que tem de criativo e interessante neste momento.
Tentar esquecer a pessoa que foi embora é dedicar toda sua atenção ao passado, buscando jeitos de anulá-lo. Aceitar o fim e tê-lo como um novo começo é uma oportunidade incrível para se reinventar e dar novos caminhos para a vida.
E você? Quais aprendizados e crescimentos pessoais conseguiu tirar do término de um relacionamento ou rejeição amorosa?
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