Na Alesp, três especialistas discutiram sobre o tema
11/12/2019
Por: Jéssica Lima
Nesta segunda-feira, 9, um seminário organizado pelo mandato da deputada estadual Marina Helou (Rede-SP) reuniu, em uma mesa, três especialistas em violência doméstica para expor suas ações dentro dos órgãos em que trabalham voltados ao enfrentamento à violência contra as mulheres. Elas criticaram a falta de um serviço que centralize essas ações e que é necessária uma mobilização entre sociedade civil, setor público e privado.
Durante a discussão, foram levantadas questões que envolviam o atendimento local não só após a denúncia, mas antes, como forma de conscientização para prevenir e fazer com que a mulher se sinta mais à vontade para falar estando em um ambiente familiar, como a sua própria casa.
O evento ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo em parceria com o Consulado do Canadá e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A abertura contou com a presença de Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Dina Thrascher, representante do Consulado Geral do Canadá em São Paulo, e da deputada Marina Helou.
Já a mesa de debate foi composta pela policial canadense Stephanie Ashton, que trouxe sua experiência especializada no atendimento em casos de violência doméstica no Canadá, pela comandante Elza Paulina, da Guarda Civil Metropolitana (GCM), e idealizadora do programa Guardiã Maria da Penha, e pela psicóloga Mafoane Odara, coordenadora da área de enfrentamento à violência contra as mulheres do Instituto Avon.
Stephanie Ashton, da Real Polícia Montada do Canadá (RCMP)
Stephanie contou que, no Canadá, os sistemas não se conversam, não há uma rede integrada de apoio e supõe que no Brasil isso também aconteça. “Uma das razões pelas quais as respostas legais aos casos de violência doméstica falham é porque nossos sistemas (criminal, familiar, civil, proteção infantil, imigração) operam separadamente em busca de objetivos diferentes”, disse.
Uma questão que ela acredita que precisa ser resolvida é: o que podemos fazer quando a vítima de violência doméstica quer voltar para o agressor? Já que, como ela mesma explica, não é fácil terminar um relacionamento quando ainda existe sentimento.
Não há um crime específico de violência por parceiro íntimo no Código Penal do Canadá, mas, o que existe, abrange condutas como agressão, violência sexual, ameaças e homicídio.
Elza Paulina, da Guarda Civil Metropolitana (GCM)
A comandante Elza Paulina endossou o discurso: “Uma das razões de falha para que as ações não se fortaleçam é justamente a falta de entrosamento, de comunicação, é a dificuldade que os vários organismos têm de se falar, de confrontar ações e informações para que a gente possa se fortalecer”, disse.
O programa Guardiã Maria da Penha foi criado em 2014 e atua na fiscalização da medida protetiva expedida pela Justiça e encaminhada ao Ministério Público. Até março deste ano, atendeu 1.437 casos, segundo a Prefeitura de São Paulo.
Elza elogiou a Casa da Mulher Brasileira, que tem atendimento integrado, mas afirmou que ainda precisam existir ações que possam ir até a mulher e não só iniciativas em que ela tenha que ir até as ações.
“A Casa da Mulher Brasileira é uma casa com vários órgãos trabalhando, então nós temos a Polícia Civil, o Ministério Público, a Defensoria, Tribunal de Justiça, a sociedade civil organizada, a Prefeitura de São Paulo e a GCM. Isso, para nós, é o que seria o ideal em toda a ação, em toda atribuição que o governo pudesse oferecer para essas ações de enfrentamento da violência contra a mulher”, opinou.
A comandante também falou do desafio de discutir temas sobre violência de gênero em um ambiente predominantemente masculino como é a GCM. “Como trazer essa discussão para dentro da minha casa antes de prestar assessoria fora dela? Cuidar do cuidador. Eu preciso que esse cuidador esteja mais próximo para não ter uma série de comportamentos inadequados”, acrescentou.
Ela destacou três pontos importante do programa Guardiã Maria da Penha. “Quando o programa vai até a casa dessa mulher, ele promove um sentimento: ‘A administração pública está vindo até minha casa’. Porque até aquele momento, todas as ações que ela tinha que fazer, ela tinha que se deslocar até a administração. Quer seja no Distrito Policial, quer seja no hospital, não importa: ela se desloca.”
“Ela sente: ‘Alguém está pensando em mim, alguém me viu’. O primeiro passo para ela entender que é uma pessoa de direitos está ali naquela ação. A gente passa um pouco da fiscalização ao agressor para o cuidado com a mulher em situação de violência. Então a gente acaba fazendo duas coisas ao mesmo tempo”, explicou.
O programa também desperta na vizinha dessa mulher que recebe a fiscalização da medida protetiva da guarda civil a consciência de que se acontecer com ela, também poderá contar com a guarda e denunciar o crime, avalia Elza.
Em terceiro, é a responsabilidade consciente do território. “Quando a viatura chega, às vezes o padeiro, às vezes o borracheiro, ele chega e fala para o guarda: ‘Eu não quero me envolver com isso não, mas eu vi o homem rondando a casa dela’. É uma responsabilidade consciente que nós precisamos despertar na sociedade. A sociedade precisa entender que, em briga de marido a mulher, se mete a colher.”
Mafoane Odara, do Instituto Avon
Mafoane Odara revelou que a empresa em que trabalha não queria falar sobre violência doméstica até que uma funcionária foi vítima de feminicídio e então foi criada uma política de coalizão empresarial pelo fim da violência contra as mulheres e as meninas.
A psicóloga comentou que o país junta pessoas que pensam igual com objetivos diferentes. “Quando a gente vai para uma manifestação, hoje, no Brasil, por mais que pareça que exista uma narrativa por trás dessa mobilização, é uma multidão de uns. As pessoas saem de casa com um cartazinho. Nas fotos mostram isso: ‘Eu sou uma universitária sem emprego, me dê um emprego’. Mas a manifestação é por creches. E isso dificulta porque a gente não tem um objetivo comum”.
“Como é que se trabalha coletivamente? Quando a gente conversa. O grande problema é que a colaboração, a articulação é que faz esse negócio acontecer. O que a gente não pode deixar de fazer é se isentar da responsabilidade de ser um mobilizador de recursos para a sociedade civil”, acrescentou.
Para ela, os homens não falarem sobre os sentimentos é um grande problema. “Não se fala sobre emoção, não se fala sobre sentimento.” Deu exemplos de que quando um homem vê outro partindo para a violência, agredindo alguém, eles respondem com violência, querem apartar a briga com mais agressão. Que a parceira, quando quer conversar e o parceiro não, ele a deixa falando sozinha.
Ela também reforça que tratamos o problema como caso de polícia, mas que a violência doméstica e o feminicídio são a ponta do iceberg, o último estágio. Que deveria haver atendimento psicológico antes de qualquer sinal de violência, e o assunto, ser tratado como questão de saúde pública e não de polícia. Mas que faltam políticas e respostas eficazes.
“A violência não é só física. Não é responsabilidade da polícia investigar a violência psicológica. A violência psicológica deveria ter sido percebida antes. Isso é caso de saúde. Tem uma série de coisas que a gente não está conseguindo ver e a gente responsabiliza lugares que não são os responsáveis. A gente tem que, primeiro, identificar a violência psicológica porque é isso que mata as mulheres.”
Campanha #ElaNãoPediu
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