Militares de três estados também participaram de coletânea. 'Nós, mulheres, somos iguais nesse aspecto', diz capitã de Brasília que escreveu capítulo sobre feminismo.
Por Marília Marques, G1 DF
16/02/2020
A cada dia, 45 denúncias de violência doméstica são registradas, em média, no Distrito Federal. Em todo ano passado foram 16.549 casos de mulheres agredidas física e psicologicamente. Na outra ponta, policiais militares que atuam nas ruas são treinados para conter o agressor e orientar as vítimas sobre os canais de ajuda.
Em meio aos militares, a capitã Danielle Alcântara, de 37 anos – sendo 17 deles na PM– esteve presente em uma série de atendimentos a meninas e mulheres espancadas, abusadas sexualmente e até assassinadas. Danielle decidiu contar, em livro, a experiência de ser uma "policial feminino" nas ruas (veja detalhes abaixo).
Em meio aos militares, a capitã Danielle Alcântara, de 37 anos – sendo 17 deles na PM– esteve presente em uma série de atendimentos a meninas e mulheres espancadas, abusadas sexualmente e até assassinadas. Danielle decidiu contar, em livro, a experiência de ser uma "policial feminino" nas ruas (veja detalhes abaixo).
A capitã, que atualmente trabalha na Subchefia de Políticas Sociais e Primeira Infância, é doutora em sociologia da violência pela Universidade de Brasília (UnB) e integra uma lista de 18 coautores da coletânea "Feminicídio, Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher".
A obra foi lançada no fim de janeiro e reúne militares de três estados e do DF. O trabalho aborda as nuances da violência sob a ótica policial.
"Usamos dados do panorama nacional a partir do Mapa de Violência Contra a Mulher. Os números evidenciam como o fenômeno cresce", disse a capitã. "Reunimos relatos de policiais desde o atendimento às vítimas à prisão dos agressores", explica.
"A violência é um fenômeno que atinge a todas, sem diferença de classe. [...] Quando a PM chega, o estado emocional das vítimas é o mesmo. Nós, mulheres, somos iguais nesse aspecto... E é valoroso ter esse olhar."
Policiais nas ruas
Em um dos capítulos do livro, a capitã Danielle refaz a linha do tempo desde os primórdios do movimento feminista no Brasil até a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam). No meio do caminho, ela cita a entrada em vigor da Lei Maria da Penha.
"Antes, a violência era reconhecida como algo de foro íntimo, briga de marido e mulher", diz. "Mas o movimento feminista, que começou estigmatizado e radical, desembocou no que temos hoje como posicionamento de governo".
"Graças a essas movimentações, que foram desvalorizadas em algum momento, hoje temos o Estado sendo cobrado para abordar essa pauta e atuar."
Ao G1, a capitã também relembrou os quase 10 anos de atuação nas ruas da capital e como o fato de ser uma policial mulher foi importante na abordagem às vítimas. "Somos treinadas para identificar outros tipos de violência, que não só a física".
"É um trabalho sensível, de escuta dessas mulheres, de atendimento e acompanhamento jurídico."
Entre os casos marcantes, a PM cita o de uma mulher morta a facadas pelo companheiro, em 2016, no Gama. "Ao entrar no barraco, me deparei com quatro crianças ensanguentadas chorando em cima da mãe".
Em outro momento, dois anos depois, a capitã ajudou a prender um outro agressor. O homem havia matado a mulher a tiros, dentro do carro onde também estavam as filhas – duas crianças de 4 e 6 anos.
"Perguntei para o agressor por que ele tinha feito aquilo. Ele me disse que era porque a mulher 'falava demais'. Isso é triste."
Violência psicológica
Em outro capítulo do livro, a narrativa é comandada pela tenente Morena Barbosa, de 33 anos. Há nove anos na PM do DF, a militar eternizou em palavras as experiências de ronda nas ruas em casos de agressões contra mulheres.
Em meio às lembranças, ela destaca que a violência psicológica, que não deixa marcas, é igualmente cruel. "Ela destrói a estrutura emocional e afeta a percepção da vítima sobre a realidade", explica.
"Quando o agressor destrói o emocional, o prejuízo é para o resto da vida."
A policial também chama a atenção para a atuação de PMs mulheres nas abordagens. "Acredito que a mulher policial militar traz uma percepção diferente", diz.
"Colocando uma policial mulher em ocorrência de Maria da Penha cria-se um nível de segurança diferenciado pra vítima", aponta. Como exemplo prático da relevância do trabalho, a tenente Morena relembra situações em que se viu frente a frente com a vítima e, ainda sim, ouviu da mulher agredida que não gostaria de denunciar o marido.
"Nesses casos, a gente não consegue trabalhar diretamente com ela [vítima], mas nós conversamos com a mãe, para encaminhá-la ao CRAS [Centro de Referência de Assistência Social] e receber apoio do Provid [Prevenção Orientada à Violência Doméstica].
"A percepção do policial sobre a vítima muda demais depois que se toma consciência da existência da violência psicológica."
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