Robert Eggers dá continuidade a estudo de gêneros que começou com "A Bruxa"
Robert Eggers surgiu para o mundo com o sucesso de seu primeiro longa de terror, “A Bruxa”, que acabou sendo um dos responsáveis por uma certa retomada na popularização do gênero, o qual passou um bom tempo lembrado pelo grande público apenas por jump scares de sagas como “Atividade Paranormal”. O sucesso do filme foi tão grande que boa parte dos espectadores – e, infelizmente, da crítica – chegou a sugerir que a obra inaugurava uma nova fase do gênero, o “pós-terror”.
De “pós-terror”, claro, “A Bruxa” não tem nada – até porque não existe “pós-terror”. O fato de um filme trazer metáforas e uma estética mais apurada, para além de sustos, não faz dele algo diferente e nem superior ao terror, afinal – obras como “Gabinete do Doutor Caligari” já trabalhavam em 1919 o gênero de forma alegórica. O longa de Eggers na época era um terror de formatação clássica que utilizava o empoderamento de sua protagonista (vivida por Anya Taylor-Joy) para criar um belo conto sobre feminilidade e como a sociedade demoniza o feminino.
De “pós-terror”, claro, “A Bruxa” não tem nada – até porque não existe “pós-terror”. O fato de um filme trazer metáforas e uma estética mais apurada, para além de sustos, não faz dele algo diferente e nem superior ao terror, afinal – obras como “Gabinete do Doutor Caligari” já trabalhavam em 1919 o gênero de forma alegórica. O longa de Eggers na época era um terror de formatação clássica que utilizava o empoderamento de sua protagonista (vivida por Anya Taylor-Joy) para criar um belo conto sobre feminilidade e como a sociedade demoniza o feminino.
Em seu novo filme, “O Farol”, Eggers não foge deste estudo dos gêneros, tanto no sentido de gênero fílmico quanto no sentido de construção social de feminino e masculino. Aqui, sai do protagonismo a jovem se descobrindo enquanto amadurece e entra um estudo da masculinidade e da inevitabilidade da loucura proeminente do falocentrismo. A premissa é simples, acompanhando os sinaleiros Winslow (Robert Pattinson) e Thomas (Willem Dafoe) a partir do momento em que chegam a uma ilhota no meio do mar para cuidar do farol que lá está localizado.
A referência ao falocentrismo fica evidente se pensarmos que dois homens são enviados a um local isolado para “cuidar” de um objeto de formato fálico, um verdadeiro pênis gigante de concreto e tijolos. Eggers ainda fortalece essa ideia, porém, ao utilizar pequenos trechos isolados ao longo da narrativa e os próprios personagens para aprimorar seu estudo. Uma pequena estatueta de uma divindade feminina dos mares, por exemplo, sugere de início que trará elementos sobrenaturais e religiosos para a trama, mas acaba utilizada única e exclusivamente para inspirar a masturbação do protagonista.
“O Farol” é um estudo da masculinidade e da inevitabilidade da loucura proeminente do falocentrismo
O sobrenatural inclusive é utilizado sempre de forma atmosférica em “O Farol”. Há sempre na trama a sensação de iminência de que alguma divindade pode emergir dos mares, tanto pelas constantes referências a Netuno quanto pelas imagens de tentáculos que surgem aqui e ali – os quais por sua vez remetem ao icônico personagem criado por H. P. Lovecraft em “O Chamado de Cthulhu”. Todos estes elementos extra-mundo estão ali, mas apenas de forma periférica e para fortalecer a atmosfera aterrorizante da narrativa, junto da sensação de que Winslow e Thomas estão a todo momento à beira da loucura e à mercê de algo maior e incompreensível para a mente humana.
Essa proximidade com a insanidade surge justo pelo fato dos personagens estarem em um ambiente absolutamente masculino, que além de adorar um objeto fálico demanda também deles o uso de suas características que, aos olhos da sociedade, são as mais masculinas. Relações de poder e o trabalho braçal são as forças motrizes da dinâmica entre Winslow e Thomas, e não é por acaso que os maiores conflitos entre a dupla acontecem quando há divergências sobre a execução das tarefas ou quando um deles identifica uma tensão sexual entre eles – algo que obviamente ameaça essa masculinidade evidenciada pelo restante da obra.
Relações de poder e o trabalho braçal são as forças motrizes da dinâmica entre Winslow e Thomas
A agressividade do “macho alfa” na sociedade patriarcal também é um elemento interessante de “O Farol”. Boa parte dos problemas que surgem ao longo do filme acontecem pelo fato de Winslow não saber lidar com empecilhos sem o uso da força bruta – sua relação com o ambiente inóspito como um todo reflete isso, por exemplo, incluindo a cena com a gaivota. Eggers utiliza os animais como alegoria para toda a natureza, evidenciando como o modelo de masculino vigente no mundo acaba por ser bruto, sujo e ineficaz, além de bastante conflitante com o mundo.
A conclusão de Eggers, neste sentido, torna “O Farol” em uma verdadeira tragédia. O fato da insanidade ter tomado conta dos personagens já não é mais relevante (e nem surpresa, já que o diretor sugere isso desde as primeiras cenas do filme), mas o fato de Winslow e Thomas abrirem mão de qualquer racionalidade para disputar quem possui mais poder se consome como verdadeiro que torna toda a espiral de loucura tão aterrorizante. Já não importa mais se a natureza ou qualquer entidade mitológica esteja prestes a engolir aqueles homens; para eles, só importa adorar e proteger o falo iluminado que os levou até ali.
Esta crítica é parte da cobertura do B9 no Festival do Rio 2019. Leia mais textos sobre o evento aqui.
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