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quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Os filhos abandonados da ONU no Haiti

As histórias de 265 crianças haitianas que seus pais, Capacetes Azuis (dentre eles brasileiros), deixaram para trás após manterem relações com suas mães, muitas vezes em troca de comida

SABINE LEE E SUSAN BARTELS
27 DEC 2019


Criança na favela de Cité Soleil em Porto Príncipe. Agosto de 2013.
Criança na favela de Cité Soleil em Porto Príncipe. Agosto de 2013.NEKTARIOS MARKOGIANNIS (UN PHOTO)

Marie* tinha 14 anos e frequentava uma escola cristã quando conheceu Miguel, um soldado brasileiro enviado ao Haiti como parte das forças de paz da ONU, um contingente conhecido como Capacetes Azuis. Logo eles iniciaram um relacionamento. Quando lhe contou que estava grávida, Miguel lhe prometeu que a ajudaria com a criança, mas voltou ao Brasil. Marie tentou se comunicar com ele através do Facebook, mas o militar nunca respondeu.

Ao saber da gravidez, o pai de Marie a expulsou de casa e ela foi morar com sua irmã. Atualmente, seu filho tem quatro anos e Marie continua à espera de receber algum tipo de ajuda por parte do Exército brasileiro, de alguma ONG, das Nações Unidas ou do Estado haitiano. Marie faz o que pode para que nada falte ao pequeno, mas não tem condições de escolarizá-lo. Trabalha por um salário de 25 gourdes (1,09 real) por hora, o que mal cobre as necessidades alimentares de ambos. Para pagar a moradia e as mensalidades escolares ela precisa de ajuda.
Infelizmente, a história de Marie não é um caso isolado. Em meados de 2017, nossa equipe de investigação realizou uma pesquisa com aproximadamente 2.500 haitianos sobre as experiências de mulheres e meninas de comunidades onde as missões de estabilização atuavam. Entre todos os entrevistados, 265 ofereceram depoimentos sobre gestações decorrentes de relacionamentos com o pessoal militar da ONU. Esse contingente, pouco mais de 10% do total, mencionou as histórias destas crianças, dignas de nota, como se fossem uma realidade cotidiana. Do total de histórias, 28,3% envolvem soldados do Uruguai, e 21,9% do Brasil.
As narrativas revelam como meninas de apenas 11 anos eram estupradas e engravidadas pelos Capacetes Azuis, sendo depois “abandonadas na mais absoluta miséria”, conforme relatou um dos entrevistados. Tiveram que manter sozinhas os filhos que foram fruto desses relacionamentos porque os pais eram repatriados assim que a gravidez era conhecida. Como Marie, inúmeras mulheres ficaram desamparadas a cargo de seus filhos, em condições de extrema pobreza e desigualdade, a maioria sem receber nenhum tipo de ajuda.

Uma missão envolvida em polêmica

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), a operação mais extensa desenvolvida pela organização no país caribenho (2004-2017), foi concebida originalmente com o objetivo de colaborar com instituições locais em um contexto de instabilidade política dominada pelo crime organizado. O mandato foi prolongado devido às catástrofes naturais: em 2010, o Haiti sofreu um terremoto, e em 2016 padeceu os arrasadores efeitos do furacão Matthew, acontecimentos que aumentaram a insegurança da situação política do país. Depois de 13 anos de missão, a MINUSTAH chegou ao fim em outubro de 2017, dando lugar à mais modesta Missão das Nações Unidas de Apoio à Justiça no Haiti (MINUJUSTH).
A MINUSTAH foi uma das missões mais polêmicas da ONU. Foi o foco de inumeráveis acusações de exploração e abusos sexuais: não são poucos os militares e funcionários que foram relacionados com violações dos direitos humanos que incluem exploração sexual, estupros e inclusive homicídios. (Ao longo desta reportagem, empregaremos indistintamente os termos pessoalCapacetes Azuis e pacificadores para nos referirmos a membros estrangeiros, tanto militares quanto civis, associados à MINUSTAH.)
No que diz respeito à saúde pública, não existe nenhuma dúvida (de fato, a ONU reconheceu oficialmente) sobre a introdução acidental do cólera no Haiti por parte dos Capacetes Azuis. Mais de 800.000 habitantes do país precisaram de atendimento médico, e pelo menos 10.000 morreram por causa da doença.

Delmas 32, comunidade em Porto Príncipe, Haití.
Delmas 32, comunidade em Porto Príncipe, Haití.DOMINIC CHAVEZ (WORLD BANK)

Numerosos meios de comunicação já revelaram que membros do pessoal da ONU ofereciam alimentos e pequenas quantidades de dinheiro a garotas menores de idade em troca de relações sexuais. Além disso, apontou-se a relação entre a MINUSTAH e um grupo secreto que realizou abusos sexuais de todo tipo com aparente impunidade: supostamente, pelo menos 134 Capacetes Azuis procedentes do Sri Lanka exploraram sexualmente nove meninas entre 2004 e 2007. Depois que esses fatos vieram à tona graças ao trabalho da Associated Press, em 2017, a MINUSTAH se tornou um paradigma da falta de contundência perante acusações de abusos sexuais. Como consequência daquela reportagem, 114 Capacetes Azuis foram obrigados a voltar ao Sri Lanka, mas nenhum foi processado ou julgado depois da repatriação.
Estudos exaustivos evidenciam que crianças concebidas em situações de guerra costumam crescer no seio de famílias monoparentais que sofrem condições econômicas extremamente precárias provocadas pelo conflito. As circunstâncias de que o pai estrangeiro esteja ausente e que o nascimento da criança ocorra fora do casamento geralmente desembocam em situações de estigma e discriminação.
Ainda não dispomos de muitos dados sobre as consequências de ser uma criança mestiça, filha de pai militar estrangeiro, e menos ainda conhecemos as experiências pessoais dos chamados filhos da MINUSTAH, crianças haitianas cujos pais são Capacetes Azuis. Esta é, justamente, uma das razões pelas quais decidimos atrair o foco para as histórias das pessoas afetadas pelas missões executadas pelas Nações Unidas.

Nosso estudo

As histórias que esmiuçamos partem das respostas dos participantes às nossas perguntas: queríamos que nos contassem como é ser uma mulher ou uma menina em uma comunidade transformada no cenário de uma missão de estabilização. Gravamos seus depoimentos em áudio. Neles, as pessoas entrevistadas relataram suas experiências mediante um questionário pré-definido, o que nos permitiu compreender com maior precisão as circunstâncias e consequências de suas interações com os Capacetes Azuis.
Os participantes tinham total liberdade para compartilhar qualquer história sobre qualquer pessoa. Cabe destacar que em nenhum momento se insistiu para que falassem sobre abusos sexuais ou exploração. Os encarregados de registrar as declarações no verão boreal de 2017 foram colaboradores haitianos treinados para isso, e os lugares escolhidos foram comunidades próximas a 10 bases da ONU.
Perguntou-se a aproximadamente 2.500 haitianos a respeito das experiências das mulheres e meninas que vivem em comunidades que receberam missões de paz. Foram colhidos diversos testemunhos, tanto positivos quanto negativos, mas 265 das histórias (10%) versavam sobre crianças cuja paternidade correspondia aos Capacetes Azuis. Isto é especialmente notável, já que o objetivo primário das perguntas do estudo não era indagar sobre as relações sexuais entre as mulheres locais e o pessoal militar, nem girava em torno das crianças concebidas a partir dessas relações.
O que a espontaneidade dessas respostas sugere não é só que os abusos sexuais e a exploração por parte dos Capacetes Azuis não eram fatos isolados. Um entrevistado de Port-Salut afirmou: “Muitas garotas têm filhos dos MINUSTAH”. Declaração referendada por outro homem de Saint-Marc, que nos contou que a MINUSTAH “deixou muitas crianças sem pais”.
Alguns dos relatos foram compartilhados em primeira pessoa por mulheres que tinham parido filhos resultantes de relações com pessoal da ONU, enquanto outras revelações eram apresentadas por membros de suas famílias, amigos ou vizinhos. Até onde nosso conhecimento alcança, estas histórias constituem a primeira investigação empírica que pretende dar voz às famílias afetadas pela exploração e os abusos sexuais perpetrados pelos Capacetes Azuis da ONU.

Sexo por um prato de comida

Vários dos encontros entre mulheres e meninas haitianas e o pessoal militar da ONU foram descritos como violência sexual. Um homem de Cité Soleil recordava que “todos os dias escutava mulheres se queixarem da violência sexual que os MINUSTAH exerciam contra elas. Além disso, eram contagiadas com AIDS, e algumas delas engravidaram”.

A praia de Calico ficou famosa por ser ponto de prostituição.
A praia de Calico ficou famosa por ser ponto de prostituição.CHANTEL COLE

Não só escutamos histórias de abusos sexuais contra mulheres e meninas, mas também sobre homens e meninos que sofreram maus tratos semelhantes por parte dos MINUSTAH. No entanto, as agressões sexuais eram a nota discordante, pois as relações escondiam um problema muito habitual nestes contextos, embora com menos repercussão midiática que os estupros: a troca de bens ou dinheiro por sexo com pessoal da ONU.
Um homem casado de Cité Soleil descreveu um padrão comum pelo qual as mulheres recebiam pequenas quantias em dinheiro em troca de sexo: “Vinham, dormiam com elas, se aliviavam, deixavam-lhes com a criança no braços e lhes davam 500 gourdes [pouco mais de 20 reais]”.
Em outros casos, os membros da MINUSTAH davam comida às mulheres, o que indica as condições de extrema pobreza que propiciavam esses encontros sexuais. Um homem de Port-Salut assim relatou: “Faziam sexo com as garotas já nem por dinheiro, e sim em troca de alimentos, de um prato de comida”.

A evolução das relações

Outra linha de investigação que recebeu pouquíssima atenção em relatórios anteriores é a evolução das relações sexuais consensuais entre membros da MINUSTAH e as mulheres do Haiti. Às vezes, não passavam de relações esporádicas que derivavam em gestações, como é o caso que relata um homem de Port-Salut:
“Minha irmã saía com um soldado da MINUSTAH, e toda minha família sabia, minha mãe e todo mundo. Mas depois ficou grávida e, desde então, a vida da minha irmã é um desastre.”
Outros relacionamentos se caracterizavam pelo carinho e o compromisso, como o desta mulher:
“Vivia em Cité Soleil e tinha uma relação com um MINUSTAH em que reinava o amor. Afinal, fiquei grávida dele.”
Ao longo da investigação, descobrimos que manter relações com militares brancos e ter filhos de pele branca era, às vezes, algo desejado. Uma mulher de Léogâne revelou que existiam “rumores” a respeito de garotas que mantinham relações com os MINUSTAH e ficavam grávidas porque “queriam ter crianças lindas”.
Independentemente da natureza do relacionamento – consensual ou transacional –, foi possível apreciar certos padrões específicos no que se refere aos lugares e à maneira como ocorriam. Por exemplo, era habitual que os encontros acontecessem na praia ou em um hotel, conforme detalha uma mulher de Cité Soleil sobre uma amiga: “Costumavam ir à praia e depois a um hotel, o homem branco pagava e faziam sexo”.
Também é motivo de grande preocupação que muitas das mães que pariram e criam crianças resultantes de suas relações com os Capacetes Azuis fossem adolescentes e, portanto, não tivessem ainda a idade mínima para dar seu consentimento às relações sexuais. Uma mulher de Cité Soleil nos contou: “Por aqui se veem garotas de 12 e 13 anos que os MINUSTAH engravidaram e abandonaram na pobreza com as crianças aos seus cuidados. Falamos de pessoas cuja vida já era estressante e desgraçada por si só”.

Desamparo

A maioria dos relatos mostra que, ao saberem das gestações, os pacificadores da MINUSTAH eram repatriados pela ONU aos seus países de origem. Uma mulher de Port-Salut nos contou que “uma de minhas irmãs teve um filho com um MINUSTAH. Teve porque o conheceu e se apaixonou por ele. O soldado cuidava dela, mas o repatriaram e aí ele deixou de lhe mandar coisas”.
Um homem de Hinche relatou uma experiência parecida que teve uma garota que conhecia: “Engravidou de um MINUSTAH. (…) Aí o transferiram, deixou seu posto e nunca o voltaram a ver”.

Poucas mães conseguem arcar com os custos para que seus ‘bebês de paz’ frequentem escolas como esta de Kolminy.
Poucas mães conseguem arcar com os custos para que seus ‘bebês de paz’ frequentem escolas como esta de Kolminy.MICHELLE D. MILLIMAN (SHUTTERSTOCK.COM)

Depois da partida dos Capacetes Azuis que tinham sido ou seriam pais, muitas mulheres jovens se viram sozinhas com o dever de criar um filho em condições de pobreza extrema. Algumas tiveram sorte e contaram com a ajuda de suas famílias, mas eram exceções.
Em praticamente todos os casos, o acesso à educação estava fora do alcance da mãe ou da família, conforme lamenta uma mulher de Port-Salut:
“Comecei a conversar com ele, ele me disse que me amava e eu aceitei sair com ele. Três meses depois estava grávida, mas em setembro o mandaram de volta ao seu país. O menino está crescendo e minha família está me ajudando com o que pode. Tenho que voltar a escolarizá-lo – é que o expulsaram porque eu não tinha como pagar as mensalidades”.
Um homem de Cap-Haïtien comentava:
“Os soldados destroçaram o futuro destas garotas ao deixá-las grávidas para depois abandoná-las. Este comportamento pode gerar consequências negativas para a sociedade e o país em geral, já que estas jovens poderiam ter se tornado advogadas, médicas ou alguma outra coisa que pudesse ter servido de ajuda ao Haiti no dia de amanhã. Agora, podemos ver muitas vagando pelas ruas ou pela feira com um cesto na cabeça e vendendo laranjas, pimentões e outras coisas para poder criar os filhos que tiveram com os soldados da MINUSTAH”.
Em alguns casos extremos, embora poucos, os membros da comunidade relataram que as mulheres e meninas desamparadas não tiveram outra opção senão se envolverem em mais relações sexuais com Capacetes Azuis para alimentarem filhos nascidos dos encontros prévios com os MINUSTAH. Um homem de Porto Príncipe compartilhava um exemplo:
“Ele a deixou largada na pobreza porque quando fazia sexo com ela era em troca de muito pouco dinheiro. Agora que a missão está acabando, ele vai embora e ela se afunda na miséria, e se vê obrigada a repetir o mesmo processo para dar de comer ao seu filho, percebe?”
As histórias que reunimos estavam repletas de pedidos de ajuda dirigidos à MINUSTAH e às autoridades haitianas. Um homem de Port-Salut deixou clara sua reivindicação:
“Eu gostaria de pedir aos encarregados da MINUSTAH que assumissem as responsabilidades no que diz respeito aos filhos dos membros da missão. Fazemos o que podemos, mas não são condições para criar uma criança.”

Poder e exploração

Nossa investigação deixa claro o que grande parte da literatura acadêmica dá a entender sobre as economias de países onde há missões estabilizadoras: a pobreza é um fator subjacente importante para a exploração e os abusos sexuais consumados pelas forças pacificadoras.
Em numerosos casos, a diferença de poder existente entre os Capacetes Azuis estrangeiros e as populações locais permite aos primeiros explorar mulheres e meninas que fazem parte das segundas, seja de maneira consciente ou inconsciente.
O predomínio das relações sexuais com um componente comercial nos dados reunidos evidencia a envergadura das desigualdades estruturais, materializado no acesso do pessoal da ONU a recursos que a população local necessita ou deseja, por isso os Capacetes Azuis se encontram em uma posição vantajosa para intercambiar esse objeto de desejo por sexo.
Embora grande parte das histórias mencionadas nos parágrafos anteriores tenham sido colhidas em Port-Salut e Cité Soleil, os relatos não diferiam muito entre os diferentes pontos do Haiti – sem falar que o fenômeno descrito não ocorreu unicamente neste país caribenho. De fato, o trabalho que realizamos previamente na República Democrática do Congo nos mostra uma situação similar.
Dentro de sua política de tolerância zero, a ONU reconhece a existência de desigualdades socioeconômicas e de poder com o potencial para propiciar “relações íntimas” entre os pacificadores e as mulheres locais em um marco de exploração.
Basicamente, a ONU proíbe praticamente todas as relações sexuais entre o pessoal das missões e as mulheres dos lugares onde ocorrem as operações. A informação reunida por nossa equipe, além de mostrar que tal proibição absoluta é ineficaz, indica que é necessário focar o assunto da formação personalizada dos membros da ONU, com o propósito de acabar de uma vez por todas com a impunidade que ainda hoje cerca a conduta inapropriada dos Capacetes Azuis.
Outro elemento fundamental radica na necessidade de dispor de um maior número de mecanismos efetivos que permitam às vítimas de explorações e abusos sexuais e a seus filhos (nascidos tanto de relações consensuais como de estupros) o acesso às ajudas. A aplicação de medidas nesse sentido poderia pôr fim à negativa espiral socioeconômica que mantém as vítimas (especialmente as crianças) retidas em circunstâncias de urgentes estreitezas econômicas só servem para perpetuar o ciclo da pobreza.

Apoio às crianças

Em janeiro de 2018, o Bureau des Avocats Internationaux (BAI) haitiano apresentou várias ações de reconhecimento de paternidade perante a Justiça desse país, representando 10 supostos filhos de Capacetes Azuis. A intenção do BAI era pressionar a ONU a instituir uma ajuda econômica aos menores.
Um ano depois, o BAI dirigiu uma carta aberta à Defensora das Nações Unidas para os Direitos das Vítimas, Jane Connors, em que deixava patente sua frustração ao constatar a falta de sensibilidade e intenção de cooperar por parte da ONU, desinteresse que tornou “praticamente impossível” que seus clientes obtivessem justiça.
Depois de certificar a negativa da ONU em facilitar os resultados das análises de DNA dos exames de paternidade, apesar de receber ordens explícitas por parte de um tribunal do Haiti, a carta conclui observando que a ONU mandava “uma mensagem alarmante”, devido à “total ausência de respeito” ao sistema judicial haitiano e o Estado de direito.
A inação da ONU faz sugiram incógnitas de todo tipo sobre a retórica da organização quanto à defesa da dignidade e os direitos das pessoas afetadas pela exploração e os abusos sexuais perpetrados pelos Capacetes Azuis.
Além disso, põe em dúvida a efetividade das intervenções desenvolvidas pelo Escritório das Nações Unidas para a Defesa dos Direitos das Vítimas, cuja função é advogar pelos direitos das vítimas e envolver a ONU na luta contra a exploração e os abusos sexuais ao serviço de suas reivindicações.

Recomendações

Os descobrimentos a que nossa investigação nos conduziu nos permitem elaborar três recomendações fundamentais.
1) A formação do pessoal da ONU deve incluir um compartimento de conscientização cultural que reforce o entendimento dos efeitos que as diferenças de poder podem causar nas frágeis economias dos países submetidos ao processo de estabilização. Do mesmo modo, a instrução deve insistir no desejo percebido de ter um filho com um pacificador, assim como não deve esquecer as consequências socioeconômicas que as mulheres em situação de vulnerabilidade sofrem após serem abandonadas tendo que cuidar de um filho concebido com pessoal da ONU.
2) A ONU deve cessar a repatriação dos indivíduos implicados em casos de exploração ou abusos sexuais, já que isso acarreta consequências duplamente negativas. Em primeiro lugar, impede que o suposto agressor seja julgado de maneira eficaz num processo que permita dirimir se sua conduta foi inapropriada. Em segundo lugar, afasta-o de qualquer jurisdição dentro da qual a vítima – seja a mãe ou a criança – tenha a oportunidade de obter o apoio econômico necessário para garantir que o concebido cresça nas condições apropriadas.
3) A recente nomeação da Defensora dos Direitos das Vítimas das pessoas afetadas pela exploração e os abusos sexuais deve ser acompanhada de uma série de medidas que permitam cortar pela raiz algumas das injustiças em nível estrutural. Ao mesmo tempo, deve agir em representação das vítimas e funcionar como um alto-falante dentro da ONU e em colaboração com os países que são alvo da estabilização e com os países que colaboram enviando suas tropas.
Muitas das pessoas que participaram das entrevistas expressaram sentimentos similares a respeito da necessidade de reconhecimento e ajuda às crianças haitianas filhas de Capacetes Azuis. Um homem declarou: “Conheço muitas mulheres e moças que têm crianças dos MINUSTAH sob seus cuidados. Eu gostaria que [a ONU] assumisse suas responsabilidades, que tomasse a iniciativa e se reunisse com elas para ajudá-las com seus filhos”.
(*) Nome alterado para proteger o anonimato da pessoa em questão.
Este artigo foi publicado originalmente no The Conversation. Leia aqui a versão em inglês.
Sabine Lee é professora de História Moderna na Universidade de Birmingham e recebe recursos da AHRC, UE, SSHRC.
Susan Bartels é cientista clínica na Universidade Queen's, Ontário, e recebe financiamento da SSHRC, Elrha, Universidades do Canadá e do Grupo Iniciativa de Investigação sobre a Violência Sexual, do Banco Mundial.
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