Coluna ‘Por Elas: Pandemia e Segurança’, todas as quintas-feiras
Por Luana Hordones e Isabela Araújo
Quinta-feira, 28 de maio de 2020
Chegamos ao final do mês de maio, considerado pelas/os brasileiras/os como o mês das mães. Neste ano, a data comemorada no segundo domingo do mês, se deu em meio a pandemia da COVID-19 e, por este motivo, grande parte das mães brasileiras não puderam estar com seus filhos ou filhas. Mas existe uma outra realidade materna, por muito tempo desconsiderada, e que não poderíamos ignorar.
Anteriormente já marcada por precárias condições de vida, violação de direitos e invisibilidade, é hoje uma realidade que, para além de tudo, o poder público tem demonstrado uma dificuldade extraordinária para administrar. Mães para as quais o dia das mães não é necessariamente uma data de comemoração, mas sobretudo um dia de privações. De um lado, mulheres que cumprem pena de prisão e são separadas de seus filhos e filhas por anos. De outro, mulheres gestantes e recém mães que se encontram em presídios sabendo que cada novo dia significa um dia a menos com suas crianças, vivendo a todo instante a angústia da separação obrigatória que se aproxima. Soma-se a isso o que destacamos aqui: muitas dessas mães, que estão privadas de liberdade sem condenação, são, ainda, privadas da garantia de seus direitos, desde antes de serem julgadas pelo sistema de justiça criminal. É sobre a realidade destas mulheres encarceradas, no contexto de pandemia, que a coluna desta quinta se dedica.
Anteriormente já marcada por precárias condições de vida, violação de direitos e invisibilidade, é hoje uma realidade que, para além de tudo, o poder público tem demonstrado uma dificuldade extraordinária para administrar. Mães para as quais o dia das mães não é necessariamente uma data de comemoração, mas sobretudo um dia de privações. De um lado, mulheres que cumprem pena de prisão e são separadas de seus filhos e filhas por anos. De outro, mulheres gestantes e recém mães que se encontram em presídios sabendo que cada novo dia significa um dia a menos com suas crianças, vivendo a todo instante a angústia da separação obrigatória que se aproxima. Soma-se a isso o que destacamos aqui: muitas dessas mães, que estão privadas de liberdade sem condenação, são, ainda, privadas da garantia de seus direitos, desde antes de serem julgadas pelo sistema de justiça criminal. É sobre a realidade destas mulheres encarceradas, no contexto de pandemia, que a coluna desta quinta se dedica.
No Brasil, as mulheres que cumprem pena de prisão, sejam elas condenadas ou provisórias, são alocadas em unidades diferentes, a depender do local de apreensão, da disposição de vagas e das características de cada presídio. As mães que habitam o cárcere estão, portanto, em diversos locais: algumas em unidades prisionais mistas, algumas em presídios exclusivamente femininos, e outras em unidades materno-infantis (prisões que abrigam gestantes, puérperas, e mães de crianças que estão, no mínimo, em fase obrigatória de amamentação). Com um total de 42.355 mulheres presas, um déficit de 15.326 vagas no sistema prisional, e aproximadamente 19.059 presas provisórias, fica evidente que para além das conhecidas condições de precariedade dos presídios e da superlotação do sistema, fala-se muito pouco das mães aprisionadas e das formas de maternagem condicionadas pela prisão. Segundo o último levantamento do Depen, contabilizando somente gestantes, puérperas e aquelas com filhos até doze anos, tínhamos no final do mês de março deste ano, 13.073 mães presas, entre condenadas e provisórias.
A presença de mulheres gestantes e mães em presídios brasileiros é uma questão que vem sendo discutida pelo Estado na última década. E esta realidade foi se tornando preocupante à medida que a população prisional feminina foi crescendo de forma exponencial. Nesse sentido, a Lei Federal nº 13.257, mais conhecida como “Marco Legal da Primeira Infância” foi promulgada em 2016. A lei, centrada na promoção do desenvolvimento infantil, incluía os direitos das/os filhos e filhas de mulheres presas, e preconizava a concessão da prisão domiciliar como substituição da prisão preventiva às mulheres gestantes e mães com filhos de até 12 anos, desde que não houvessem cometido crime com violência ou contra filho ou dependente. Todavia, apesar do que prescreve a Lei Federal, os juízes continuaram adotando a pena de privação de liberdade para mulheres que deveriam se beneficiar dela.
Diante disso, em 2018 o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) enviou ao Supremo Tribunal Federal o pedido de Habeas Corpus Coletivo nº143.461, pedindo que mulheres gestantes, recém mães e mães de crianças até 12 anos de idade que estavam sob a custódia do Estado provisoriamente, tivessem a pena de privação de liberdade substituída pela prisão domiciliar. Ou seja, solicitando o cumprimento da Lei Federal já existente. Entre as justificativas ressaltadas no documento estavam: a existência do Marco Legal da Primeira Infância, o aumento considerável das prisões provisórias, e o não acesso à saúde, principalmente em relação às mulheres grávidas e puérperas. O Habeas Corpus foi aprovado, mas ainda hoje não há estimativas de quantas mulheres foram beneficiadas por ele, e qual foi o seu real impacto na realidade dessas mães.
E agora, considerando o cenário de rápida propagação do coronavírus nas prisões do país, mulheres que foram privadas do seu direito à prisão domiciliar e, consequentemente, privadas de melhores condições de saúde e da convivência em família, compõem o grupo mais vulnerável da população no controle da pandemia: a população carcerária – que, em contexto de extrema precariedade e superlotação, sofre com um maior risco de morte. Aqui, é importante destacar que diante da maior crise sanitária dos último tempos, para além das péssimas condições de higiene, apenas 37% dos detentos/as estão em estabelecimento capaz de oferecer atendimento de saúde adequado.
Como medida de contenção do vírus, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rapidamente soltou a Recomendação nº62. O documento, datado do final de março, sugere que dentre outros grupos, mulheres gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até doze anos possam ser beneficiadas da prisão domiciliar, em caso de cumprimento de prisão provisória. E também se refere àquelas que são responsáveis por pessoa com deficiência, idosos, indígenas ou que se enquadrem no grupo de risco. Tendo em vista que o perfil majoritário da população carcerária feminina é de mulheres jovens, com filhos pequenos, e presas por crimes relativos à lei de drogas, a recomendação do CNJ alcança uma grande parte do sistema prisional e pode ter efeitos consideráveis no controle da pandemia.
Como visto, apesar de tal recomendação ser, de fato, uma medida de extrema importância para o sistema prisional neste momento, ela não é inédita com relação à jurisprudência que há alguns anos vem tratando das mulheres mães privadas de liberdade. Quando consideramos as decisões judiciais a partir de 2016, a nota emitida pelo CNJ não traz avanço ou grande novidade para esse grupo. Mais uma vez, o que há é a reafirmação de uma lei que já deveria estar em cumprimento há quatro anos e, se considerarmos o Habeas Corpus coletivo, há pelo menos dois anos. A Recomendação 62 reitera, por sua vez, a ineficiência e o descaso com os quais a justiça vem tratando a realidade destas mulheres e os seus direitos de maternar.
Em meio a uma pandemia, estamos falando do risco eminente de adoecimento e morte sob a tutela do Estado e, nesse caso específico, devido ao descumprimento das normas já validadas e reiteradas pelo Sistema de Justiça. Atualmente, 74% das mulheres presas no Brasil são mães. Pensando no que foi proposto pelo HC Coletivo, que abrange apenas presas provisórias, o Departamento Penitenciário Nacional divulgou o dado de quantas mulheres seriam beneficiadas pela lei. Em dezembro de 2019, seriam: 77 grávidas, 20 puérperas e 3.136 mães de crianças até 12 anos. Diante desse contexto, a CADHu enviou uma nova petição, com base na Recomendação 62 do CNJ, ao Supremo Tribunal Federal, para que tal medida seja estendida às mulheres presas com condenações definitivas e àquelas acometidas por doenças crônicas. Se assim fosse, ao invés de serem 3.233 mulheres com seu direito a prisão domiciliar assegurado, seriam 17.559. Ou seja, caso a petição fosse aprovada, 17.559 mulheres poderiam regressar ao seu lar para cumprimento da prisão em domicílio, cuidando de seus filhos.
Isso significa uma diminuição considerável do número de mulheres no sistema prisional, que reflete na diminuição das aglomerações em prisões femininas e em uma assistência à saúde possivelmente mais digna a quem se mantiver nas unidades prisionais – medidas fundamentais para conter o contágio da COVID-19. E é importante destacar que além de pôr em risco a saúde física, o cárcere traz adoecimentos psicológicos a essas mulheres mães.
Gestantes e recém mães encarceradas são acometidas por adoecimento mental que tem como causa principal o sofrimento relacionado à separação iminente da/o filha/o em um momento de grande fragilidade. O mesmo acontece com as mulheres que possuem filhas/os com até 12 anos de idade, que se angustiam com a falta da convivência com suas crianças, com a impossibilidade de cuidar delas e, muitas vezes, com a ausência de notícias. Tendo em vista a realidade atual, com a suspensão de visitas, o risco da propagação do coronavírus e a vulnerabilidade social em que vivem as famílias das presas, o sofrimento causado pela distância é agravado.
Acontece que por mais que tenhamos como mapear as condições a que estas mulheres estão submetidas dentro dos cárceres brasileiros, tendo em vista nossas pesquisas em prisões femininas, poucas são as informações disponíveis sobre elas no contexto de pandemia. Em rápida busca em sites de pesquisa, só identificamos uma notícia sobre mulheres presas no Ceará que, ao serem transferidas para uma unidade com 28 casos confirmados de COVID-19, são expostas ao risco de contágio e distanciadas de suas famílias no meio da crise epidemiológica. Como medida de proteção, no mês de abril, o Depen soltou uma nota técnica com sugestões extremamente pontuais e pouco efetivas para a assistência à saúde de gestantes, parturientes, mães que amamentam e mulheres que vivem com seus filhos na prisão.
A invisibilidade das mães encarceradas em tempos ‘normais’ é, portanto, escancarada com o advento da pandemia. Seja para a gestão pública, para os meios de comunicação, ou para a celebração do dia das mães, estas mulheres são desconsideradas. O que evidencia a estrutura de poder patriarcal que perpassa as múltiplas punições a que estas mulheres são condenadas. Uma notícia, diz muito sobre a rejeição moral que sofrem essas mulheres quando cometem crimes: não foi pontuada nenhuma ação para dia das mães para mulheres encarceradas, tais iniciativas foram realizadas somente para as mães de homens presos no Distrito Federal. Precisamos, pois, considerar o caráter romântico da maternidade que habita nosso imaginário social, junto à idealização da figura materna e dos seus papéis em nossa sociedade: o que gera um ‘conflito moral’ com as ações ilegais de uma mulher presa, mesmo que sem condenação. Há algo de punitivo no campo social, para além da morosidade das ações no sistema de justiça, que nega a garantia de direitos e a visibilidade a essas mulheres mães. Mas, essas mães existem, são muitas e devem ter acesso a seus direitos e à convivência com seus/as filhos/as. Este texto é o nosso abraço virtual às mães que há muito não são abraçadas por suas crianças e pelo Estado.
Luana Hordones e Isabela Araújo são pesquisadoras do CRISP na Universidade Federal de Minas Gerais e escrevem para o Justificando na coluna Pandemia e Segurança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário