A instituição de 103 anos de idade e que nunca teve uma mulher na presidência, apresenta metade de nomes femininos para lista de eleição de novos membros titulares
08/12/2019
GIULLIANA BIANCONI
Há algo se movendo na Academia Brasileira de Ciências, finalmente. A instituição de 103 anos de idade que nunca teve uma mulher eleita para a presidência em 49 mandatos - e apenas duas vice-presidentes neste período - acenou esta semana com uma planilha que reflete em algum grau o avanço da presença feminina na ciência brasileira.
Na eleição dos novos membros titulares da ABC, metade dos novos nomes são de mulheres. Elas são 7 dos 14 renomados pesquisadores que passam a compor o grupo de “cientistas radicados no Brasil há mais de 10 (dez) anos, com destacada atuação científica”, como está definida a categoria “Titulares”.
Na eleição dos novos membros titulares da ABC, metade dos novos nomes são de mulheres. Elas são 7 dos 14 renomados pesquisadores que passam a compor o grupo de “cientistas radicados no Brasil há mais de 10 (dez) anos, com destacada atuação científica”, como está definida a categoria “Titulares”.
Mas como a história da instituição está marcada por uma desigualdade abissal de gênero, até a semana passada eram 467 homens titulares diante de 86 mulheres (16%).
Com a eleição, nada muda estruturalmente na proporção. Reunindo toda a representatividade feminina entre os membros, indo além dos mais destacados e somando também os afiliados, que são jovens pesquisadores de excelência, e os membros correspondentes, que estão radicados no exterior há mais de uma década, elas são 16,4% do total. Isso mesmo: mais de 80% da Academia Brasileira de Ciências é composta por homens.
Na ABC não se faz ciência como nos laboratórios, mas sim política. Discute-se o campo, articula-se políticas públicas, busca-se mais espaço para a ciência brasileira e seus cientistas. Logo, é um espaço de poder e de projeção de cientistas na sociedade.
Embora a Academia exista desde 1916, a primeira mulher que consta nos registros como eleita, a química Aída Hassón-Voloch, entrou apenas em 1962. Carioca, filha de judeus, Hassón-Voloch já acumulava uma especialização em bioquímica na Universidade de Cambridge e outra na Universidade de Nova York quando foi aceita pelos homens como nome à altura da ABC.
Mas só viria a ser membro titular em 1992. Morreu em 2007, aos 85 anos, e grande parte da sua pesquisa foi realizada no Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No Brasil e no mundo, biografias de mulheres cientistas não são destacadas como as dos homens. A presença delas era rara nos laboratórios - e universidade - até os anos 60, mas isso já é passado.
De acordo com o IBGE, desde 2004 as mulheres são maioria na pós-graduação no país, mesmo que em áreas como Engenharias ou Matemática ainda exista, sim, um imenso desequilíbrio na representatividade de gêneros, fomentado até aqui, em grande parte, pela obsoleta crença masculina de que tais áreas eram “para homens”.
É preciso mergulhar em documentos, arquivos e buscar os poucos livros que tratam desses protagonismos. Recentemente, descobri que a vida da única mulher cientista a ganhar dois prêmios Nobel - de Química e Física -, o da polonesa , foi um inferno depois que seu marido, o físico Pierre Curie, morreu tragicamente e ela seguiu.
Eles haviam recebido juntos o primeiro Prêmio Nobel, de Física. No segundo, em 1911, ela já era viúva, e havia se envolvido com um outro cientista, um homem casado. O escândalo foi tamanho na sociedade francesa que a organização do prêmio sugeriu que ela não fosse ao evento de premiação. Mas Marie Curie não era mesmo daquela época e foi.
Depois disso, só recuperaria a reputação quando se tornou das cientistas mais úteis à França no atendimento e socorro aos feridos da Primeira Guerra Mundial.
Como jornalista que sempre leu e ouviu sobre Marie Curie e seus Nobeis, eu jamais havia tido contato com essa narrativa que revela o que poderia ser deduzido como óbvio, o imenso machismo na ciência no começo do século XX e na vida de Curie. Aliás, muito mais sobre a cientista é narrado no livro “A ridícula ideia de nunca mais te ver”, da espanhola Rosa Montero, lançado neste ano.
Outros livros e narrativas sobre mulheres, escritas por mulheres (e por homens, espera-se), podem evidenciar que a baixa presença, ainda hoje, de mulheres cientistas em espaços com o a Academia Brasileira de Ciência passa longe de ser “pela falta de interesse de as mulheres ocuparem esses espaços”.
No momento, para o triênio de 2019-2022, há uma mulher vice-presidente na ABC, a segunda, em mais de 100 anos, a biomédica Helena Nader - a primeira havia sido a checa Johanna Döbereiner, que contribuiu com descobertas importantes nas Ciências Agrárias.
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